Reconhecida internacionalmente pelas cervejas e chocolates de qualidade, a Bélgica também tem como destaque nas exportações para o Brasil medicamentos, equipamentos e fertilizantes. Nesta semana, o país europeu realiza a primeira missão econômica ao Brasil desde 2010. Liderado pela princesa Astrid da Bélgica, o grupo de mais de 400 empresários e autoridades belgas pretende realizar reuniões nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro e assinar acordos em diversas áreas, como indústria aeronáutica e espacial, saúde, infraestrutura, agroindústria, energias renováveis e bioeconomia. "O Brasil faz parte da solução da transição energética. E essa é a minha mensagem que vou compartilhar com a grande missão", afirma o embaixador da Bélgica no Brasil, Peter Claes, em entrevista ao Correio.
O senhor esteve na reunião do ministro Mauro Vieira com a ministra Hadja Lahbib. Pode comentar como foi o encontro?
Foi muito construtivo. Conversamos sobre o futuro do acordo União Europeia-Mercosul, sobre o resultado da cúpula do G20, sobre a guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, mas não falamos de Venezuela nem da integração regional. Conversamos sobre problemas globais, como a governança, a reforma das instituições internacionais, sejam políticas, sejam financeiras. Não houve uma discussão, porque não temos divergências de pontos de vista. Temos uma convergência bem importante e também a importância do papel da parceria europeia com o Brasil e a América Latina em geral. No fator China, por exemplo, temos uma convergência de opiniões. A China é um parceiro de todos e não precisamos ver isso em termos do conflito da confrontação. Há uma concorrência, mas no sentido positivo. Nós somos amigos da China.
E quais são as perspectivas de vocês para esse acordo bilateral União Europeia-Mercosul? Existe uma janela de oportunidade aberta para avançar no acordo, com a volta do protecionista Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos?
Primeiramente, a Bélgica ainda não tem posição sobre o acordo UE-Mercosul. A Bélgica sempre foi muito crítica, mais do lado da França, da Irlanda, da Áustria e, agora, também a Holanda, por causa de um medo do influxo de produtos agrícolas na Bélgica. O que é importante no acordo é o que se chama não conheço a terminologia em português, o level play field, ou seja, precisamos fazer a concorrência sobre uma base da igualdade. O setor agrícola do Brasil não se pode comparar com o mundo agrícola da Bélgica na Europa. Em geral, é preciso estabelecer mecanismos para equalizar. Precisamos também olhar o outro lado, a indústria brasileira tem muito medo no influxo de produtos europeus, que podem ser melhores e mais baratos. Isso não é bom, porque o Brasil está fazendo um grande esforço para se reindustrializar, e essa reindustrialização também se faz pelos investimentos. O Brasil precisa de investimentos. São as nossas empresas, principalmente as europeias, que estão investindo aqui e, por isso, o nosso interesse que o level play field seja plenamente respeitado no acordo.
Então não há uma posição oficial ainda da Bélgica?
A Bélgica ainda não tem uma posição oficial, porque, pouco depois das eleições legislativas, em junho, ainda não temos um novo governo e o governo atual não pode tomar essas decisões. Mas estamos plenamente de acordo com a Comissão Europeia e precisamos esperar o resultado das negociações técnicas que ocorrem, nesta semana, em Brasília. Esperamos, primeiro, o resultado, e, depois, vamos fazer uma avaliação política.
Qual a expectativa sobre essa reunião técnica?
Eu não conheço os detalhes, porque é a Comissão Europeia que tem o monopólio da negociação. Mas precisamos olhar o contexto global. Tem uma implicação geopolítica (o acordo). Ele é bem importante e o que é mais importante é o impacto no futuro das nossas sociedades. A Bélgica, por exemplo, é um país que depende do começo exterior: 80% do nosso PIB (Produto Interno Bruto) é de exportações, então, nós precisamos do mundo aberto.
Quais os destaques das exportações belgas para o Brasil, além de chocolate?
De tudo, mas, sobretudo produtos químicos, produtos farmacêuticos, equipamentos, máquinas. Nós somos muito fortes em serviços. A logística de construção é muito importante e a nossa produção agroindustrial também. Precisamos pensar em termos de complementaridade e não em concorrência no âmbito do acordo UE-Mercosul. É verdade que o Brasil pode produzir coisas de maneira muito mais eficiente e muito mais barata do que nós. Mas a nossa força é mais a fabricação dos produtos de alta qualidade.
A Bélgica importa cacau brasileiro de que região?
Da Bahia, que ainda é o centro da produção do cacau. Mas isso está mudando muito rapidamente, porque têm outros estados que estão crescendo (nas exportações de cacau), como o Pará. Agora, o Brasil precisa e merece também ter a sua própria indústria de chocolate de qualidade, como a Bélgica e a Suíça. E, para isso, a produção familiar é bem importante, mas são, sobretudo, os investimentos da nossa parte.
E como está a relação bilateral de investimentos?
A Bélgica, historicamente, é um dos maiores investidores no Brasil. Tem dados também do Banco Central que mostram que, em 2023, a Bélgica foi o 6º maior investidor no Brasil. São investimentos que datam do início do século passado, mas alguns estão sendo ampliados. O primeiro evento dessa missão econômica será na cidade de Paulínia, em São Paulo, onde a Solvay tem grandes investimentos e vai inaugurar dois projetos de sustentabilidade e de transição energética, de dezenas de milhões de euros. Outro exemplo, dois anos atrás, uma empresa belga comprou um produtor de bioinsumos também no estado de São Paulo. Foi um investimento de 550 milhões de euros (mais de R$ 3 bilhões), e essa empresa está, agora, expandindo também no estado do Paraná. A nova usina de bioinsumos, perto de Curitiba.
Quais são os objetivos dessa missão econômica?
O Brasil tem um potencial enorme em várias áreas, como a de pesquisa que está acontecendo no Brasil, seja nas universidades, seja nos centros de pesquisa como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que é uma referência mundial, e outras instituições, muitas vezes também em parceria com outros países ou organismos. O Brasil faz parte da solução da transição energética. E essa é a minha mensagem que vou compartilhar com a grande missão. O Brasil também está enfrentando problemas das mudanças climáticas. Ele não é imune, é também vulnerável e o país está muito consciente não só da responsabilidade, mas também da necessidade de tomar ações.
Quais os principais temas das reuniões da missão econômica nesta semana?
A missão econômica é muito importante, porque muitos falam também da mistificação do acordo UE-Mercosul. Existem muitos mitos e medo, e o medo é sempre um mau conselheiro. Precisamos acreditar nos fatos, na ciência, na tecnologia. Existem problemas e grandes dificuldades e até escândalos, como fatos trágicos no Brasil, por exemplo, os problemas ambientais da Amazônia e do Cerrado. O agronegócio também sofre dessa percepção negativa. E o meu papel como embaixador é tentar compreender o Brasil, pois o país tem várias realidades.
Como o senhor vê a posição da Argentina em relação ao acordo? Ela vinha se colocando contra também…
Agora, o governo de Javier Milei acredita no livre-comércio. E para a Argentina é essencial esse acordo. E, do lado europeu, o medo maior é pela carne argentina. A princesa Astrid, que vai chefiar a missão como representante do rei Filipe da Bélgica, já fez uma pequena declaração a favor do acordo UE-Mercosul e destacou a importância do acordo. Sobre o conteúdo exato, ela não se pronuncia. Não é o papel dela, mas o acordo, em si, é essencial para o futuro, porque vai criar o maior mercado interno no mundo.
Pode comentar um pouco sobre as relações comerciais entre Brasil e Bélgica? Houve uma queda de 41,5% nas importações neste ano...
Também houve queda (das importações brasileiras) no início de 2023, em relação a 2022, porque naquele ano houve importação massiva de vacinas da Bélgica pelo Brasil. No ano passado, houve uma estabilização, e, neste ano, houve uma queda, mas acho que vamos quase chegar ao nível de 2023, ou um pouquinho acima. Mas o importante é que não somos grandes importadores de matéria-prima do Brasil. A exportação brasileira para a Bélgica é muito diversificada, e isso é boa notícia. Nós importamos também produtos industriais, como máquinas, do Brasil.
No caso dos acordos que serão assinados durante a missão, o senhor poderia dar mais detalhes?
São mais acordos comerciais entre empresas. A boa notícia é que, por cada acordo assinado aqui, vão seguir dois ou três no futuro. Sempre é um início muito positivo, mas não vão ter acordos políticos ou jurídicos porque a Bélgica e o Brasil já têm quase 100% de todos os acordos possíveis de cooperação em qualquer área, entre atores econômicos e acadêmicos também. Os acordos serão assinados no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, e no Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, com a presença dos governadores.
Qual a sua expectativa para os próximos anos dessa relação lateral? Pode estreitar mais laços como o senhor está vendo?
Sim, mas os nossos laços já são muito estreitos. Estamos planificando uma visita do Estado da Bélgica aqui no Brasil para 2026. A última visita do Estado ocorreu em 1964. Mas nunca houve uma visita de Estado brasileiro à Bélgica. Essa visita será mais simbólica para destacar os laços profundos entre os dois países. E estamos pensando em várias missões setoriais.
E o que falta para a visita de Estado?
O presidente Lula convidou pessoalmente o nosso rei e o nosso rei disse, por favor, eu preciso de uma carta-convite do senhor. E o presidente Lula disse ao chanceler Mauro Vieira: você escreve essa carta, sim. Mas ela ainda não chegou. Existem formalidades para uma visita de Estado. Além da missão econômica, estamos preparando outras missões mais setoriais, que também vão visitar outras capitais do Brasil.
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