Política Monetária

Em última reunião do ano, Banco Central calibra Selic em 12,5%

Analistas de mercado veem decisão como "choque monetário". Setor produtivo acha que elevação foi "totalmente injustificada"

Diante da piora das perspectivas para o câmbio e a inflação, após a frustração do mercado financeiro com o pacote de ajuste fiscal do governo, o Banco Central atendeu, ontem, aos apelos do mercado e até foi mais duro do que o esperado. O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa básica da economia (Selic), de 11,25% para 12,25% ao ano, no pico das expectativas dos analistas, divididas entre 0,75 ponto e 1,00 ponto percentual.

O comunicado divulgado ao fim da reunião informou que os nove diretores do BC, incluindo o presidente, Roberto Campos Neto, votaram pelo aumento de 100 pontos-base. Mas o texto chamou a atenção de economistas por não incluir a palavra unânime, como nas últimas decisões. A elevação dos juros básicos foi a maior desde março de 2022 e, agora, a Selic retorna ao mesmo patamar de novembro de 2023.

O Copom também sinalizou que, nas próximas duas reuniões, pretende elevar a Selic na mesma magnitude “se confirmado o cenário esperado”. “A magnitude total do ciclo de aperto monetário será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerá da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, destacou a nota do BC.

O comitê ainda piorou as previsões para inflação deste ano, de 4,60%¨para 4,9% — acima do teto da meta, de 4,50% — e elevou de 3,9% para 4,50% a estimativa do indicador de carestia em 2025.

Analistas avaliam que a taxa terminal do ciclo de aperto monetário, iniciado em setembro, deverá terminar quando a Selic chegar a 15% anuais em 2025. É o caso de Julio Hegedus, economista da Confiance Tec. Ele acredita que a Selic poderá chegar a 15% e, segundo ele, isso dependerá da “desancoragem de expectativas da inflação, do câmbio próximo de R$ 6 e as dificuldades políticas e de um ajuste fiscal mais efetivo e profundo.”

“Há, não apenas uma piora das expectativas de inflação, mas a resistência da inflação corrente e a preocupação com o risco inflacionário gerado pelo câmbio independente por causa da pressão cambial”, analisou Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV.

Credibilidade

De acordo com comunicado do Itaú Unibanco, que  já esperava o resultado de ontem, o Banco Central tentou dar um choque de credibilidade. “Embora menos provável, alguns membros podem ter optado por um ritmo diferente de aumento, digamos 75 pontos-base, mas acabaram apoiando a maioria para minimizar ruídos”, destacou a nota da equipe de economistas da instituição.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, avaliou que a decisão do Copom teve como objetivo principal acalmar o mercado devido à deterioração das expectativas recentes para a inflação, a curva de juros futuros e o dólar. Ele lembrou que o BC anunciou um leilão de linha (de dólares) para esta quinta-feira, como sinal de maior interferência no mercado de câmbio.

“O BC está tentando dar um choque para acalmar o mercado, diante da instabilidade muito grande desde a semana passada, que fez o dólar ser negociado acima de R$ 6. Mas o BC de Campos Neto está atenden Correio Braziliense do os pedidos do mercado, como ele fez nos momentos de corte dos juros”, afirmou.

Para Arnaldo Lima, líder de relações institucionais da Polo Investimentos, o aumento da Selic em mais 2,0 pontos percentuais até março de 2025 é tempo suficiente para o governo conseguir aprovar o pacote fiscal e reancorar as expectativas. “Ressalta-se que a partir do ano que vem, o regime de metas deixa de » adotar o ano-calendário e passará a adotar a meta contínua, o que é mais um instrumento para trazer maior previsibilidade”, ressaltou.

Críticas

A paulada de 100 pontos-base na taxa básica foi recebida com preocupação pelo setor produtivo. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), emitiram notas criticando a decisão e demonstrando preocupação com a perda de competitividade da indústria nacional.

O presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, por exemplo, disse que a decisão terá efeitos negativos sobre a indústria brasileira, como a perda de competitividade nos mercados interno e externo. Apesar de reconhecer que a decisão do Copom reflete o cenário atual de desconfiança com relação à trajetória da dívida pública, a Firjan considerou o aumento dos juros “excessivo”.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, considerou “incompreensível e totalmente injustificada” a decisão do Copom. Além disso, a entidade informou que a reação do mercado financeiro em relação ao pacote fiscal “foi exagerada e deve ser interpretada com cautela” pelo BC.

Surpresa

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, salientou não acreditar que o pacote fiscal apresentado no dia 27 de novembro tenha causado impacto no aumento mais forte da Selic, como apontam os analistas. ”Foi (uma surpresa) por um lado, mas tinha uma precificação nesse sentido”, disse o ministro, reticente no comentário.

“Vou olhar com calma e vou analisar no comunicado, vou falar com algumas pessoas, depois do período de silêncio”, completou. Haddad disse que há uma dificuldade de parlamentares em processar as medidas propostas. “Nós enviamos um ajuste que consideramos adequado e viável politicamente. Poderia ter mandado o dobro para lá, mas o que vai sair é o que importa”, acrescentou.

O ministro ainda ressaltou que acredita ser suficiente o prazo apertado do Congresso Nacional para aprovar as propostas enviadas antes do recesso parlamentar. “Nós procuramos calibrar o ajuste para as necessidades de manutenção da política fiscal”, pontuou.

Mercado

Antes mesmo do anúncio do Copom, o mercado ficou animado durante o pregão de ontem, com as ações de bancos e da Petrobras em ritmo de alta, além de resultado positivo no setor de serviços. Diante disso, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa/B3) subiu 1,06%, aos 129.593 pontos. Foi a terceira alta consecutiva da bolsa, o que não ocorria desde outubro.

O dólar encerrou o dia em queda substancial de 1,30%, cotado a R$ 5,96. Vale destacar que a moeda norte-americana não fechava um pregão abaixo de R$ 6 desde o final de novembro.

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