Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no Japão, em 1964, a atleta carioca Aida dos Santos ficou em quarto lugar no salto em altura. Ela competiu sem técnico, uniforme, tênis adequado e intérprete. Era a única mulher em uma delegação de 68 atletas. Quase 60 anos depois, a trajetória olímpica de uma mulher negra e pobre de Niterói (RJ) salta das páginas da história para o cotidiano atual, marcado pela luta contra o racismo e pela busca de igualdade de gênero.
Aida obteve a melhor posição de uma atleta brasileira em Olimpíadas em 32 anos. A marca só foi superada nos Jogos de Atlanta, nos Estados Unidos, em 1996. O feito de Aida está sendo revisitado por causa de uma nova Olimpíada realizada em Tóquio. Os Jogos de 1964 foram os últimos da capital japonesa. Uma nova edição estava marcada para julho de 2020, mas foi adiada por causa da pandemia do novo coronavírus. A cerimônia de abertura será em 23 de julho deste ano.
Dois meses atrás, a ex-atleta de 83 anos recebeu uma homenagem na cidade onde nasceu. No aniversário do salto memorável, Aida ganhou um mural de 30 metros no Caminho Niemeyer feito pelo artista plástico Marcelo Lamarca. Na inauguração, ela disse que as pernas que a colocaram entre as maiores esportistas da história do país estavam bambas.
A trajetória de Aida (a pronúncia correta é Aída) virou filme. No documentário Aida dos Santos - uma mulher de garra, dirigido por André Pupo e Ricardo Quintela, em 2012, ela teve a chance de voltar à capital japonesa para reviver o roteiro da vida. As lembranças da campeã estadual, brasileira, sul-americana e pan-americana de salto em altura são agridoces.
“Tenho lembranças boas por participar de uma Olimpíada, mas tristes porque estava sozinha na delegação em Tóquio, sem técnico, sem ninguém da minha modalidade, sem material para competir. Chorei muito, vivia chorando. Mas eu tinha que competir, representar meu país”, contou.
As dificuldades começaram antes mesmo da competição. Depois de atingir índice olímpico, saltando 1,65m no Troféu Brasil, a atleta ainda precisou passar por mais cinco classificatórias para ratificar a marca. É difícil imaginar uma atleta sozinha em um torneio internacional, mas foi o que Aida viveu na primeira Olimpíada no continente asiático.
Sem compreender inglês ou japonês, ela preencheu a ficha de inscrição na Vila Olímpica apenas com o nome e a data de nascimento. Isso porque o funcionário japonês cantou Parabéns para você para indicar a informação de que precisava. Aida treinava sozinha, pois não tinha técnico. Nas horas vagas, ela andava de bicicleta. Nem nesses momentos, ela tinha paz. Companheiros da delegação diziam que ela era “turista”. Em Tóquio, ela era a única mulher entre 68 homens. Quando não estava treinando ou pedalando, Aida chorava. “Eu via as outras meninas com dois ou três técnicos: corrida, onde batia o salto e a finalização. E eu não tinha nenhum”.
No estádio, ela imitava as outras competidoras para encontrar o local de preparação no Estádio Nacional. Aonde elas iam, Aida ia atrás. Ela também não tinha a sapatilha de prego, própria para a modalidade. E teve de competir com um calçado para corridas de 100m emprestado por um fornecedor. Era improvisar aquele tênis ou competir descalça.
Para chegar à final, ela precisava saltar 1,70m, marca inédita na carreira. O recorde pessoal havia sido 1,68m. Mesmo ressabiada com o estádio cheio, ela conseguiu. Classificou-se para a final, mas torceu o pé. “Torci porque no Brasil eu estava acostumada a pular em um buraco de areia. Não havia colchão. Quando a gente usa um material melhor, a gente também estranha.”
No momento da contusão, ela olhou a arquibancada lotada em busca de uma bandeira do Brasil para pedir ajuda. Não achou nenhuma. Foi um médico cubano que a ajudou com uma bota de esparadrapo. Parece ficção, mas tudo é realidade. Na final, nova superação. Mesmo machucada, ela saltou 1,74m, recorde sul-americano. Ficou em quarto lugar, poucos milímetros atrás de uma romena, uma australiana e uma russa. E ela só ficou sabendo do resultado histórico depois, quando saía do estádio. “Não tinha conhecimento se estava em quarto, quinto ou sexto. Foi gratificante. Foi com garra, fé, força de vontade e amor ao Brasil.”