O boicote de produtores de carne ao Grupo Carrefour como protesto contra a postura protecionista da rede de hipermercados tensionou as relações diplomáticas entre Brasil e França. A embaixada brasileira em Paris chamou, ontem, as falas do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, de uma “campanha de desinformação contra produtos brasileiros”.
O assunto também reverberou no Congresso Nacional. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), falou até em acelerar, no Congresso, a discussão sobre o projeto de lei da reciprocidade econômica entre os países.
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“O Brasil respeita, democraticamente, a oposição de qualquer setor ao acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia. Tal posição, no entanto, não pode justificar uma campanha pública baseada na disseminação generalizada de desinformação contra produtos brasileiros”, diz um trecho da nota publicada pela diplomacia brasileira em Paris. A embaixada também ressaltou que o país é um fornecedor seguro de proteína animal ao mercado europeu “há décadas” e que tem plenas condições de atender às exigências e controles sanitários de mais de 160 países, incluindo os da União Europeia. Negou, ainda, que um eventual acordo entre Mercosul e União Europeia tenha a capacidade de “transbordar” o mercado europeu com carnes da América do Sul. Segundo o Itamaraty, a União Europeia consome 6,5 milhões de toneladas de carne bovina por ano — dos quais apenas 5% é importada. A cota de carne proveniente do Mercosul corresponde a apenas 1,5% do consumo europeu.
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No Brasil, o ministro Carlos Fávaro (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) se disse “feliz” pela atitude de produtores brasileiros de boicotar o Carrefour local. “Se para o povo francês, o Carrefour não serve para comprar carne brasileira, o Carrefour brasileiro também não compre carne brasileira para colocar nas suas gôndolas aqui no Brasil”, disse Fávaro, em entrevista à GloboNews. O ministro também disse ser “inadmissível” falar sobre a qualidade sanitária das carnes brasileiras. “O Brasil tem uma das maiores sanidades de produtos alimentícios do mundo, não dá nem para comparar com a qualidade francesa, de tão melhor que é a brasileira”, pontuou Fávaro. Os produtores de frango, segundo ele, aderiram ao boicote.
De acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a exportação da carne brasileira para a França corresponde a menos de 1% do total. No entanto, o temor é de que a campanha do Carrefour ganhe adesão de outros países, especialmente por causa das declarações relacionadas à questão sanitária.
Retratação
Já Lira cobrou uma retratação pública de Alexandre Bompard. “Não é possível que o CEO de um grupo importante como o Carrefour não se retrate de uma declaração de praticamente não contratar as proteínas animais advindas e oriundas da América do Sul. O Brasil, como o Congresso Nacional, como os empresários e a população, tem que dar uma resposta clara”, disse Lira, durante discurso na abertura do evento CNC Global Voices, promovido pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em São Paulo.
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O presidente da Câmara também afirmou que vai pautar, ainda esta semana, o Projeto de Lei nº 1.406/2024, que proíbe o governo brasileiro de propor ou assinar acordo internacional com exigências que restrinjam as exportações de produtos brasileiros.
Reações
No fim de semana, um conjunto de entidades representativas do agronegócio publicou uma carta aberta. O documento é assinado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e por outras 42 associações. As entidades disseram manifestar “profundo repúdio” pelas declarações do CEO do Carrefour e afirmaram que trata-se de uma abordagem “protecionista” e incoerente com os princípios do livre mercado, da sustentabilidade e da cooperação internacional.
“A exclusão injustificada de produtos do Mercosul do mercado francês não apenas subestima a relevância de nossas exportações, mas também limita o acesso dos consumidores europeus a produtos de alta qualidade, mais seguros e sustentáveis. Além disso, tal atitude pode gerar inflação e aumentar as emissões de carbono devido ao transporte de mercadorias locais menos eficientes”, diz a nota.
Também em nota, o Carrefour Brasil disse que o boicote dos fornecedores impacta os clientes da rede e que está dialogando com o setor pecuarista para retomar o abastecimento das lojas “o mais rápido possível”.
“Nós, do Grupo Carrefour Brasil, lamentamos profundamente a atual situação e reafirmamos nossa estima e confiança no setor agropecuário brasileiro, com o qual sempre mantivemos uma relação sólida e de parceria. Entendemos a importância deste setor para a economia e para a sociedade como um todo, e continuamos comprometidos com o fortalecimento dessa relação”, diz a nota.
Segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil já exportou 181,9 mil toneladas de carnes em 2024 e teve receita de R$ 507,3 milhões.
Desde a publicação da carta endereçada a Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos Agrícolas (Fnsa) da França em seu perfil no X (antigo Twitter), Alexandre Bompard não publicou nenhuma declaração. A postagem foi feita em 20 de novembro. Desde a semana passada, a Fnsa tem participado de protestos de agricultores por toda a França para se posicionar contra o acordo.
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