ENTREVISTA

COP30: financiamento ambiental é o principal desafio estrutural

Michel Santos e Ricardo Fujii, executivos do WWF Brasil, avaliam falta de sinergia entre a agenda de transição energética e exploração da Margem Equatorial, e apontam possíveis impasses nas negociações da 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU, sediada em Belém

Em entrevista ao Correio, o gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, avaliou alguns dos desafios para as negociações do fórum climático -  (crédito:  Jacqueline Lisboa/WWF Brasil)
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Em entrevista ao Correio, o gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, avaliou alguns dos desafios para as negociações do fórum climático - (crédito: Jacqueline Lisboa/WWF Brasil)

Uma das metas do Brasil na presidência da COP 30 — 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) — é expandir o financiamento climático global de US$ 300 bilhões por ano para US$ 1,3 trilhão até 2035. Esse foi o grande desafio da última conferência, realizada em Baku, no Azerbaijão, no ano passado. A falta de uma sinalização concreta sobre os caminhos para multiplicar esse valor é uma das provocações do encontro que será sediado em Belém, no Pará, em novembro.

Em entrevista ao Correio, o gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, e o especialista em Conservação da organização não-governamental (ONG), Ricardo Fujii, avaliaram alguns dos desafios para as negociações do fórum climático. 

A WWF, que tem a sigla traduzida no português para Fundo Mundial para a Natureza, realizou em Brasília, na semana passada, o evento “Conectando Clima e Natureza: Recomendações para Negociações Multilaterais”, com o objetivo de alinhar diálogos entre as agendas de clima, biodiversidade e políticas públicas nacionais. “Sem financiamento em escala adequada, as metas globais continuam no papel. A meta de US$ 1,3 trilhão é proporcional à urgência da crise”, apontou Michel Santos na ocasião. 

Já na avaliação de Ricardo Fujii, a falta de sinergia entre o governo nas discussões sobre a transição energética é uma das questões mais preocupantes. “Essa divergência surge de visões distintas sobre como o petróleo e gás brasileiro se relaciona com nossa posição nas discussões sobre mudanças climáticas”, apontou o especialista em Conservação. Confira os principais trechos da entrevista: 

Quais foram as tratativas do encontro realizado em Brasília?

Michel Santos — O seminário foi uma resposta direta ao chamado feito na COP16 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que adotou uma decisão importante sobre sinergias entre as três Convenções do Rio. A iniciativa busca fomentar a coordenação entre as agendas de clima, biodiversidade e desertificação, que compartilham causas estruturais e soluções integradas. Além disso, o evento é um passo estratégico para pautar o tema das sinergias na COP30 de clima, que será sediada pelo Brasil. É uma oportunidade concreta de mostrar que podemos liderar com coerência e integração de políticas públicas.

E quais são os principais desafios para mobilizar compromissos conjuntos e ações concretas à altura da urgência imposta pela crise climática?

MS — Existem alguns desafios estruturais. Um deles é a lacuna de financiamento, que ainda está muito aquém do necessário para enfrentar a crise climática e ecológica de forma integrada. Outro ponto é o desenho das próprias convenções, que têm obrigações específicas e marcos institucionais distintos — o que muitas vezes dificulta uma coordenação fluida, que perde de vista as sinergias entre as Convenções. Também precisamos superar o deficit científico e investir mais em dados, monitoramento e ciência aplicada à tomada de decisão. Superar esses desafios exige liderança política, vontade de cooperação e mecanismos concretos de articulação entre esferas nacionais e internacionais. 

Na abertura do evento, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva reforçou a necessidade de sinergia para uma transição justa e planejada para o fim do combustível fóssil. Ao mesmo tempo, uma outra ala do governo tenta avançar na exploração de petróleo na Margem Equatorial. Como avalia esse impasse e o que ele pode impactar na Conferência?

Ricardo Fujii — Essa divergência surge de visões distintas sobre como o petróleo e gás brasileiro se relaciona com nossa posição nas discussões sobre mudanças climáticas. De um lado, há o entendimento de que as emissões de combustíveis fósseis são a segunda maior fonte de emissões no Brasil e que a transição energética justa e inclusiva não apenas contribui com as nossas metas climáticas, mas também com a nossa capacidade de influenciar os compromissos de outros países. De outro, a aposta que o petróleo não será substituído no ritmo necessário para que o Acordo de Paris seja obedecido e que extraí-lo não traria prejuízos para nós. Não assumir um compromisso claro com a transição energética e o phase-out (eliminação progressiva) do petróleo sinaliza aos outros países na COP30 que a ambição climática do Brasil é limitada e que a descarbonização do setor de energia, principal fonte de emissões no mundo, não será priorizada. 

O discurso da pasta de Minas e Energia tem sido de que a demanda por petróleo no mundo está longe do fim e que seria “desperdício” não explorar o potencial econômico do combustível fóssil na região. O ministro Alexandre Silveira chegou a afirmar que o atraso no licenciamento ambiental estaria atrasando a transição energética. Como vê essas declarações?

RF — O ministro desconsidera dois aspectos essenciais da nossa estratégia energética. Primeiro, as vantagens competitivas do Brasil estão nas energias renováveis, tanto para a produção de eletricidade quanto para combustíveis alternativos, cuja demanda tende a crescer. Em contraste, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Qatar conseguem produzir petróleo e gás com custos menores e emissões mais baixas que o Brasil. Isso pode resultar na perda de mercado para o petróleo e gás brasileiros em poucos anos, gerando desperdício de investimentos e frustração de expectativas, especialmente no Amapá e no Pará. Em segundo lugar, o Brasil pode utilizar sua reconhecida experiência em energias renováveis para moldar a evolução do mercado global de energia, estimulando novos negócios e gerando empregos internamente. Combustíveis sustentáveis de aviação (SAF), hidrogênio de baixo carbono e biocombustíveis de segunda geração são áreas estratégicas nas quais o Brasil tem potencial para se destacar no cenário energético global. 

Qual a importância de fortalecer o multilateralismo no combate às mudanças climáticas, sobretudo diante da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris?

MS — O multilateralismo é essencial. Não apenas para o clima, mas para a biodiversidade, a desertificação, a segurança alimentar e a justiça social. Nenhum país resolve sozinho os grandes desafios do século 21. As Convenções do Rio são exemplos de como a cooperação internacional pode gerar compromissos comuns e construir soluções sustentáveis. Fortalecer o multilateralismo é fortalecer a confiança entre países, valorizar a ciência, garantir financiamento justo e, acima de tudo, reconhecer que os impactos e responsabilidades são compartilhados — embora em graus diferentes.

O financiamento climático é um desafio constante em negociações da COP. Uma das metas do Brasil na presidência é expandir o financiamento global de US$ 300 bilhões por ano para US$ 1,3 trilhão até 2035. Qual a importância de uma sinalização concreta sobre os caminhos para multiplicar esse valor?

MS — Sinalizar de forma concreta o caminho para essa ampliação é essencial para a credibilidade da presidência brasileira na COP 30. Sem financiamento em escala adequada, as metas globais continuam no papel. A meta de US$ 1,3 trilhão é proporcional à urgência da crise. É também uma forma de reconhecer que países em desenvolvimento precisam de apoio justo para implementar suas ações climáticas, especialmente em adaptação, perdas e danos, conservação da biodiversidade e transição energética. Mais do que prometer recursos, é hora de mostrar como esses valores vão chegar à ponta, com transparência, acesso simplificado e foco na justiça socioambiental.

Quais as expectativas quanto às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs)? No ano passado, na COP do Azerbaijão, as metas foram consideradas muito frouxas por ambientalistas. Quais os riscos da ausência de metas concretas?

MS — As NDCs são a espinha dorsal do Acordo de Paris e o termômetro das ambições dos países. Sem metas claras, mensuráveis e ambiciosas, o acordo perde sua força, o que significa na prática um colapso climático e social sem precedentes. O risco maior é de termos uma década decisiva marcada por inação, promessas vagas e resultados insuficientes para conter o aumento da temperatura global. A COP30 precisa ser um marco de virada — não apenas para revisar metas, mas para colocar de pé um novo ciclo de implementação real, com base em evidências, justiça climática e sinergias com a biodiversidade e a restauração de ecossistemas. O momento de aumentar a ambição é agora.

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postado em 21/04/2025 03:58