O Brasil tem a quarta maior população de hemofílicos do mundo. São 12.960 brasileiros que vivem em uma condição especial: não podem se machucar, sob risco de sofrer graves problemas nas articulações, profundas dores e sérias limitações físicas. O tratamento aos hemofílicos está sob responsabilidade do Sistema Único de Saúde, em mais uma demonstração da força e da importância do atendimento público e universal no Brasil. A evolução da medicina, o avanço de políticas públicas e a crescente mobilização da sociedade civil permitiram mudanças importantes na realidade dos hemofílicos. Mas, ainda há muitas questões a discutir e a aprimorar, particularmente a busca por tratamentos mais baratos e eficientes, além da ampliação na oferta de medicamentos para os portadores.
Ontem, o Correio Braziliense deu uma contribuição para o debate, de interesse de toda a sociedade brasileira, na edição do Correio Talks – avanços no tratamento da hemofilia. Em uma live de aproximadamente duas horas, representantes da classe médica, da indústria farmacêutica e dos hemofílicos compartilharam o ponto de vista sobre as perspectivas de tratamento para os portadores da doença. O evento ocorreu na tarde de ontem e pode ser assistido nas redes sociais do Correio Braziliense. Para acessar o conteúdo na íntegra, basta apontar a câmera do celular para o QR Code na página ao lado.
O presidente da Divisão Farmacêutica da Bayer no Brasil e América Latina, Adib Jacob, abriu as discussões. Ele destacou o desempenho de médicos e associações no tratamento da hemofilia e ressaltou a importância de se valorizar o portador do distúrbio. “Cada um desses pacientes tem o direito de ter o melhor tratamento possível para a patologia, ter a melhor qualidade de vida possível. Acreditamos muito que a Bayer pode ser um ator relevante dentro de uma parceria de atores muito importantes”, disse. Jacob ressaltou que novas tecnologias e tratamentos para a melhoria da qualidade de vida dos hemofílicos são essenciais.
Tania Pietrobelli, presidente da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), destaca as conquistas na luta em defesa dos hemofílicos. Mas entende que a busca por tratamentos mais eficientes e mais acessíveis é fundamental. “Eu sou muito positiva e falo em nome da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), que a gente precisa pensar em avanços, em ir melhorando cada vez mais em todos os sentidos”, pontuou Pietrobelli. “Porque mesmo com a possibilidade da medicação hoje, para todos, para o tratamento preventivo, a gente ainda vê pessoas desenvolvendo sequelas, crianças desenvolvendo sequelas”, comenta. “O Brasil tem tratamento pelo Sistema Único de Saúde, não tem nenhum paciente que não tenha o tratamento pelo SUS”, comemora.
A presidente da FBH aponta que uma das questões cruciais para evitar sequelas e ter sucesso na prevenção da doença é a colaboração. “O paciente é muito responsável. O pai e a mãe também têm uma responsabilidade imensa na busca do tratamento adequado, já que seus filhos não têm poder de decisão. Por isso, é importante o bom relacionamento da família com o Hemocentro, com a FBH, com as associações estaduais, na busca de conhecimento, na busca de informações. Nós temos redes sociais com todas as informações fidedignas aprovadas pelo nosso comitê de assessoramento técnico”, contou Pietrobelli. “Esperamos a colaboração da indústria farmacêutica, do Ministério da Saúde, da classe médica, como sempre temos visto, e da imprensa”, complementou.
Margareth Ozelo, diretora da Divisão de Hematologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explicou como ocorre a hemofilia e expôs a evolução do tratamento da doença no Brasil. Do controle por meio do plasma à terapia gênica, ela destacou os avanços das terapias ao longo dos anos. Ao comentar a atuação do Ministério da Saúde nos últimos anos, considerou também um marco importante a criação de um cadastro de hemofílicos no Brasil, em 2009. A identificação dos pacientes tornou-se um ponto importante para a definição de políticas públicas.
A hemofilia é causada pela deficiência em uma das proteínas, dentre as 13 que agem para formar o coágulo, chamadas de Fatores de coagulação. “No caso da hemofilia, uma das proteínas vai estar faltando nessa rede de coagulação. Pode ser o Fator VIII no caso da hemofilia A, ou Fator IX no caso da Hemofilia B. Nessa situação o coágulo não é formado, portanto, o sangramento é mais prolongado”, explicou Ozelo.
Do ponto de vista médico, um dos maiores desafios nos tratamentos da hemofilia é evitar a reação do paciente às substâncias coagulantes que recebe. Segundo Ozelo, quando o hemofílico recebe a proteína deficiente durante um sangramento, muitas vezes o corpo entende aquilo como uma substância estranha e começa a produzir anticorpos. Essa reação impõe limites ao tratamento. “Isso é um problema muito importante. Para se ter uma ideia, a cada 10 pacientes com hemofilia grave, três desenvolvem complicações, fazendo com que eles precisem de outros produtos, para conquistar novamente a reposição da hemostasia”, explicou Margareth Ozelo.
Como se vê, o desenvolvimento de novas tecnologias é fator crítico para assegurar uma melhor qualidade de vida aos hemofílicos. Trata-se de um desafio que exige a reunião de esforços da indústria farmacêutica, importante na realização de pesquisa e desenvolvimento; do poder público, que tem o dever de utilizar os recursos do contribuinte da melhor maneira possível; e da sociedade civil, beneciária direta dos avanços no tratamento de hemofilia pelo SUS.
A Bayer também considera o avanço no tratamento, aliado à redução de custo, como objetivo a ser alcançado. “Por ter a hemofilia como um dos carros-chefes, assim como oncologia, a parte cardiovascular e a saúde da mulher; a hemofilia é uma área que tem décadas de conhecimento e muito investimento. Consideramos quase que uma obrigação trazer esses avanços no tratamento”, pontuou o presidente da Divisão Farmacêutica da Bayer no Brasil e América Latina, Adib Jacob. “Não só para melhorar a qualidade de vida, tempo de vida, a satisfação plena do paciente, mas, também, para reduzir custos para o Sistema Único de Saúde”, continuou.
“Acreditamos muito que vamos poder trazer não só terapias mais avançadas, mas, também, com um custo menor. De forma que o Ministério da Saúde possa, com isso, com essas economias, tratar mais pacientes ou usar os recursos em outras áreas nessa busca tão importante e nobre do Sistema Único de Saúde, de oferecer a melhor saúde possível para os brasileiros”, conclui Jacob.
“A hemofilia é uma área que tem décadas de conhecimento e muito investimento. Consideramos quase que uma obrigação trazer esses avanços ao tratamento"
Adib Jacob,
presidente da Divisão Farmacêutica da Bayer no Brasil e América Latina
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Entre a eficácia e o custo da terapia
A superintendente de Economia da Saúde no Hospital Israelita Albert Einstein, Vanessa Teich, comentou o processo de incorporação de novas tecnologias para o tratamento da doença ao Sistema Único de Saúde (SUS). Eficiência e custo são os principais fatores a serem analisados, segundo ela. O aspecto médico é considerado em primeiro lugar. “Pensando no cenário da hemofilia, a gente teria que demonstrar que os novos tratamentos reduzem o risco de sangramento dos pacientes que recebem as novas terapias. Então essa seria uma forma de demonstrar eficácia desses novos tratamentos”, explicou a especialista.
Em seguida, avalia-se a viabilidade econômica do tratamento. “O segundo aspecto utilizado é o custo, que a gente chama, na verdade, de custo-efetividade, porque essas novas terapias, muitas vezes, vêm atreladas a custos adicionais de tratamento quando comparadas às terapias antes disponíveis”, comentou a superintendente. Vanessa explicou que, sobre as hemopatias, existe um orçamento da Coordenação Geral de Sangue e Derivados (CGSH) do Ministério da Saúde. “O lado positivo disso é que a incorporação das novas tecnologias não concorre no orçamento interno com a incorporação de tecnologias para outras condições clínicas”, relatou Vanessa. Ela contou, porém, que o fato desse orçamento não poder ser ultrapassado é motivo de constante preocupação com o gasto final.
Teich mencionou a possibilidade de acordos realizados entre o fabricante da tecnologia e o Ministério da Saúde, com o objetivo de “reduzir incertezas”. Segundo ela, parte do custo da nova terapia pode ser ressarcida ao Ministério da Saúde, em forma de bonificação de produtos, caso a eficácia do tratamento se mostre inferior na prática do que o esperado no estudo clínico.
Tania Pietrobelli, presidente da Federação Brasileira de Hemofilia, ressaltou a necessidade de consolidar uma parceria com a indústria farmacêutica. “Nós advogamos pela saúde dos pacientes e pelo melhor tratamento. Para que a gente consiga comprar mais medicações, ter mais opções, é extremamente importante que mais empresas participem das licitações, da compra”, pontuou. “Porque isso vai baratear o preço das medicações”, completou. “O Brasil tem que repensar suas políticas. A gente sabe que hoje existem medicações a um preço bem melhor. Acredito que o Ministério da Saúde deveria reunir toda a indústria farmacêutica, todas juntas, e chegar a um acordo para ver como se consegue baratear essa medicação”, sugeriu Pietrobelli. “Se o nosso orçamento é finito, acredito que o ministério tenha, de tempos em tempos, rever suas políticas, graças à nossa luta incansável”, defendeu a presidente da Federação Brasileira de Hemofilia.
A presidente da FBH apontou que desenvolver o tratamento da doença, apesar do alto custo, é menos oneroso para o Estado do que não tratar esses pacientes. E comentou soluções importantes, como o tratamento domiciliar. “Isso diminui a frequência do paciente, em 400% às vezes, a visita ao Hemocentro, segundo a Federação Mundial de Hemofilia”, informou. “Isso desafoga o serviço público e possibilita que se concentre o atendimento às pessoas que descobriram a hemofilia, estão necessitando de uma atenção maior. Isso é muito importante. O tratamento domiciliar e a profilaxia diminuem, em média, 78% a 85% a ida a hospital, a falta à escola, a falta ao trabalho”, ressaltou Pietrobelli.