Em novo dia tenso no mercado financeiro, o dólar disparou e bateu mais um recorde em meio ao aumento da desconfiança em relação ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com alguns avanços da reforma tributária e do pacote de corte de gastos, no apagar das luzes do Congresso. No câmbio comercial, a moeda norte-americana fechou o pregão cotada a R$ 6,266 para a venda — alta de 2,78% em único dia. Assim, o real acumula queda de 30% desde janeiro e está entre as moedas que mais derreteram em 2024. Na Bolsa de Valores de São Paulo, as perdas em um único dia das ações listadas foi de R$ 130,6 bilhões, em valor de mercado, conforme levantamento da Elos Ayta.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, minimizou a forte desvalorização do real e afirmou que o movimento é de especuladores. Para ele, o "ambiente de incerteza" no mercado força a alta da moeda norte-americana, que deverá se acomodar nas próximas semanas.
"Temos um câmbio flutuante, que, neste momento em que as coisas estão pendentes, reflete um clima de incerteza. Isso faz o câmbio flutuar", justificou Haddad. Segundo o ministro, nas conversas com grandes instituições financeiras, as previsões sobre o cenário econômico para 2025 "são mais promissoras".
"As avaliações dessas instituições são melhores do que as que os especuladores estão fazendo", afirmou aos jornalistas. Ao ser questionado sobre como será a relação entre o governo e o Banco Central daqui para frente, com a troca de comando da autarquia — sai Roberto Campos Neto e entra Gabriel Galípolo —, Haddad afirmou que Lula "nunca interferiu" no BC.
Intervenção
A disparada do dólar fez a autoridade monetária anunciar, na noite de ontem, uma nova intervenção no câmbio hoje. Serão leiloados US$ 3 bilhões no mercado à vista. Nesta semana, o BC injetou US$ 4,7 bilhões em dois leilões nesta semana, e não conseguiu fazer o dólar ficar abaixo de R$ 6, patamar que vem sendo considerado a nova realidade para a moeda desde o anúncio do pacote fiscal prevendo cerca de R$ 70 bilhões em corte de gastos, em 27 de novembro. A iniciativa não foi bem aceita pelo mercado financeiro por ser considerada aquém do necessário para estabilizar o crescimento da dívida pública. As estimativas de impacto fiscal do pacote são menores, variando entre R$ 40 bilhões e pouco mais de R$ 50 bilhões.
Nem mesmo a intervenção do Tesouro, que atuou na recompra de títulos públicos, segurou a disparada do dólar, em um momento em que muitas empresas estrangeiras enviam divisas para o exterior. Segundo analistas, a desconfiança do mercado financeiro no governo é crescente, pois os agentes econômicos estão precificando que o ajuste fiscal não vai acontecer na segunda metade do terceiro mandato de Lula.
"O pacote é insuficiente. Enquanto o governo tenta empurrar os cortes para 2025 e 2026, que é ano eleitoral, os operadores estão considerando que isso vai ocorrer apenas no próximo governo, seja ele qual for", destaca Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, demonstra preocupação com a eficácia das intervenções no câmbio. "O BC optou por dar liquidez e tentar apagar o incêndio via mercado à vista. Se a raiz do problema não for atacada — o desequilíbrio fiscal —, a estratégia se provará inócua e acabaremos com menos reservas do que começamos", alerta.
Cenário externo
Mas os motivos da forte desvalorização do real não foram apenas domésticos. O cenário externo também não ajudou muito, dia de decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), que reduziu os juros básicos em 0,25 ponto percentual, para a faixa de 4,25% a 4,50% ao ano (leia ao lado).
Com a perspectiva de juros mais altos nos EUA, as bolsas caem e o dólar fica mais forte, não apenas frente ao real. "O câmbio também teve um componente relevante, que foi a decisão do Fed. Mercado interno e externo projetaram corretamente o corte de juros, mas erraram na expectativa para a inflação", destaca Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
A Bolsa de Valores de São Paulo desabou 3,15% para 120.772 pontos. "Com os juros mais altos lá fora, isso desvaloriza nosso câmbio, que provoca o Copom a subir ainda mais os juros por aqui, prejudicando a Bolsa", explicou Cruz. (Colaborou Fernanda Strickland)
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