Crédito de carbono

Nova aposta de concessão florestal visa a recuperação de áreas degradadas

Projeto-piloto prevê a restauração da Unidade Triunfo do Xingu, considerada a área de preservação mais desmatada do país

O Brasil está prestes a experimentar um novo mercado de concessão florestal, que visa a recuperação de áreas degradadas em troca de créditos de carbono para a iniciativa privada. -  (crédito: Reprodução do site fapeam.am.gov.br)
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O Brasil está prestes a experimentar um novo mercado de concessão florestal, que visa a recuperação de áreas degradadas em troca de créditos de carbono para a iniciativa privada. - (crédito: Reprodução do site fapeam.am.gov.br)

O Brasil está prestes a experimentar um novo mercado de concessão florestal, que visa a recuperação de áreas degradadas em troca de créditos de carbono para a iniciativa privada. O projeto-piloto prevê a restauração da Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu (URTX), localizada em Altamira, no sudoeste do Pará, considerada a unidade de conservação mais desmatada do país.

A licitação da área será realizada sexta-feira (28/3) na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. A ideia é conceder milhares de hectares para empresas que, em troca de restaurar florestas destruídas, poderão faturar mais de R$ 1 bilhão com a venda de créditos de carbono. O modelo deve servir como um cartão de visitas para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, que será realizada em novembro, em Belém.

O governador do estado, Helder Barbalho (MDB), disse estar entusiasmado com a iniciativa. Segundo ele, trata-se de uma concessão de 40 anos, com investimento de R$ 250 milhões e previsão de receita de R$ 1,5 bilhão. "É a primeira experiência do Brasil de concessão de restauro de floresta em áreas públicas. Esse momento representa para o Pará uma nova agenda, a agenda de permitir que através do restauro nós possamos mobilizar capital privado para recuperar o estoque florestal. Esse projeto permite ainda a geração de dois mil empregos a partir do restauro", destacou. A expectativa é de que o modelo seja replicado em outras regiões do estado e, também, do país.

A concessão florestal é realizada desde 2006, a partir da Lei de Gestão de Florestas Públicas. Até então, as áreas concedidas à iniciativa privada eram destinadas apenas para projetos de manejo sustentável, incluindo a produção de madeira. Esta será a primeira vez que uma área será concedida especificamente para restauração florestal com aproveitamento de créditos de carbono.

Para Daniel Caiche, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em mudanças climáticas e mercado de carbono, as expectativas para o leilão são positivas, "especialmente porque há uma crescente valorização de ativos ambientais e um interesse maior por parte de investidores na bioeconomia, principalmente com foco em projetos de restauração ecológica com potencial de geração de créditos de carbono".

reflorestamento 2403
reflorestamento 2403 (foto: arte)

"Se bem estruturado, o leilão pode atrair empresas comprometidas com práticas sustentáveis, gerando emprego e renda para comunidades locais, ao mesmo tempo em que fortalece a proteção da floresta", afirmou.

Sancionado em dezembro, o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono estabelece um limite para emissões de gases de efeito estufa pelo setor produtivo e multas para quem não compensar as emissões excedentes. Assim, a comercialização de créditos se torna uma demanda global em ascensão.

Desafios

Apesar de se mostrar um mercado promissor, desafios logísticos e jurídicos ameaçam o sucesso do modelo, conforme destacou Eduardo Fayet, vice-presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) e especialista em ESG. "Existem questões sobre a regularização fundiária e a segurança jurídica necessária", apontou.

Há riscos associados às concessões. A URTX, por exemplo, está localizada a 150 quilômetros da área urbana mais próxima. O local remoto é conhecido por ser frequentemente invadido por grileiros e madeireiros. "A lei prevê que o Estado tenha a obrigação de garantir o acesso a essas terras, conforme o edital de licitação por parte do setor privado, ou viraria uma guerra dentro dessas áreas. As forças policiais e de segurança, são quem garantem o acesso a essa terra. Resta saber se o Estado brasileiro vai, de fato, cumprir isso na forma que tem que ser cumprida", explicou.

Outro obstáculo jurídico é que a legislação brasileira limita a duração das concessões florestais a 40 anos, enquanto os créditos de carbono geralmente exigem garantias de que o carbono será retido no solo por, pelo menos, 100 anos.

Na avaliação do especialista em ESG, restam alguns ajustes nesse processo. "É preciso segurança jurídica e financeira adequada para que as empresas possam compensar efetivamente o carbono, para que isso não vire problema depois", completou.

Flona do Jatuarana

Está em aberto um edital federal de concessão da Floresta Nacional (Flona) do Jatuarana, em Apuí, no sul do Amazonas. Diferentemente do Triunfo do Xingu, a região será destinada para modelos tradicionais de manejo sustentável, incluindo a produção de madeira e silvicultura de espécies nativas, em quatro áreas que somam 453,4 mil hectares.

O projeto prevê investimentos em infraestrutura de mais de R$ 430 milhões e de R$ 3,4 bilhões nos serviços de operação, ao longo do período de concessão. A estimativa é de criação de 1,5 mil empregos diretos e indiretos.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), 24% do pagamento das concessões serão destinados ao município e 12% ao estado onde a floresta está localizada. Os recursos também são destinados ao SFB (12%), ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (12%), e 41% voltam para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) realizar a gestão.

O Plano Plurianual de Outorga Florestal (PPAOF), publicado em dezembro pela pasta, prevê a concessão de 24 áreas públicas para manejo sustentável e outras nove para restauração florestal. O Serviço Florestal Brasileiro pondera que, no caso do manejo para madeira, o modelo não causa desmatamento e mantém a diversidade biológica, já que são colhidos poucos indivíduos de espécies diversas, no período de 25 a 35 anos. O concessionário só pode manejar os recursos que estão descritos no edital, não tendo direito à terra em si.

A licitação será realizada em 21 de maio, na sede B3, dividida em quatro lotes, as chamadas Unidades de Manejo Florestal (UMFs). O projeto inclui "encargos acessórios", instrumento contratual que obriga a concessionária a investir uma parcela de recursos em diversos macrotemas.

O diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Nelson Barbosa, afirmou que o manejo florestal sustentável é essencial para a preservação da Amazônia. "Protege a biodiversidade, mantém o equilíbrio ecológico, promove o desenvolvimento sustentável das comunidades locais, reduz o desmatamento e ajuda a mitigar as mudanças climáticas", explicou.

O Brasil já possui experiências bem-sucedidas em concessões para manejo florestal sustentável. Por exemplo, a Floresta Nacional de Jacundá, em Roraima. "Essas práticas garantem que a exploração dos recursos naturais ocorra de forma responsável", ressaltou.

Financiamento

O grande desafio do Brasil à frente da Conferência do Clima é expandir o financiamento climático global de US$ 300 bilhões por ano para US$ 1,3 trilhão até 2035. A falta de uma sinalização concreta sobre os caminhos para multiplicar esse valor foi um dos entraves da última edição realizada em Baku, no Azerbaijão, no ano passado.

Presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago sinalizou em carta aberta aos países-signatários que o número alto exige uma mudança no modelo de financiamento e que "esses recursos não serão doados pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento".

Para Daniel Caiche, há diversas alternativas que podem ensejar a iniciativa privada. "Entre elas, estão os mercados de carbono, que permitem a comercialização de créditos de redução de emissões, os mecanismos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que recompensam os responsáveis que preservam áreas estratégicas, e os títulos verde (green bonds), que direcionam investimentos para projetos sustentáveis", exemplificou.

Ele destacou a importância de iniciativas como a taxonomia sustentável. "Os compromissos empresariais de descarbonização e de conservação da biodiversidade podem estimular novos investimentos em preservação e regeneração de ecossistemas, tornando a agenda climática mais atrativa para o setor privado", ressaltou o professor.

 


Rafaela Gonçalves
postado em 24/03/2025 04:50 / atualizado em 24/03/2025 08:26