O setor de apostas esportivas pretende superar, muito em breve, a imagem negativa que as chamadas bets adquiriram ao longo de 2024. Especialistas e casas de apostas on-line acreditam que a regulamentação da legislação, que entra em vigor a partir de 2025, servirá de combustível para impulsionar esse mercado no Brasil. A última lista divulgada pelo Ministério da Fazenda inclui mais de 100 empresas e 230 domínios autorizados a operarem no Brasil.
Advogado especializado em mercado de iGaming e fundador da Octus Legal iGaming, Rubio Teixeira explicou ao Correio quais mudanças poderão ser vistas já em 1° de janeiro. "Toda e qualquer aposta realizada poderá ser discutida na Justiça em caso de ilegalidade. Ao contrário do cenário anterior, os agentes operarão com empresa brasileira e serão responsabilizados e penalizados, dentro do Brasil, pelos órgãos competentes, em caso de descumprimento das normas regulatórias", frisou.
Ele lembrou, ainda, que ferramentas de verificação de identidade serão implementadas para facilitar a identificação do apostador, especialmente para excluir a possibilidade de menores de idade apostarem. "Os agentes operadores deverão adotar medidas rigorosas para garantir a transparência e a integridade das suas operações financeiras", apontou.
Analistas defendem também o crescimento de apostas, receitas e de apostadores em meio a um setor regulado, justamente por causa de regras mais claras, recolhimento de impostos e fiscalização fiscal por parte do governo. Talita Lacerda, CEO da Bet7k, prevê que o faturamento "deve aumentar significativamente, com crescimento na casa de 30% a 50% ao longo de 2025". "Quanto aos apostadores, estudos mostram que a regulamentação tende a aumentar a confiança do consumidor, atraindo um público que antes evitava o mercado pela falta de segurança. Projeções indicam um crescimento de 20% a 25% na base de usuários ativos já em 2025", informou.
Na opinião da especialista, a regulação do mercado ajudará a superar a imagem negativa das bets justamente pelo seu impacto econômico. "A regulamentação vai trazer mais integridade, transparência, além de combater à ilegalidade e promover mais responsabilidade social. Quando o setor começar a contribuir diretamente com impostos destinados para saúde, educação e esportes, a percepção do público certamente irá mudar", explicou.
Para Leonardo Henrique Roscoe Bessa, consultor do Conselho Federal da OAB e sócio do Betlaw, escritório de advocacia especializado no setor de jogos e apostas, 2025 será um ano de crescimento para o setor no país. "As empresas poderão expandir suas operações, investir em novas tecnologias e criar empregos, tanto diretos quanto indiretos. A chegada de operadores internacionais ao Brasil trará expertise e elevará os padrões de qualidade e competitividade, consolidando o país como uma referência global no setor de apostas", enfatizou.
Entretanto, ao contrário do que a maioria do setor pensa, o advogado especialista em direito empresarial e tributário e titular do escritório Morad Advocacia Empresarial, Antônio Carlos Morad, o Brasil está seguindo um péssimo exemplo dos Estados Unidos. "Não acredito totalmente que o setor irá superar a imagem ruim. Esse ambiente é insalubre e selvagem, gera o vício e motiva o submundo. Creio que estamos novamente reproduzindo os defeitos sociais dos EUA", explicou.
Apesar do pessimismo, Morad acredita que as novidades no cadastramento de contas evitará jogo de menores de idade e lavagem de dinheiro. "A identificação do apostador, inclusive com reconhecimento facial. Com essa mudança, devemos entender que irá reprimir a questão da "lavagem de dinheiro". Além disso, contas bancárias deverão ser cadastradas e somente dessas sairão os valores de apostas, não havendo mais pagamentos em espécie ou boletos, apenas transferências registradas imediatamente na Receita Federal (RF). E, ainda, crianças e adolescentes estão proibidos de participar, sob pena de aplicação de penalidades pertinentes", disse.
Construção de confiança
Na opinião de Vinicius Nogueira, CEO da BETesporte, as normas estipuladas pelo governo possibilitarão um ambiente seguro tanto para os apostadores, quanto para as bets. "Teremos a oportunidade de mostrar que impactamos positivamente nos esportes, entretenimento, cultura e economia. Nem todas as empresas atuam com responsabilidade e transparência, e a regulamentação chegou para exaltar os que jogam limpo. Além disso, o governo arrecadará uma quantidade imensurável de impostos que, se bem utilizados, poderão ser aplicados para o desenvolvimento social e econômico da população brasileira", defendeu.
Feliphe Almeida, CTO da Luck.bet, disse que o setor espera dar uma virada de página a partir de 2025. "É o ano que todas as bets estavam esperando ansiosamente, um ano com o mercado tendo regras claras e no qual a publicidade focada em jogo responsável será a tônica do segmento. O que trouxe essa imagem negativa para as bets foram as empresas e influenciadores que criaram falsas promessas de renda extra com um segmento que nada tem a ver com isso", criticou.
Outro setor que será beneficiado pelas apostas on-line é o de empresas de mediação de pagamento. João Fraga, CEO da Paag, destacou que o procedimento, mais seguro para os dois lados, vai voar alto em 2025. "As intermediadoras serão ainda mais valorizadas, desempenhando um papel essencial na segurança e na eficiência das transações. Aquelas que demonstrarem credibilidade e conformidade regulatória terão uma posição de destaque no mercado."
Combate ao vício
Uma das grandes preocupações com as apostas esportivas on-line — tanto do governo federal e de políticos, quanto da sociedade — é o desenvolvimento de vícios. O senador Eduardo Girão (Novo-CE), por exemplo, é radical quanto à atividade. "Se tivesse um pingo de responsabilidade social, o governo cancelaria e proibiria os jogos no Brasil", afirmou ao Correio. De acordo com o parlamentar, é possível bloquear todos os sites no país, informação confirmada pela Anatel em uma oitiva pedida por Girão no Senado.
A maior preocupação do parlamentar, porém, é o vício. "Enquanto eu respondo a você, tem gente desesperada perdendo o dinheiro em apostas e querendo recuperá-lo. E é um vício que ela não consegue sair, chega a perder o emprego, a produtividade acaba. A pessoa é demitida porque fica pedindo férias para pagar o jogo e adivinha? Perdem o emprego, perdem o companheiro, perdem a família, e estão atentando contra a própria vida", alertou.
Questionado sobre a permanência das bets no país, Girão foi enfático ao dizer que as propagandas sobre as apostas deveriam ser proibidas totalmente, tal qual é com o cigarro. O senador tem ainda um projeto de lei que visa a proibição de nomes de bets em camisas e estádios de futebol. "O governo poderia acabar com propaganda. Como é que pode um técnico, um jogador, uma pessoa admirada pela população, fazer propaganda influenciando o jogo? A política do cigarro no Brasil é um exemplo mundial porque proibiu as propagandas. Como ainda tem propaganda de bets depois de tudo o que aconteceu?"
Nesse sentido, para evitar um adoecimento na população devido ao vício em jogos on-line, o governo anunciou, em dezembro, a criação de um grupo de trabalho para elaborar propostas com ações de combate e prevenção ao vício em bets. Segundo o Ministério da Fazenda, essa é mais uma etapa do processo de regulamentação.
O plano deverá ser entregue em 2025, e a equipe que vai comandar esse processo será formada por representantes dos ministérios do Esporte, Fazenda, Saúde e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Estão previstas ações políticas e medidas de prevenção, redução de danos às apostas e assistência a pessoas e grupos sociais vulneráveis a, ou em situação de, comportamento de jogo problemático persistente e recorrente.
Tratamento
No Brasil, embora recente, as apostas on-line crescem em ritmo acelerado. De acordo com dados do Instituto Locomotiva, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas nos primeiros sete meses de 2024, uma média de 3,5 milhões ao mês.
A preocupação também afeta as casas de apostas, que têm procurado meios próprios de manter uma jogatina saudável. O CBO da Estrelabet, Fellipe Fraga, contou à reportagem que a empresa quer identificar jogadores compulsivos e indicar tratamentos gratuitos.
"O jogo responsável ganhará mais força, pois teremos mais dados para identificar comportamentos de jogo patológico por meio da parceria com a Fumec. A promoção do jogo responsável será central, mostrando que a aposta é uma forma de entretenimento, e não um investimento ou uma forma de obter renda", afirmou Fraga.
De acordo com o CBO, a equipe da empresa foi treinada para identificar jogadores com sinais de jogo patológico por meio de diversos canais de contato, como e-mail, chat ou telefone, disponíveis sete dias por semana. Os funcionários da EstrelaBet vão sugerir aconselhamento e direcionar para agendamento on-line e gratuito com profissionais de saúde da Fumec.
A equipe possui mecanismos internos para identificar apostadores com padrões de jogo irresponsável e adotar medidas como comunicação direcionada, imposição de limites e eventual bloqueio ou suspensão da conta. "Com regras bem definidas, torna-se mais viável pensar em novas ações junto ao público, tanto em melhorias na plataforma quanto em ações com os clubes que patrocinamos", defendeu.