Mais que comunitárias

Moradores se unem para o cultiivo de hortas urbanas. Além da integração com o meio ambiente, parte dos alimentos produzidos é doada para a população de baixa renda

Antes das 6h, Waldemar Faustino, 65 anos, morador da Estrutural, se prepara para um dia de trabalho na Horta Comunitária do Guará, localizada em um espaço revitalizado nos fundos da Unidade Básica de Saúde (UBS) 5, na QE 38, do Guará 2. Voluntário desde 2017, Waldemar faz o percurso até a horta de bicicleta, trajeto que leva em torno de 30 minutos. “É um esporte muito bom, e é rápido de casa até aqui. E o exercício já deixa a gente disposto, com saúde”, anima-se.

Waldemar atua como voluntário nas segundas, quartas, sextas e sábado. Além desses dias, nos domingos, ele visita o local para regar plantas. “Eu gosto de trabalhar aqui, é muito gratificante mexer com a terra. Depois nós colhemos o que plantamos, dividimos esses alimentos entre os voluntários e as pessoas mais carentes que frequentam aqui também. São produtos orgânicos, sem veneno ou agrotóxico”.

Outra voluntária é a dona de casa Maria Anaide Francisca de Sousa, 52, que faz parte do projeto há três anos. Maria mora a quatro quadras da UBS 5 e explica como se tornou parte desse projeto. “Eu sempre faço caminhada pela manhã e via o grupo trabalhando na horta. Um dia eu decidi perguntar o que era, e eles me convidaram para fazer parte da equipe, desde então eu sempre participo”.

Além do alimento saudável e do bem-estar em trabalhar com a terra, Maria lista outros benefícios de ser voluntária. “Tem um engajamento muito grande entre todos nós que trabalhamos, a gente faz amizades, conhece pessoas, troca receitas de doces, bolos e chás. É um ambiente muito agradável”, afirma.

O começo do projeto

A Horta Comunitária do Guará nasceu em julho de 2017, revitalizando o espaço aos fundos da UBS 5, que antes era um espaço com muito mato e entulho. Dái Ribeiro, líder comunitária de mobilização da comunidade, conta que um grupo de voluntários se mobilizou para conseguir o apoio do administrador regional e utilizar o espaço para a efetivação da horta. “Os voluntários capinaram, limparam o local e fizeram os canteiros com os primeiros plantios. A iniciativa era para produzir alimentos orgânicos e, assim, fugir do agrotóxico, além de promover uma terapia antiestresse com o plantio, colheita e contato entre os voluntários”, explica.

A equipe cresceu e, atualmente, são mais de 200 participantes em um grupo de WhatsApp e beneficia cerca de 25 a 30 famílias.

Motivada também pela questão ambiental, surgiu, em 2005, a Horta Girassol, localizada na QD 12, Morro Azul, em São Sebastião. A iniciativa dos moradores começou em 2004, quando a cidade passou por um surto de hantavirose (doença transmitida por ratos) e uma das moradoras da comunidade morreu. O líder comunitário Osmane da Silva reuniu a população e mostrou aos vizinhos que o projeto seria essencial para a região no combate aos ratos que ficavam nos terrenos baldios. Hoje, quem é responsável pelo projeto é Hosana Alves do Nascimento, 50, moradora do Morro Azul desde 1997.

Hosana se lembra do período logo após a morte de sua vizinha, em 2004. “Quando a gente soube que ela tinha morrido devido a uma doença causada por rato, ficamos desesperados, porque aqui tinha dois lixões”, conta. Hosana ressalta que hoje a Horta Girassol cresceu e se tornou instituto. “A gente se especializou. Eu, por exemplo, fiz cursos na Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF) e Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)”, conta.

“Gratificante”

Apesar de parecer que se trata apenas de um projeto de cultivo do próprio alimento, Juarez Martins, 60, morador de Sobradinho, pós-graduado em gestão ambiental e idealizador do projeto Uma horta em cada porta, criado há mais de 15 anos, explica que o manejo com a terra e o serviço voluntário é interdisciplinar.

“No projeto, eu ensino as pessoas a fazerem uma horta em casa, dou dicas práticas de como fazer esse manejo. É importante, porque muitas famílias dependem dessa alimentação para complementar o prato do dia. Por isso, eu vou até escolas, casas, creches, asilos, em todos os lugares possíveis para implantar essas hortas, ensinar às pessoas para que continuem trabalhando com os alimentos e tendo uma complementação do que vão comer. Uma horta é uma terapia, renova nosso vínculo com a terra, é sempre muito gratificante”, complementa.

Com poesia

A horta na 713 Norte é um sucesso, não só para os adultos, mas para as crianças que vão visitar o local. Os passos pintados no chão traçam a rota para quem quer conhecer a horta criada por Sandra Fayad, 73, moradora da Asa Norte e poeta. Sandra destinou uma das partes da horta exclusivamente para as crianças, local onde elas podem plantar o que desejam. O objetivo é que elas visitem o local para cuidar das mudas. Cada vasinho recebe uma placa com o nome da criança responsável e o que ela plantou. O pé de tomate da Maria, de 4 anos, por exemplo, está com as folhas brotando. Mas há outras crianças, como Mariana, 8, que plantou jambu, ou Manuela, 6, que cultivou um girassol.

“O espaço é aberto ao público e é um viveiro para as pessoas. Todas as plantas têm uma placa com o nome popular e científico. E todo alimento que sobra, eu coloco lá na cesta para as pessoas que passam na rua poderem pegar”, conta a poeta. Sandra, além disso, alerta sobre a necessidade da educação ambiental. “São pequenas ações que fazem a diferença para o meio ambiente e também para nós”.

Professor de agricultura e meio Ambiente da Universidade de Brasília (UnB), Adolfo Dalla Pria destaca que as hortas urbanas podem ser separadas em três grupos: lazer, natureza e alimentação. “Muitas hortas servem com o objetivo recreacional, para as pessoas se distraírem, terem contato com a terra, com ervas, chás e temperos para alimentação. É um momento de encontro também entre os idosos e as crianças, é muito raro a gente ver essa relação tão íntima entre gerações diferentes, como vemos em uma horta”, explica.

Pria destaca que há também as hortas feitas para a produção de alimentos. “As pessoas plantam para poder comer e gerar renda, isso nos casos da parcela de população que, muitas vezes, se encontra mais desamparada. E tem a questão ambiental, pois as hortas ocupam espaços que geralmente eram degradados, com relatos de acúmulo de lixo, com animais indesejados, doenças e essas questões. Então, ao implantar a horta, a comunidade está proporcionando uma vantagem para eles mesmos”.

Olhar para a natureza

A horta da 114 Sul, que nasceu do desejo da bióloga Gabrielle Volpe, 49, de que os filhos pequenos tivessem contato tanto com a terra quanto com os vizinhos. “Quando cheguei, queria fazer uma horta na quadra, porque, para mim, não faz sentido ter um espaço enorme apenas com grama. A horta possibilita que as pessoas pratiquem diversas atividades, tenham contato com a terra, e as crianças aprendem muito com isso”, esclarece.

Para realizar o trabalho, Gabrielle contou com a ajuda da equipe da Embrapa que a orientou em como tornar o projeto possível. “A horta foi criada em 2013 e prezamos pela biodiversidade, plantas que tivessem um valor nutritivo e também medicinal”, revela.

No entanto, no fim de 2017, Gabrielle foi morar em Roma, Itália. Mas o projeto continua na 114 nas mãos da enfermeira aposentada Susana Ramos da Rosa, 60. Para Susana, a horta é um exemplo de colaboração entre o coletivo. “Precisamos entender que o indivíduo não sobrevive sem essa ação coletiva. E a horta traz tudo isso, principalmente a questão de que a solidariedade deve ser resgatada, em um sentido micro, porque a horta está aqui na nossa quadra, para servir de reflexão para o macro, que é a maneira como nós seres humanos levamos a vida no planeta”, salienta.

Auxílio para quem precisa

O projeto Banco de Alimentos das Centrais de Abastecimentos do Distrito Federal (Ceasa-DF) atua como intermediário na doação de alimentos para os moradores de baixa renda da capital do país. Os alimentos são adquiridos por meio dos programas Projeto Desperdício Zero (PDZ), criado em 2013, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa de Aquisição da Produção Agrícola (Papa). Atualmente, o Banco de Alimentos atende 151 entidades e 40 Centros de Educação da Primeira Infância (Cepi).

Bruno Henrique Martins, gerente de segurança alimentar e nutricional, é um dos responsáveis por coordenar o projeto. “Nós recolhemos os alimentos doados ou recolhidos pelo PDZ e fazemos a distribuição para as instituições cadastradas. Pela manhã, a rotina é receber esses alimentos, que passam por uma triagem para avaliarmos o que ainda está em boa qualidade. Depois disso, as instituições, com horário marcado devido à pandemia, vêm até aqui recolher os alimentos. São elas que fazem as entregas para as famílias carentes e as pessoas que eles auxiliam com a sua atuação”.

Uma das entidades beneficiadas pelo Banco de Alimentos é a Ação Social Comunitária (Afma). José Silva é um dos coordenadores do projeto, que atua há 30 anos no DF, e atende sete creches na capital do país. “Esse programa é uma benção, ajuda demais a gente. Nós saímos daqui e levamos isso para as creches de crianças carentes, e são todos alimentos bons, nada é desperdiçado”, revela. Ao todo, a Afma alcança 1.053 pessoas diretamente com as ações realizadas, entre crianças, jovens, mulheres e idosos.