Mesmo com o Banco Central (BC) realizando mais uma intervenção no câmbio, ao colocar à venda mais US$ 4,6 bilhões pela manhã — US$ 1,6 bilhão no mercado à vista, o maior valor desde março de 2020 —, o dólar manteve-se forte e bateu outro recorde. A moeda norte-americana fechou o primeiro pregão da semana cotado a R$ 6,094, com alta de 1,04% no dia. Na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o contrato de dólar futuro subia outros 1,04% e era negociado a R$ 6,111 para a venda.
A piora do quadro fiscal foi um dos principais motivos para a resistência no câmbio. Os agentes financeiros estão preocupados com o fato de que o governo não consegue avançar nas negociações para a votação do pacote de corte de gastos, anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no mês passado.
Depois de visitar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo, Haddad teve reunião com líderes do governo, mas não avançaram na tramitação do pacote das medidas fiscais que prevê um corte de cerca de R$ 70 bilhões de despesas. O impacto dessas medidas ainda é incerto, pois há estimativas de que o governo conseguirá uma economia de pouco mais da metade do montante — entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões.
Haddad saiu do encontro com Lula afirmando que o presidente fez um apelo para que as propostas não fiquem ainda mais desidratadas. Em reunião do ministro com líderes do Congresso, não houve definição de data para a votação do pacote fiscal. Analistas demonstram aumento da preocupação com a perspectiva de que só será votado em 2025.
"Está parecendo que esse pacote não vai sair neste ano. O mercado está colocando mais uma vez isso no preço", lamenta Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Ele lembrou que o dólar abriu a semana mais valorizado por conta das expectativas do mercado em relação à reunião do comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), hoje e amanhã. Contudo, as declarações do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, criticando o Brasil, também ajudaram a fazer com que o dólar não mudasse de patamar.
Novo patamar
A mediana das projeções do mercado para o dólar no fim deste ano coletadas no boletim Focus, do BC, passou de R$ 5,95 para R$ 5,99 — para os anos seguintes, o novo piso da moeda está em R$ 5,70. Em 2025, a previsão para a moeda norte-americana passou de R$ 5,77 para R$ 5,85, mas analistas não descartam que o dólar comercial siga negociado acima de R$ 6 por conta, principalmente, do aumento de incertezas sobre o quadro fiscal.
"Tudo indica que o dólar atingiu um novo patamar e deverá ficar em torno de R$ 6 por um período mais prolongado", projeta Fernando Honorato, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco.
Os economistas do banco estão debruçados sobre as planilhas, refazendo as projeções macroeconômicas desde a semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic para 12,25% ao ano — e informou que haverá mais duas altas da mesma magnitude. Segundo analistas, isso indica que a taxa básica deverá subir para 14,25% ao ano, até março de 2025, o que impactou nas projeções para os próximos anos.
A mediana das projeções do mercado passou de 13,50% para 14%/ano, no fim de 2025. Pelas novas estimativas do Focus, os juros básicos seguirão acima de 10% até dezembro de 2027. Para 2026, as perspectivas para a Selic subiram de 11% para 11,25% anuais.
De acordo com especialistas, os juros futuros seguem em alta e é provável que a Selic possa chegar a 16%, para que a inflação oficial recue para o centro da meta, de 3%, na primeira metade de 2026. Ontem, por exemplo, os contratos com vencimento em janeiro de 2025 passaram de 15,05% para 15,25% ao ano.
No vermelho
Ainda segundo o Focus, as previsões do mercado para o resultado primário das contas públicas seguem no vermelho até 2027, rompendo o piso inferior da meta fiscal, que permite um rombo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Enquanto isso, o Índice Bovespa (Ibovespa) encerrou o pregão de ontem em queda de 0,84%, aos 123.560 pontos. Conforme dados da consultoria Elos Ayta, com esse desempenho de dezembro, a B3 caminha para o pior quarto trimestre do Ibovespa desde 2014.
Até o fechamento de ontem, o índice acumulava queda de 6,26%, superando o declínio de 5,55% registrado no mesmo período de 2021 — rivalizando com a forte retração de 7,59% de 2014.
"Esse desempenho negativo contrasta fortemente com os trimestres finais dos últimos anos, que apresentaram ganhos expressivos, como os 15,12%, de 2023, e os impressionantes 25,81%, de 2020, marcando um dos melhores encerramentos trimestrais da série histórica", destaca Einar Rivero, CEO da Elos Ayta.
Para Luciano Nakabashi, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, o cenário fiscal é o grande problema observado pelos agentes do mercado, alinhado com a trajetória da dívida em relação ao PIB. "A trajetória tem sido insustentável. Mesmo com o crescimento da economia e a arrecadação recorde, o gasto vem aumentando mais e o governo não mostra grande disposição em fazer esse controle de forma como deve ser feito para estabilizar a relação dívida-PIB. E trazer mais confiança por parte dos agentes econômicos", avalia.
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