Investimentos

Lei de terras: polêmica sobre proprietário estrangeiro volta ao debate

Enquanto especialistas criticam norma que impõe limites à participação de estrangeiros, MPF alega questão de soberania

A Lei nº 5.709/1971, que equipara empresas brasileiras de capital estrangeiro a empresas estrangeiras, para fins de aquisição de imóveis rurais -  (crédito: Foto cortesia, Adriano Gambarini)
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A Lei nº 5.709/1971, que equipara empresas brasileiras de capital estrangeiro a empresas estrangeiras, para fins de aquisição de imóveis rurais - (crédito: Foto cortesia, Adriano Gambarini)

O agronegócio brasileiro está no centro de uma controvérsia jurídica que pode impactar profundamente investimentos estrangeiros e operações de fusões e aquisições. A polêmica se baseia na interpretação do § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/1971, que equipara empresas brasileiras de capital estrangeiro a empresas estrangeiras, para fins de aquisição de imóveis rurais.

Esse entendimento, adotado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), foi reforçado pela Advocacia Geral da União (AGU) em 2010, alterando a orientação vigente até então, que considerava que a Constituição de 1988 não havia recepcionado essa equiparação. Crítico dessa interpretação, o mestre e doutor em Direito Civil pela USP Francisco Godoy argumenta que ela fere o princípio constitucional da isonomia. “A Constituição Federal estabelece que todos são iguais perante a lei, garantindo ao brasileiro e ao estrangeiro residente no Brasil um tratamento isonômico para a propriedade e todas as liberdades individuais”, defende.

Para ele, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a AGU adotam um entendimento que contraria o artigo 5º da Constituição. Godoy ressalta, ainda, que a restrição ao investimento estrangeiro na propriedade rural não condiz com a realidade do agronegócio brasileiro. “A agricultura brasileira, desde o Império, se fez com estrangeiros. As restrições impostas pela Lei 5.709/1971 criam uma propriedade privada limitada, sujeita a autorização estatal, o que compromete a liberdade econômica”, argumenta.

O juiz federal aposentado e doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP, Silvio Luís Rocha, também critica a insegurança jurídica gerada pela interpretação atual da legislação. Segundo ele, condicionar operações de fusão e aquisição ao aval do Incra e do Congresso inviabiliza negócios. “Nenhum investidor estrangeiro aceitaria realizar um contrato de fusão e aquisição cuja eficácia dependa da vontade de terceiros que não possuem uma atuação institucional voltada para análise desses negócios”, afirma.

Rocha aponta que o Estado já possui instrumentos para impedir abusos na aquisição de terras, como desapropriação e controle de atividades econômicas. “Defender preventivamente a soberania nacional por meio dessas restrições é a pior opção. O poder público tem o dever de evitar o abuso regulatório e permitir um ambiente favorável à livre iniciativa”, diz, citando a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019).

Para o especialista em direito societário, fusão e aquisição e contratos e franquias Paulo Bardella Caparelli, a finalidade da restrição promovida pelo dispositivo legal seria a preservação da soberania nacional. “No entanto, na prática, essas restrições afastam investimentos importantes no agronegócio brasileiro”, explicou.

Mas há quem veja pontos positivos na lei. Segundo a especialista em Fusões e Aquisições Carla Calzini, a norma visa proteger a soberania nacional, preservar o meio ambiente e assegurar o uso da terra, conforme os interesses do desenvolvimento econômico e social do Brasil. “Este dispositivo é controverso, sendo objeto de discussão, que se prolonga por anos, no STF”, ressaltou Calzini.

Tramita no Congresso Nacional uma proposta para flexibilizar os termos da lei 5709/1971. Trata-se do projeto de lei 2.963/2019, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara. O Ministério Público Federal tem posicionamento contrário à iniciativa, por entender que causa danos à soberania nacional.

Fernanda Strickland
postado em 18/03/2025 04:27