Em 2023, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) completa 25 anos. Quando criado, sua principal função era avaliar a qualidade do último ciclo da educação básica. Em 2009, o exame passou a servir como processo seletivo para ingresso em universidades públicas e, desde então, foi ganhando cada vez mais importância nas políticas de acesso ao ensino superior no país. Para falar sobre o histórico da prova, a implementação das mudanças trazidas pelo novo ensino médio e as novidades dessa edição, o Correio conversou com Manuel Palacios, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela prova; e com Andreia Gonçalves, coordenadora geral de desenvolvimento de aplicação e logística, e Patrícia Vieira, chefe de gabinete da Diretoria de Avaliação da Educação Básica.
Correio Braziliense: Queria que os senhores começassem dando um panorama desses 25 anos do Enem.
Manuel Palacios: O Enem começou em 1998, quando ainda não estava associado de forma clara ao acesso à educação superior. Houve um aumento progressivo de inscritos ao longo desses primeiros anos. Em 2009, ele passa a estar associado ao acesso às universidades federais por meio do Sisu, alcançando um novo patamar de adesão. O pico foi em 2014, quando chegou a oito milhões de inscritos. Tivemos um decréscimo de participantes nos últimos anos e, agora, voltou a subir, chegando perto de 4 milhões de candidatos. Este ano, nós estamos em 1.750 municípios. Então, o acesso está muito mais fácil, você faz apenas um exame e se candidata a um conjunto grande de universidades e cursos de seu interesse. Com isso, houve realmente uma democratização do acesso.
Patrícia Vieira: Acho que o grande ponto nesse histórico é ter sido um instrumento de mudança no perfil do estudante universitário brasileiro. A democratização do acesso ao ensino superior é um marco histórico nesse país. A gente começa a ter vários estudos mostrando que a universidade pública tem outra feição depois do Enem; ele foi o grande vetor dessa mudança social.
Manuel Palacios: Outro ponto também importante é que o Enem, além de ter criado oportunidades de acesso direto às universidades públicas, conseguiu apoiar muito o ProUni e o Fies. Quando o ProUni foi implantado, o Enem se transformou num critério para distribuição de bolsas. Depois, também em programas de financiamento à educação, como o Fies, e, ainda, com a política de cotas, ações afirmativas. Portanto, podemos dizer que essas políticas de democratização do acesso à educação superior se apoiaram fortemente no exame, na medida em que ele permite criar condições justas de competição por vagas e seleção de candidatos. Sem o Enem, seria difícil imaginar a operação e o acompanhamento de políticas dessa magnitude.
Nesta semana, após a divulgação dos locais de prova, muitos alunos reclamaram da distância entre as escolas onde foram alocados e suas casas. O que o Inep está fazendo para resolver isso?
Manuel Palacios: Reafirmamos que todas as medidas necessárias estão sendo adotadas para garantir que os participantes inscritos façam as provas sem intercorrências. Estamos fiscalizando o trabalho do Cebraspe, instituição vencedora da licitação para aplicação da edição, e atuando para que a aplicadora adote todas as providências que garantam os direitos dos inscritos no Enem 2023.
Os senhores falaram sobre a queda do número de participantes e, agora, uma retomada. A que se deve, primeiramente, essa diminuição e, nesta edição, a retomada do número de inscritos?
Palacios: Eu acho que, de um modo geral, o país vive um momento de expectativas fortes de ampliação do investimento em educação, e é claro que a participação no Enem tem muito a ver com as expectativas da juventude. Na medida em que a educação volta a ocupar um lugar relevante nos investimentos públicos, você passa a ter também maior mobilização da juventude nessa direção.
Vieira: Tem outro fator que a população não tem muita clareza. Em 2016, a gente tomou a decisão de retirar a certificação do Enem. Retomamos a prova Encceja [Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos]. Então, tem um contingente de alunos que deixou de aparecer no número de inscritos do Enem, porque essas pessoas estão sendo atendidas especificamente, agora, por uma prova com outro perfil. Por isso, era natural, de 2017 para cá, que a gente tivesse uma queda no número de participantes, e essa queda vai culminar na pandemia. Esse número se reduz ainda mais pelas condições pandêmicas em si. Mas a gente não entende essa redução como um descrédito para o exame, pelo contrário, ele está tendo um atendimento melhorado.
Sobre o novo ensino médio, que novidades ele trouxe para a elaboração do exame, uma vez que os currículos foram revisados? Os itinerários formativos foram incorporados à edição do exame deste ano?
Palacios: A reforma do Ensino Médio teve vários problemas de implementação dos seus objetivos e, no percurso até aqui seguido, gerou muitas dúvidas com relação à sua manutenção. Daí a consulta pública e todo o debate que se seguiu com o objetivo de acomodar as expectativas de aperfeiçoamento curricular do ensino médio com uma segurança maior na qualidade da implementação de novas propostas. Com isso, em meio a esse processo de consulta e de elaboração de um novo desenho, as mudanças no Enem estão sendo previstas para 2025. Neste ano e no ano que vem, em 2024, nós vamos trabalhar usando as referências que já vinham sendo utilizadas até aqui. A expectativa é de que a gente tenha condições de, brevemente, anunciar quais mudanças serão implementadas para 2025.
Mas, no último ciclo escolar, essas mudanças já vinham sendo implementadas. Os críticos apontam que muitas escolas públicas não conseguiram garantir a formação básica somada à oferta dos itinerários formativos. Como essas dificuldades de implementação do novo ensino médio podem aprofundar desigualdades entre os estudantes brasileiros?
Palacios: Não tem como uma prova como o Enem acompanhar a diferenciação curricular que, muitas vezes, é uma decisão da escola. A expectativa era de que essas diferentes propostas fossem mais atrativas, mobilizassem mais os estudantes e contribuíssem para o desenvolvimento das habilidades que compõem a formação geral básica. Independentemente de você ser a favor ou contra a flexibilização curricular, os seus defensores sempre colocaram essa flexibilização como uma estratégia de desenvolvimento de competências e habilidades importantes. Não temos capacidade de antecipar se haverá alguma alteração no desempenho dos alunos, comparativamente entre os anos. Mas eu não tenho expectativas de que os resultados alcançados pelos estudantes em 2023 guardem uma relação muito distante do que foi em 2022. Essa análise, faremos após a prova.
Podem nos contar um pouco sobre a infraestrutura por trás do evento?
Andreia Gonçalves: A realização dessa edição do Enem conta com quase meio milhão de pessoas, e todas elas, sem exceção, passam por capacitação. Há pouco, estávamos em reunião com a Polícia Federal para falar do esquema de segurança.
As provas estão prontas desde o início deste segundo semestre e armazenadas em galpões de segurança máxima, já separadas por município, de acordo com uma logística de ensalamento, quando alocamos todos os inscritos por sala. No início de outubro, iniciamos a distribuição para todo o país, com a escolta da Polícia Rodoviária Federal, para galpões locais, também de segurança máxima. Todos os malotes vêm lacrados da gráfica, onde acompanhamos o processo de impressão por câmeras, e só são abertos na sala de aula. O recolhimento das provas acontece também com a escolta da Polícia e os veículos são monitorados via satélite. Depois, o manuseio das provas é feito por uma equipe monitorada e os corretores das redações recebem a prova desidentificada. É realmente um dos maiores esquemas de segurança de eventos do Brasil.
O que os senhores gostariam de falar para os estudantes que vão estar, na próxima semana, fazendo a prova que vocês planejaram?
Gonçalves: Que acreditem, que tenham esperança, acreditem que a educação transforma a realidade social. Às vezes, o estudante que vem de uma escola pública acha que não está em pé de igualdade com o outro de uma escola particular, mas o Enem avalia conhecimentos e habilidades adquiridas ao longo de toda a trajetória escolar e visa que todos possam alcançar uma oportunidade. Nós passamos o ano inteiro nos preparando, desde a publicação do edital até a correção, para chegar ao nível de conseguir olhar a necessidade de cada um desses quatro milhões de inscritos de forma quase que individual.Temos uma comissão de demandas para avaliar casos excepcionais de tratamento de alguma doença, de algum recurso de acessibilidade não previsto na inscrição; tudo para tornar o exame cada vez mais inclusivo.