Festejado por integrantes do governo como o homem de Lula no Banco Central, Gabriel Galípolo, futuro presidente da autarquia, frustrou as pretensões do Planalto ao indicar, ontem, que a taxa básica de juros (Selic) seguirá subindo no ano que vem. Em palestra promovida pela XP Investimentos, Galípolo comentou que o cenário econômico atual exige uma postura mais rígida em relação às taxas de juros.
Segundo ele, é necessário manter "juros mais altos por mais tempo" para lidar com o dinamismo inesperado da economia brasileira e a desvalorização do real perante o dólar, que ontem fechou o dia a R$ 6,06. Para o diretor de Política Monetária do BC, ambos os fatores tornam "lógica" a adoção de uma política monetária mais contracionista. "Parece relativamente lógico imaginar isso e (foi) em cima desse movimento que aconteceu ao longo do ano que o Banco Central foi migrando gradativamente de um ciclo de corte para uma pausa e (para) o ciclo de alta de juros", afirmou Galípolo.
Ele lembrou que a autarquia iniciou os cortes de juros em agosto de 2023, levando a Selic a 10,50% ao fim do período de afrouxamento, por haver uma perspectiva de desaceleração da economia naquele momento, que tem se "frustrado sistematicamente". "O dinamismo econômico que temos observado, aliado à desvalorização da moeda, demanda uma resposta proporcional. Uma política fiscal mais progressiva este ano pode ter colocado mais dinheiro nas mãos de consumidores com maior propensão ao consumo, o que reforça a necessidade de controle", explicou.
Galípolo, que assumirá o cargo em 2025, elogiou a atual equipe da instituição e agradeceu a confiança depositada nele pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. "Estou muito satisfeito com o trabalho que vem sendo realizado pelo Banco Central e com a equipe que temos à disposição. É um privilégio ter a oportunidade de contribuir com um time tão qualificado", afirmou.
A fala de Galipolo contraria a expectativa do governo. Na semana passada, o ministro Rui Costa, da Casa Civil, culpou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela disparada da cotação do dólar, e afirmou que o governo está na expectativa pela sucessão de Campos Neto, com a posse de Gabriel Galípolo — indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência do Banco Central em janeiro. O ministro disse que a autarquia terá uma direção "que vai adotar, de forma autônoma, técnica, com competência, com conhecimento técnico, as medidas que precisam ser adotadas".
Inflação
Uma das principais inquietações entre investidores, especialmente os estrangeiros, é compreender como o BC avalia o cenário de riscos, tanto internos quanto externos. Ainda durante o evento promovido pela XP, Galípolo destacou a preocupação central: a desancoragem das expectativas de inflação.
Ele ressaltou que o BC está atento à elevação das projeções inflacionárias, que tem se intensificado nas últimas semanas. "É um tema que monitoramos com bastante atenção, pelo incômodo gerado durante um ciclo de alta de juros. O papel do Banco Central é reancorar essas expectativas", afirmou Galípolo.
Internamente, o mercado de trabalho tem sido uma peça-chave na análise do Banco Central. Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a taxa de desemprego no trimestre encerrado em outubro caiu para 6,2%, o menor patamar da série histórica, iniciada em 2012.
Um mercado de trabalho aquecido pode provocar pressões inflacionárias. Segundo Galípolo, é fundamental entender como essas variáveis interagem com outros elementos da economia doméstica, como a desvalorização do câmbio e o ritmo da atividade econômica. "O Banco Central busca mapear os impactos de uma economia mais dinâmica, combinados às incertezas vindas do cenário internacional", explicou.
Galípolo também enfatizou que as economias líderes globais têm passado por transformações estruturais significativas desde os anos 2000. Esses movimentos, segundo ele, são fontes de incertezas que precisam ser monitoradas para avaliar possíveis impactos no Brasil.
Entre os fatores externos, o diretor destacou as pressões inflacionárias globais, os movimentos das taxas de juros nos Estados Unidos e na Europa, e as mudanças nas cadeias de produção e comércio internacional.
Com uma inflação que insiste em permanecer acima do centro da meta e um cenário internacional ainda incerto, a missão do BC é equilibrar as variáveis domésticas e globais para manter a economia brasileira estável. Galípolo frisou que a prioridade é reancorar as expectativas e dar previsibilidade ao mercado.