CONJUNTURA

PIB cresce, mas pode perder ritmo após anúncio de pacote fiscal

Consenso entre especialistas é de que a atividade deverá continuar aquecida no 3º trimestre do ano, porém, com as perspectivas de uma política monetária mais apertada, a velocidade de expansão vai diminuir

Após dias tensos no mercado financeiro, com disparada do dólar e queda na Bolsa, a nova semana começa com a expectativa do resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2024, que será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) amanhã, às 9h. Analistas ouvidos pelo Correio preveem uma taxa de crescimento da atividade econômica na margem (em relação ao trimestre anterior) variando entre 0,6% e 1%, o que, se comparado com o avanço de 1,4% entre abril e junho, na mesma base de comparação, deverá confirmar a tendência de desaceleração.

Especialistas reconhecem uma expectativa de alta mais acelerada dos juros daqui para frente. O consenso nesse sentido está se formando após a frustração do mercado com o pacote de gastos de R$ 70 bilhões em dois anos anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, juntamente com a perspectiva de renúncia fiscal com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil.

Os cálculos dos analistas indicam que, além de ser insuficiente para equilibrar as contas, o impacto das propostas não deve atingir o valor previsto até 2026. Não à toa, o dólar disparou e ultrapassou R$ 6 pela primeira vez na história do Plano Real, piorando as perspectivas para a inflação para mais de 5% neste ano, o que vai exigir mais aperto da política monetária do Banco Central. As projeções para a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 11,25% anuais, estão subindo para algo entre 14% e 15% ao ano, para o fim do atual ciclo de aperto monetário.

A maioria das apostas para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) espera nova aceleração no ritmo de aumento da Selic, de 0,5 ponto para 0,75 ponto ou até mesmo 1,0 ponto percentual. A perspectiva de juros básicos mais elevados deve frear o avanço do PIB nos próximos trimestres, o que vem fazendo com que as projeções dos próximos anos fiquem abaixo de 2%, após expansão acima de 3% neste ano.

"É triste dizer que o PIB vai ter que desacelerar, porque o Banco Central vai ter que acelerar a alta de juros. A política econômica do governo é estimulativa não devendo, portanto, reduzir os gastos, especialmente em 2026, que é um ano eleitoral", explica a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). A projeção atual do Ibre é de uma alta de 0,7% no PIB do terceiro trimestre, mas a especialista reconhece que o viés é de alta, e a taxa pode chegar a 1%.

Pacífico - economia desaceleracao pib 2024

O economista da XP Investimentos Rodolfo Margato reconhece que, apesar de a mediana das estimativas do mercado para o crescimento do PIB do terceiro trimestre estarem entre 0,8% e 0,9%, com as projeções variando entre 0,6% a 1,1%, uma surpresa ainda segue no radar dos especialistas. "No segundo trimestre deste ano, a mediana das apostas do mercado estava entre 0,9% e 1%, e o PIB cresceu 1,4%. Não podemos descartar uma surpresa com o que temos observado. Dá para afirmar que o PIB vai ter um desempenho sólido na maioria dos componentes", explica.

Na avaliação de Silvia Matos, o PIB vai desacelerar. Apesar de as projeções de inflação caminharem para 5,1% neste ano, e continuarem acima do teto da meta de 4,5% no ano seguinte, a política monetária não deverá ser muito restritiva para que o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) convirja para o centro da meta, de 3%, no próximo ano.

"Seria preciso que a Selic subisse para 15% ao ano. O custo disso é muito alto e pode afetar o crédito, que vem ajudando a estimular o consumo atualmente, e ainda vamos ter de ver como é que vai ficar o mercado externo, pois a inflação nos Estados Unidos vai continuar persistente", destaca. E, agora, se o dólar continuar acima de R$ 6, o trabalho do Banco Central, que terá nova presidência e três novos diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir do ano que vem, será bem mais complicado. "A inflação de serviços vai precisar desacelerar no primeiro trimestre de 2025 para o BC manter os juros, mas não consigo ver queda da Selic no ano que vem", alerta.

Destaques

A expectativa dos analistas é de um bom desempenho da indústria, devido ao aumento do consumo de bens duráveis nos últimos meses, especialmente de veículos, e do setor de serviços, que deve continuar crescendo e é o que mais emprega e tem maior peso no PIB, de quase 70%. Eles lembram o avanço do mercado de crédito e da queda do desemprego, que recuou para 6,2% no trimestre encerrado em outubro — o menor patamar da série histórica do IBGE. Conforme dados do órgão, a indústria foi responsável pela contratação de 629 mil pessoas, o que equivale a quase 40% dos 1,580 milhão de trabalhadores a mais na população ocupada.

Pelas projeções de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o PIB do terceiro trimestre deverá registrar alta de 0,8%, na margem, com impulso maior por parte do consumo das famílias. "Isso é fruto do mercado de trabalho forte nos últimos meses. Mas, como o dado do terceiro trimestre vem sempre com revisões mais profundas dos trimestres anteriores, sempre pode haver surpresas", observa.

Agro

O desempenho da agricultura, contudo, divide opiniões. Para o Ministério da Fazenda, por exemplo, que prevê avanço de 0,7% no PIB do trimestre, a expectativa é de 1,75% de queda na margem para o setor agropecuário. Para Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, que também espera alta de 0,7% no PIB de julho a setembro, o agro deverá apresentar crescimento de 1,2%, na mesma base de comparação. "O destaque vai ser a indústria de transformação que vai crescer mais de 1% na comparação trimestral", afirma.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, espera alta de 1% PIB de julho a setembro, em relação aos três meses anteriores, com indústria e serviços sendo os principais destaques, mas reconhece que o impacto do processo de alta dos juros será mais intenso a partir do quarto trimestre deste ano. "Claro que o efeito da alta de juros começou a ser sentido um pouco no terceiro trimestre, mas será muito mais concentrado daqui para a frente. Então, neste ano, revisamos a nossa projeção para 3%, com viés de alta", aponta.

"A parte de investimentos, também deverá continuar crescendo em ritmo mais forte, quase em dois dígitos em relação ao mesmo período do ano passado. Mas boa parte por conta ainda da recuperação e crescimento do setor da construção civil, que estimulou o avanço dos investimentos em máquinas e equipamentos. Porém, a perspectiva para o ano que vem começa a mudar um pouco", frisa.

Segundo Margato, da XP Investimentos, um dos destaques no PIB do terceiro trimestre serão os investimentos, que devem seguir crescendo devido ao consumo das famílias por bens duráveis, com altas de 1%, na margem, e de 9%, na comparação anual. "O consumo aparente de bens de capital subiu nos últimos meses, fazendo os investimentos terem um desempenho acima do PIB neste ano, com aumento de 6,2% após uma queda de 3% em 2023", Pelas projeções da XP, o PIB deverá avançar 0,9% no trimestre encerrado em setembro, e, para o ano, a instituição revisou de 3,1% para 3,4%, acima das projeções do Ministério da Fazenda, de 3,3%.

O consumo das famílias, que vem se mantendo forte ao longo do ano, reflete os estímulos fiscais do governo e o aumento da renda dos trabalhadores devido ao mercado de trabalho mais aquecido e perto do pleno emprego — quando a taxa de desocupação fica abaixo de 5%. Pelas projeções da corretora, o consumo das famílias deverá avançar 6% neste ano, acima do PIB, e o consumo do governo também vai crescer acima do PIB, com alta de 4,5% neste ano. "Isso reflete em uma demanda interna aquecida que se reflete em outras variáveis, como a inflação que vai continuar pressionando os preços, de forma geral", explica o economista.

 

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