O aumento das incertezas em relação ao compromisso do governo em recuperar o equilíbrio fiscal reacendeu o debate do risco de o país entrar novamente em um cenário de dominância fiscal — quando a política monetária não consegue mais surtir efeito no controle da inflação devido à piora do quadro fiscal — a perna manca tradicional do tripé macroeconômico — que é composto por câmbio flutuante, metas de inflação e superavit primário das contas públicas.
Não à toa, na última reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central acelerou o ritmo de alta da taxa básica da economia (Selic) de 0,5 ponto para 1,0 ponto percentual em dezembro, para 12,25% ao ano, e sinalizar mais duas altas da mesma magnitude nas primeiras reuniões de 2025.
Essa decisão reflete a preocupação de 80% dos entrevistados pelo BC de que haverá piora do quadro fiscal no questionário pré-Copom. Na reunião anterior, esse percentual era metade, de 40%.
E, na carta aberta de justificativas sobre o descumprimento da meta de inflação pela oitava vez desde o início do regime atual, em 1999, o novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, admitiu que "no cenário doméstico, a percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio".
E, como a inflação oficial rompeu o teto da meta em 2024, as projeções recentes de analistas indicam que, neste ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá ficar acima de 6%, o que exigirá juros cada vez mais elevados e, provavelmente, acima de 15% ao ano. Atualmente, a taxa Selic está em 12,25% e o risco país é maior do que de países que tiveram sua economia devastada na crise financeira global de 2008, como a Grécia.
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, que elevou recentemente de 15% para 15,50% ao ano a previsão para taxa Selic no fim de 2025, acredita que o governo precisará anunciar um novo pacote fiscal, porque "as despesas obrigatórias estão crescendo muito rápido". "O lado monetário tem funcionado bem, mas ainda é preciso arrumar a perna fiscal. E foi por isso que o Copom anunciou um choque monetário de 300 pontos-base em três parcelas, de dezembro de 2024 até março de 2025", pontua.
O economista e especialista em contas públicas Manoel Pires, professor da Universidade de Brasília (UnB) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que os debates sobre dominância fiscal ocorreram na época de saída da pandemia da covid-19 e, na recessão de 2015. "Quando os gastos do governo passam por um aumento significativo, esse tema sempre surge, mas ele nunca se concretizou porque o governo sempre deu um gesto para impedir esse cenário. Por isso, acho que pode acontecer a mesma coisa agora", afirma.
Pires ainda reconhece que o país está vivendo um cenário bastante adverso e, mesmo com um deficit primário grande nas contas públicas de 2023, de 2,3% do PIB, foi possível reduzir os juros no fim daquele ano e o rombo fiscal de 2024. "Mas o cenário de 2025 é muito mais desafiador. Mesmo com o deficit menor do que o de 2023, o cenário macroeconômico vai exigir um esforço fiscal maior do governo e há muita dúvida sobre a capacidade do governo em cumprir as metas fiscais", afirma. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, engrossa o coro e não descarta o risco de mudança na meta fiscal novamente, como fez em abril de 2024, quando o governo deixou de perseguir a meta de deficit zero e passou a perseguir o piso da meta, que permite um rombo fiscal de até 0,25% do PIB.
Dívida explosiva
Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), a dívida pública bruta deverá chegar a 90% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2027, e ultrapassará o patamar de 100% do PIB a partir de 2030, considerando o cenário mais conservador. E, no pessimista, considerando a taxa básica da economia acima de 15% ao ano, algo que está mais factível nas atuais projeções do mercado, a dívida pública ultrapassa 100% do PIB, em 2027. Logo, para evitar esse cenário insustentável para um país emergente, o governo precisará cortar gastos e registrar superavits primários de 2,4% do PIB ao ano, ou seja, acima de R$ 300 bilhões, para conseguir estabilizar o crescimento da dívida bruta.
Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, acredita que o Brasil ainda está longe desse quadro de dominância fiscal. "Não gosto dessa tese, porque entendo que a transmissão da política monetária na inflação fica menos eficiente e isso não quer dizer que é dominância fiscal", afirma. Ele reconhece que o mercado errou muito nos últimos anos, além do PIB e do câmbio. "Isso nos obriga a uma reflexão, porque as projeções, inclusive as minhas, erraram porque sabíamos dos efeitos que as reformas econômicas — como a trabalhista, a da Previdência, a autonomia do Banco Central e o marco do saneamento — teriam algum efeito na atividade, mas as nossas ferramentas são pobres para medir e isso explica parte do erro", afirma.
Para Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, 2025 será um ano cheio de desafios, a dinâmica da dívida pública vai mostrar piora nas condições do país e derrubar a eficiência da política monetária. "Isso vai exigir juros mais altos do que o necessário e será preciso um ajuste no crescimento muito mais duro para evitar esse cenário de dominância fiscal. Aí, sempre tem a dúvida em torno do assunto uma vez que o atual governo herdou um PIB com capacidade maior de crescimento e ele adicionou um impulso, mas ele tem limite, tanto que, nos últimos dois anos, houve um desequilíbrio inflacionário e fiscal. Agora, os dois últimos anos do atual mandato de Lula são anos que vão repetir o problema de limites para qualquer expansão fiscal", alerta.