Caminhos possíveis

União para vencer os desafios

Caminhos para superar a falta de mão de obra qualificada passam pelo esforço conjunto de instituições de ensino e empresas. Lacunas na formação são percebidas em vários países da América Latina

Bárbara Cabral / Esp.CB / D.A Press
Crédito: Bárbara Cabral - Esp.CB / D.A Press

Estimular os jovens que devem ingressar no mercado de trabalho e alavancar os investimentos nos ensino superior e técnico são alguns dos caminhos apontados por especialistas para se alcançar o protagonismo no contexto industrial. Questões como o abandono escolar e os jovens que não estudam nem trabalham impedem a formação de capital humano de qualidade em toda a América Latina, mas podem ser vencidos, de acordo com especialistas, pelo esforço conjunto de instituições de ensino e empresas

Rodrigo Custódio, diretor da Prática Industrial da consultoria alemã Roland Berger no Brasil, propõe a integração entre universidades, institutos de pesquisa, grandes corporações e startups como solução para superar as barreiras da educação e acelerar as transformações na área. As instituições de ensino formariam profissionais capacitados para o mercado. Já as companhias facilitariam a inserção deles no setor laboral. As emergentes startups, por sua vez, despontariam com as ideias baseadas nas áreas de maior demanda profissional.

"Aumentar a penetração do ensino técnico é um dos caminhos. Para isso, não se deve apenas ampliar a oferta, mas treinar os educadores para as novas exigências do mercado", recomenda. Ele lamenta a vagarosidade do aprimoramento do processo. "Essas transformações demandam muito esforço e levam anos, décadas, para se obterem resultados. Os países que investirem o quanto antes vão obter resultados mais imediatos", prevê.

O caso de Roberto Nascimento, 32 anos, ilustra a relevância do ensino técnico no atual contexto. Ele trabalhou por anos como montador de móveis. Mesmo gostando da área, o morador do Recanto das Emas queria se superar e se tornar seu próprio chefe. A mudança de vida começou quando ingressou no curso de técnico em móveis do Instituto Federal de Brasília (IFB), no câmpus de Samambaia. "Aprendi as áreas teórica e prática. Temos aula sobre medição de ambientes e criação de projetos em programas computadorizados. No fim, fazemos um estágio de seis meses, no qual mostramos aos professores o aprendizado absorvido", explica. Com o conhecimento adquirido nos dois anos da formação, Roberto hoje administra com sucesso uma microempresa de mobília planejada.

Desde o ingresso no curso, Roberto queria abrir o próprio negócio. Ele lidera a microempresa junto a um irmão e relata com alegria o sucesso do empreendimento. "Temos uma marcenaria em casa e já contamos com diversos clientes. O DF está cheio de oportunidades, pois muitos apartamentos estão sendo construídos, o que aquece o mercado de móveis planejados", comenta.

Soluções tecnológicas

Os dispositivos digitais mais modernos ocupam o centro das transformações no trabalho. Tanto empresas quanto profissionais devem, portanto, adequar-se aos meios mais modernos como forma de vencer os desafios do setor. "A informação que os jovens captam do mundo digital é enorme e transcorre vertiginosamente. Utilizam com muita afinidade os aparatos tecnológicos de comunicação e usam ambientes que os adultos ainda não exploraram totalmente", acentua o pesquisador uruguaio Fernando Vargas, do Centro Interamericano para o Desenvolvimento do Conhecimento na Formação Profissional, da Organização Internacional do Trabalho (Cinterfor/OIT).

"No campo, a agricultura de precisão usa drones, GPS e complexos sistemas de análise de dados para definir a mistura de fertilizantes, as quantidades e distribuição das sementes e os períodos ótimos para semear e colher", exemplifica. Vargas também alerta para o desafio de profissionais e empresas tanto para responder às demandas da indústria como para não decepcionar e desinteressar os jovens, que despontam no cenário das transformações.

Rodrigo Custódio endossa a demanda tecnológica e salienta a necessidade de impulsionar o estímulo ao jovem, estudante ou profissional nessa área. "São fundamentais a valorização, principalmente na área de tecnologia, em diferentes níveis, e o aumento da autoestima. Esses países (da América Latina) têm obtido bons resultados nas Olimpíadas, isso estimula o profissional", destaca, sobre as bienais Olimpíada do Conhecimento. No Brasil, ocorre a principal competição de educação profissional das Américas, promovida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A WorldSkills é o torneio mundial, organizado pela Internacional Vocation Training Organization (IVTO).

Entraves
Os baixos índices de jovens no ensino superior e no mercado de trabalho elucidam o atraso das nações latino-americanas. Os "nem-nem", como define o relatório RED 2016 do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), são muitos na região. Em geral, o problema da deserção escolar começa por volta dos 12 anos de idade, e, aos 16 anos, cerca de 25% dos jovens já se encontram fora do sistema educativo formal. Da população da faixa etária de 16 a 25 anos, 19% não estuda nem trabalha. O índice tem diminuído na maioria dos países da região nas últimas décadas (era 23% no começo dos anos 1990), mas o ritmo é considerado lento.

O reflexo desses obstáculos impacta diretamente o mercado laboral. Em especial, as empresas da América Latina. Dados divulgados pelo Banco Mundial (BID) em 2014 mostram que 36% das companhias da região consideram a falta de força profissional qualificada como uma barreira, enquanto na África subsariana o índice é de 22%, seguido por leste asiático e Pacífico (21%) e sul da Ásia (17%). Já o leste europeu e a Ásia central apresentam indicadores quase três vezes menores que os da região latino-americana (13%).

No Brasil, o índice de empresas que têm dificuldade para preencher vagas por causa da escassez de talentos é de 68%, listado atrás apenas do Japão (85%), segundo dados da agência de negócios americana ManpowerGroup. Outros sete países latino-americanos aparecem entre os 12 com maior índice: Argentina, Costa Rica, Panamá, México, Guatemala, Colômbia e Peru. A pesquisa elencou também os cinco principais empecilhos citados pelas empresas - falta de competências técnicas, de candidatos, de experiência, habilidades laborais e alta exigência salarial.

Essas transformações demandam muito esforço e levam anos, décadas, para se obterem resultados. Os países que investirem o quanto antes vão obter resultados mais imediatos
Rodrigo Custódio, diretor da Prática Industrial da consultoria alemã Roland Berger no Brasil

Preparação que começa cedo

Cristiano Costa / Sistema Fibra
Liara Morais é jovem aprendiz e, depois de um período de formação, vai atuar na Caesb / Crédito: Cristiano Costa / Sistema Fibra

A Lei da Aprendizagem é porta de entrada para o mercado de trabalho para milhões de jovens com idades entre 14 e 24 anos. A legislação cria um contrato de trabalho especial para quem busca o primeiro emprego, define regras e permite a integração entre teoria e prática para quem ingressa nas médias e grandes empresas. As organizações, no entanto, elencam uma série de medidas que poderiam contribuir para maior eficácia da norma.

A analista de educação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Ana Luzia Duarte, destaca que a legislação ajuda a inserir o jovem nas empresas. "É uma ação valiosa, que permite que as empresas conheçam o jovem na prática. Esses trabalhadores podem atuar em várias áreas, como manutenção de máquinas industriais, no setor de alimentos", exemplifica.

A lei permite que o jovem assuma responsabilidades fundamentais para se destacar no mercado de trabalho e aprender a se comunicar em um mundo cada vez mais dinâmico. A psicopedagoga Norma D'Albuquerque, do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), avalia como positiva a integração entre estudantes e empresas. "Para ingressar no programa, o jovem precisa estar estudando. Com isso, ele deve se organizar para manter os estudos e as atividades na empresa em dia. Ele se insere em um ambiente que pode fazê-lo se descobrir como profissional", afirma. "Durante o exercício das atividades, os jovens podem dar sugestões para otimizar serviços e desenvolvem a capacidade de comunicação. É uma idade ideal para que o estudante conheça os desafios que vai enfrentar na faculdade e nas empresas", afirma Norma.

Existem, no entanto, algumas críticas com relação à legislação. O item mais controverso do programa é a obrigação de que médias e grandes empresas reservem de 5% a 15% dos postos de trabalho para menores aprendizes. O contrato pode ser mantido por, no máximo, dois anos, e a carga horária do jovem não pode ser maior do que seis horas por dia.

"Já temos muita burocracia no Brasil e a nossa legislação trabalhista como um todo é arcaica. Ela tira do empresário o seu negócio. A lei exige que as empresas ocupem até 15% de suas vagas com jovens aprendizes. Mas muitos desses jovens optam por não trabalhar. Como não encontram candidatos, as empresas são multadas", avalia o diretor de gestão de trabalho da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), Fernando Japiassu. "O correto seria reduzir a cota e oferecer uma compensação às empresas que contratem jovens em idade de ingresso no mercado. Isso as incentivaria a buscar os profissionais", opina.

Regras
Criada em 2000 e regulamentada em 2005, a lei cria uma cota para ingresso de pessoas em idade escolar nas companhias. Segundo dados do Ministério do Trabalho, entre janeiro e junho deste ano, um total de 205 mil jovens foram contratados. Desde 2005, mais de 2,5 milhões de pessoas foram contratadas, por meio das instituições formadoras. No Distrito Federal, além das empresas privadas, órgãos como a Câmara dos Deputados e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mantêm menores aprendizes pelo programa.

O ciclo de aprendizagem profissional é desenvolvido em três etapas. Na primeira, o jovem precisa frequentar cursos de formação em uma instituição que faz o intermédio entre candidato e empresa. Na segunda, o trabalhador precisa frequentar o curso em dois dias da semana e trabalhar três. Na última parte do programa, o candidato fica integralmente à disposição da empresa para desenvolver, na prática, a função na qual foi capacitado.

Liara Morais, 19 anos, conseguiu ter certeza da profissão que vai atuar no futuro ao participar de um programa de aprendizagem. Ano passado, foi escolhida em um processo seletivo da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e do Senai, quando conseguiu a oportunidade de estudar por um ano e meio em um curso técnico de Edificações. "Estava no fim do ensino médio e não havia decidido se queria ou não trabalhar na área de construção civil, então me inscrevi para o curso para ter certeza se era isso que eu queria e, hoje, eu me sinto certa sobre a área em que pretendo atuar", conta.

O curso que Liara fez começa com aulas teóricas sobre projetos de planta e fiscalização de produtos usados em obras. Em março do ano que vem, tem início a parte prática, com um estágio remunerado em uma nova estação da Caesb em Águas Lindas. "Já tivemos algumas oportunidades de colocar o aprendizado em prática, indo a obras da Caesb, mas, no próximo ano, terei a primeira oportunidade contínua. Pretendo, a partir de lá, adquirir uma boa experiência e, no meio do ano, entrar em curso de graduação na área de arquitetura", relata.

205 milNúmero de jovens contratados por meio da Lei da Aprendizagem entre janeiro e junho deste ano

EUA e Alemanha buscam adaptação

Na corrida pela adequação à indústria 4.0, as principais potências industriais e tecnológicas do mundo largam à frente dos países onde o desenvolvimento do setor é retraído. Na Alemanha, berço da implementação dos mecanismos desse conceito, empresas formam profissionais aptos a esses postos de trabalho. Já nos Estados Unidos, companhias testam veículos não tripulados, inclusive os aéreos.

O alto índice da população dos dois países que alcança os ensinos superior e técnico explica o pioneirismo das duas nações na implementação da indústria 4.0. Isso porque 27% da população do país europeu ingressa nas universidades, enquanto a entrada de americanos no meio acadêmico é ainda maior, 44% - três vezes superior à taxa brasileira (14%) e atrás apenas de Coreia do Sul (45%) e do Canadá (54%). Os dados compõem pesquisa elaborada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2015.

Os dois países também estão no topo das maiores adesões ao ensino profissional, principalmente, a Alemanha, onde 48% ingressam no setor, segundo pesquisa do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop) de 2015. "Os custos de mão de obra notoriamente elevados da Alemanha são uma ameaça contínua à sua história de sucesso econômico, em grande parte orientada para a fabricação. Principalmente porque a China emerge como um líder no setor. A Alemanha, portanto, foi forçada a seguir em frente devido à enorme diferença de custo entre os dois países", avalia o pesquisador em Gestão de Operações Thomas Roemer, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA.

Investimento
Nos Estados Unidos, por outro lado, a intervenção e o controle do governo no setor são rechaçados. No entanto, o meio acadêmico e o mercado, mediante capital de risco - investimento de apoio a negócios pela compra de participação acionária, geralmente minoritária, com objetivo de ter as ações valorizadas para posterior saída da operação - impulsionam o desenvolvimento.

"Um sistema universitário em grande parte privado que atrai as melhores mentes do mundo alimenta essa cultura de inovação, mas também o seu inigualável sistema de capitais de risco", complementa Roemer, que também é Diretor Executivo do Programa de Líderes para Operações Globais (LGO) do MIT. Ele comenta que os EUA, como o resto do mundo, não estão particularmente bem orientados para a direção da indústria 4.0, mas, ao mesmo tempo, pode-se esperar que muitas das inovações que permitem a manufatura avançada começarão a ajudar o país a reerguer a economia. (DC)

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