Aos 21 anos, Hugo de Souza Nogueira, o Hugo Souza, chamado carinhosamente pelos torcedores do Flamengo de Neneca, viveu um sonho nos últimos quatro dias. Revelado pelas categorias de base do Flamengo, saltou de terceiro reserva de Diego Alves a titular em quatro dias. Eleito o melhor jogador no empate por 1 x 1 com o Palmeiras, domingo passado, no Allianz Parque, deixou os concorrentes Gabriel Batista e César para trás e também assumiu as traves rubro-negras na goleada por 4 x 0 sobre o Independiente del Valle na Libertadores. Por sinal, pela primeira vez, em sete jogos, o time carioca não foi vazado.
Parte do sucesso de Hugo Souza tem a ver com um ex-preparador de goleiros dele nas divisões de base do Flamengo. José Jober foi treinador de Neneca por quatro anos no clube. O profissional está fora do país. Trabalha no Chongquing Dangdai, time da primeira divisão do Campeonato Chinês classificado para a fase de mata-mata da China Super League. Marcinho, Fernandinho, Alan Kardec e Marcelo Cirino são alguns brasileiros da equipe.
Apesar do fuso horário de +11h, José Jober continua conectado com o Brasil. No domingo passado, não assistiu ao jogo do Flamengo contra o Palmeiras porque ficou em dúvida se haveria jogo ou não. Queria ver o pupilo Hugo Souza em campo. O fuso horário do jogo contra o Independiente del Valle foi mais favorável.
No bate-papo a seguir com o Correio, José Jober lembra que, certa vez, ganhou um doce presente do menino que viajava diariamente de Duque de Caxias até o Ninho do Urubu para treinar. Grato pela atenção que o preparador de goleiros dedicava a ele desde os 13 anos, Hugo Souza deu uma barra de chocolate a Jober na Páscoa de 2013. Sete anos depois, o Neneca trilha um caminho para virar ídolo da maior torcida do país.
Você trabalhou quatro anos com o Hugo Souza no Flamengo. Quais são as lembranças?
É um goleiro que eu conheço bem. Comecei a trabalhar com ele, em 2013. Ele tinha subido da categoria sub-13, do mirim, para começar um trabalho no sub-14. Tive oportunidade de trabalhar com ele no total, de forma direta, por quatro anos. Trabalhei dois anos no infantil com ele e depois fui para o juvenil. Quando eu subo para o sub-17, ele também é promovido ao sub-17 e encontra-se comigo novamente como preparador de goleiro. Então, conseguimos trabalhar juntos um total de quatro anos.
Como foi a evolução dele?
Era um goleiro alto, longilíneo, mas as questões maturacionais ali, com 14 anos, não tinham sido completadas. É natural uma oscilação nesse período. O trabalho é de aprendizagem, paciência. Você vai semeando para colher os frutos mais à frente. Foi assim que aconteceu. Ele sobe para a categoria sub-14 com essas questões do nível de maturidade precisando ser desenvolvidas. Foi um trabalho, um processo, vai ganhando confiança, desenvolvendo, conhecendo as qualidades, potencialidades. A gente tem que dar oportunidade na base a tudo isso. É erro, paciência, explicar, correção, vídeo, treinamento. A gente precisa ter um jogo de cintura muito grande.
Ele errou e acertou muito até ser titular no profissional?
Você não pode rotular um atleta de 12 ou 13 anos. Ele vai errar. Isso faz parte de formação, e ele errou muito comigo, também. Mas, faz parte. O importante é ver potencial e desenvolvimento no atleta. Temos que imaginar como esse menino vai ser daqui a três, quatro, cinco anos. Isso é projetar. Quem trabalha na base tem que ter esse olhar. Fico muito feliz em ver o Hugo chegar. Tenho um carinho especial por ele. Ele merece!
O que mais chamou a atenção no trabalho com o Hugo?
A força de vontade, dedicação. É um menino que vinha lá de Duque de Caxias para o Ninho do Urubu. Para quem não conhece o Rio, é muito distante, muito longe. Eu acompanhava muito o sofrimento do seu Jorge. O pai do Hugo era sempre presente nos jogos das divisões de base. Acompanhava, ia, frequentava. A gente conversou muitas vezes. Eu acompanhava a luta dele. Hugo é resultado da dedicação do seu Jorge, da família, empenho, entrega.
O pai do Hugo e uma barra de chocolate são as suas maiores lembranças do goleiro do Flamengo?
Conversei com o pai dele algumas vezes. Ele sempre apoiou o filho. Participava muito. O Hugo é religioso, evangélico. É um garoto humilde em todos os sentidos. Um dia, eu ganhei dele uma barra de chocolate. Lembro disso. Ganhei porque dei atenção a ele. O Hugo veio trabalhar comigo meio desacreditado. Ele não teve muitas oportunidade no sub-13. Eu acreditei. Vi potencial. Com poucas semanas de treino, era época de Páscoa, em 2013. Ele chegou com os olhos brilhando e me deu uma barra de chocolate. Perguntou: ‘professor, você gosta de chocolate?’ Eu disse: ‘sim’. Aí, ele me deu uma barra.
E a personalidade do Hugo?
É um garoto muito querido no clube. Sempre foi muito simples, humilde, um garoto bacana. Todo mundo gosta dele. É muito difícil uma pessoa não gostar do Hugo pela simplicidade dele. Hoje, mando mensagem para o Hugo, ele responde. A gente sempre conversa. Isso é muito legal. A gente vê como as coisas vão acontecendo na vida das pessoas devido ao mérito, não somente por questões de competência ou talento.
Julio Cesar é um dos ídolos do Hugo. E há uma coincidência entre eles: ambos estrearam jovens contra o mesmo adversário, o Palmeiras. O Julio, em 1997, com 17 anos; e o Hugo agora, aos 21. Surpreende?
Hugo teve oportunidade em Seleção de base. Até o Tite o convocou para dar oportunidade como terceiro goleiro para vivenciar aquele ambiente profissional. A gente, que trabalha com o atleta e participou ou participa desse processo, e o Flamengo, estão de parabéns pelo trabalho de base que vem fazendo desde a gestão passada. A gente fica muito feliz com os frutos que o clube está colhendo, fica alegre vendo o atleta com quem você trabalhou, aconselhou, instruiu, conseguiu galgar coisas na vida. Estou muito feliz com as atuações do Hugo. Que ele continue focado como sempre foi, dedicado, querendo melhorar, aprender, com essa humildade que é característica dele. Por isso, ele colhe rendimento em campo.