Entrevista | Monica Panik | Especialista no Setor do H2 e Célula a Combustível

Especialista destaca importância da descarbonização pelo hidrogênio verde

Investimentos em hidrogênio verde podem ser a oportunidade para o Brasil se consolidar como polo mundial da indústria sustentável

Monica Panik é especialista no setor do H2 e Célula a Combustível
 -  (crédito:  Rogério Lima/ Expolog 2024)
Monica Panik é especialista no setor do H2 e Célula a Combustível - (crédito: Rogério Lima/ Expolog 2024)

Considerado o combustível do futuro, o hidrogênio verde (H2V) é apontado como chave para a descarbonização da logística, uma oportunidade para o Brasil se consolidar como polo mundial da indústria sustentável. Em razão de sua dimensão continental e particularidades regionais, o país apresenta um enorme potencial para a produção do gás, gerado a partir de fontes renováveis.

Desde 2021, a utilização do hidrogênio verde como matriz energética no Brasil tem mudado de forma abrupta. O Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará, deve produzir 1,3 milhão de toneladas docombustível por ano. Os investimentos em plantas de H2V já ultrapassam R$ 188 bilhões no país, impulsionado por gigantes globais.

Com mais de 25 anos de experiência no setor de hidrogênio, Monica Saraiva Panik, consultora da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), avalia que o país ainda está aquém do potencial que possui. Em entrevista ao Correio, a especialista em H2 e Célula a Combustível, que reside na Alemanha, avaliou as principais tendências e gargalos do setor na corrida internacional.

"Eu sempre falo que o Brasil tem tudo, mas não sabe passar essa mensagem. Eu acho que falta um foco técnico de como fazer. E essa parte técnica é viabilizadora, é assim que os países se espelham uns nos outros", disse Monica, que destaca a importância das plantas de hidrogênio para o desenvolvimento socioeconômico das comunidades.

Confira os principais trechos da entrevista.

Qual o potencial do hidrogênio verde para a descarbonização da logística portuária?

É um potencial enorme que vai desde a substituição dos combustíveis fósseis, em todos os modais de transporte, e envolve toda a cadeia. Embarcações, porta-contêineres, todas essas máquinas e equipamentos que são utilizados na logística dos portos. Você tem hoje uma indústria que já fornece esses veículos ou equipamentos e máquinas movidas ou a célula combustível, no caso, para navios é amônio e metanol, que estão sendo mais cotados, que são produzidos à base do hidrogênio. O transporte fluvial envolve também outros modais de transporte, como o rodoviário, transporte de gasodutos, tudo isso está sendo transformado. Toda a infraestrutura que você tinha para distribuir combustíveis fósseis está sendo transformada para distribuir não só hidrogênio derivado, mas também os subprodutos das plantas de hidrogênio. Os portos adquiriram um papel importante nessa transição, porque eles conectam países, indústrias, e isso são novas oportunidades de negócios, de geração de empregos e essa transformação da infraestrutura.

Há a possibilidade de fazer a transição de toda essa cadeia?

O portfólio de soluções é enorme. Uns querem veículos elétricos; outros movidos a hidrogênio puro; outros a combustíveis à base de hidrogênio. E não importa a rota, todas são válidas. A gente não deve limitar rotas tecnológicas, porque isso limita investimentos. Você deve abrir contanto com o objetivo da descarbonização, a partir daí cada um escolhe o que for melhor para aquela situação, para aquele ambiente.

Como avalia a posição do Brasil no cenário internacional?

O Brasil demorou um pouco para se alinhar a essa força internacional que começou há três, quatro anos. Mas eu acho que o Brasil tem condições para avançar muito mais rápido do que outros países. Porque temos matriz elétrica renovável, temos outras coisas que outros países não têm. Por exemplo, há países onde toda a energia gerada para a produção de eletricidade ainda é fóssil. Então eles têm que começar do zero. O Brasil não tem que começar do zero.

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O que é preciso para avançar?

Motivar a demanda, ou seja, motivar a descarbonização, a substituição de insumos de combustíveis fósseis. Por isso, é importante a consciência de que é preciso existir um plano de descarbonização. Se você não tem hoje um plano de descarbonização na sua empresa, não importa o que a empresa faça, você está perdido e vai ficar para trás. O Ministério do Desenvolvimento indicou que quer lançar um selo de pegada de carbono. Isso vai revolucionar todos os setores.

Em que passo o selo está?

Está bem avançado. Eu conversei com o secretário de Economia Verde, Rodrigo Rollemberg, que participou da concepção do programa. Ele me disse que já estão chamando as agências certificadoras para fazer a metodologia de como é que você vai quantificar a pegada de carbono do seu produto.

Uma matéria-prima que vem nessa maré da pegada de carbono é o aço verde…

O aço verde é o que utiliza energia renovável na sua produção, que utiliza hidrogênio verde. É o aço que tem uma eficiência energética e substituição de insumos fósseis. Então, se não for o aço verde, daqui a pouco não vou mais poder comercializar. Porque se as empresas já começaram esse movimento, principalmente as montadoras, fabricantes de veículos, é uma motivação, porque o aço é uma matéria-prima essencial, está em tudo. Se um comprador disser que a partir de hoje não compra mais aço produzido com carvão, serão buscadas as soluções possíveis para fazer um aço livre de emissões.

Como a senhora avalia o posicionamento do país diante das necessidades para a transição energética?

Estamos muito aquém do que podemos fazer. Você não acha que esse plano do MDIC de selo de descarbonização não deveria ter sido divulgado na COP? O Brasil não sabe fazer marketing daquilo que ele tem. O mundo não sabe o que o Brasil tem e pode fazer. Eu acho incrível que o Brasil não saiba vender o Brasil. Já melhorou muito, mas, mesmo assim, não sabe. Esse programa de selos, mesmo ainda que não esteja pronto, tinha que ser divulgado. Na COP 29 focou-se muito nessa meta de redução de emissões. O mundo quer ver medidas, quer saber qual caminho seguir. E o Brasil já tem esse caminho, o país tem trabalhado muito nisso. Qual outro país que tem experiência na substituição de combustível? Eu não conheço nenhum. Eu sempre falo que o Brasil tem tudo, mas não sabe passar essa mensagem.

Passada a fase regulatória, quais os desafios para o desenvolvimento da cadeia do hidrogênio verde no país?

O Marco Regulatório com certeza é importante, mas não é só isso. Você tem que dar segurança, também, para a região onde você está ou você quer investir. Ainda vai chegar o momento onde você vai ver as comunidades sentindo essa parte de desenvolvimento socioeconômico. À medida que as plantas vão se instalando, você vai agregando valores. Não é só o ambiental, não se pode esquecer o socioeconômico e como as comunidades vão se envolver nisso, o que elas vão ganhar com isso.

 

Rafaela Gonçalves
postado em 12/01/2025 05:45
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