A visita de Xi Jinping a Brasília, na semana passada, marcou uma nova aproximação entre Brasil e China. Os 37 acordos de cooperação assinados no Palácio da Alvorada prometem alavancar o desenvolvimento brasileiro com um grande volume de investimentos em áreas como a industrialização, agronegócio e infraestrutura. Com a elevação do status diplomático, pode avançar também no ranking dos maiores investidores — de olho especialmente nos grandes projetos de infraestrutura.
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A China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, com um fluxo de US$ 157 bilhões no ano passado, sendo US$ 51,1 bilhões de superavit para o lado brasileiro. A maior parte das exportações brasileiras é do agronegócio, e as importações são, majoritariamente, componentes eletrônicos e produtos industrializados.
O destaque da visita de Xi certamente foi o anúncio de uma "sinergia" entre os projetos brasileiros de desenvolvimento e a Iniciativa Cinturão e Rota, a "nova rota da seda", que reúne investimentos da ordem de US$ 1 trilhão em 120 países diferentes. O Brasil se negou a aderir formalmente à iniciativa, mas chegou a um acerto diplomático em que mantém sua autonomia para decidir caso a caso quais projetos receberão investimentos e dribla possível mal-estar com os Estados Unidos.
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Autoridades do Brasil e da China vão discutir, em conjunto, quais obras dentro do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Nova Indústria Brasil (NIB), do Plano de Transformação Ecológica e do Programa Rotas de Integração Sul-Americana receberão aportes, e os primeiros resultados devem ser definidos em dois meses. Nesse último programa, os asiáticos vão cooperar com a iniciativa brasileira de interligar os países da América do Sul, incluindo acesso ao megaporto de Chancay, no Peru, recém-inaugurado pelo governo de Xi Jinping. Quando as obras forem concluídas, as exportações brasileiras para a China terão que percorrer um caminho muito menor.
Ainda na área de investimentos, outro marco foi alcançado: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o China Development Bank (CDB) fecharam o primeiro empréstimo na moeda chinesa, o renminbi, e não em dólar. O CDB aportou RMB 5 bilhões, cerca de R$ 4 bilhões, com prazo de pagamento de até três anos. O valor foi agregado à carteira de investimentos do BNDES. Diminuir a dependência do dólar para transações financeiras é um dos objetivos tanto do Brasil quanto da China, assim como dos demais integrantes do Brics.
O agronegócio, principal setor econômico na relação entre os dois países, também foi beneficiado pelos acordos. Eles incluem a abertura do mercado chinês — com 1,4 bilhão de consumidores — para quatro novos produtos: uvas; gergelim; farinha e óleo de peixe, além de outras proteínas e gorduras de pescado para alimentação animal; e sorgo. Os documentos definem os requisitos fitossanitários para a venda dos produtos, ou seja, protocolos e normas de segurança que devem ser seguidos. Outros dois pactos incluem a cooperação para regulamentação e tecnologia de pesticidas, e cooperação técnica, científica e comercial no setor agrícola.
Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), os novos mercados, com a liberação da venda de noz-pecã para a China, podem render até US$ 500 milhões a mais por ano. Atualmente, o país asiático é o principal destino do agro brasileiro e, em 2023, importou US$ 60,24 bilhões em produtos, especialmente soja, milho, açúcar, carnes bovina, suína e de frango, celulose e algodão. O Mapa também destacou o acordo feito com a cafeteria chinesa Luckin Coffee um dia antes da visita do presidente Xi, que envolve a compra de 240 mil toneladas de café brasileiro entre 2025 e 2029, com valor estimado em US$ 2,5 bilhões.
Em tecnologia, os acordos de cooperação incluem áreas, como a indústria fotovoltaica, tecnologia nuclear para fins pacíficos — como a produção de medicamentos — aceleradores de partículas, inteligência artificial, mecanização e IA para agricultura familiar, economia digital e internet por satélites. Esse último inclui um acordo com a SpaceSail, concorrente chinesa da americana Starlink, do bilionário Elon Musk, que atualmente fornece internet para órgãos públicos em locais remotos. Outras áreas envolvidas nos acordos foram esporte, turismo, cultura, saúde, mineração e mídia estatal.
Bom timing
O pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV Leonardo Paz aponta que o Brasil sempre teve dificuldade para investir em projetos estruturantes, como parques industriais e infraestrutura, com recursos próprios, e acaba dependendo de aportes externos. Ele cita como limitações os altos juros, a baixa poupança e as "loucuras" da administração pública, como o orçamento secreto — que acabou com a transparência de uma fatia bilionária do erário. Dessa forma, a aproximação com a China pode ajudar a superar esses obstáculos para o desenvolvimento.
"Basicamente, a China hoje é o único país que tem um piscina de dólares para poder investir em vários lugares do mundo. O Brasil é relativamente estável, não tem guerra civil, tem alguma estabilidade política e institucionalidade. É um bom destino para esse investimento", comentou o especialista.
Paz avalia ainda como "muito positiva" a diversificação dos acordos assinados na quarta-feira, que inclui cooperação em áreas de ponta, como inteligência artificial e aceleradores de partículas, e na indústria e infraestrutura. "O Brasil tem necessidade extrema de investir em indústria. Se você fala que vai fazer Plano Safra, de R$ 500 bilhões, todo mundo acha razoável. Se fala que vai dar R$ 100 bilhões para a indústria, vira uma gritaria", lamentou.
Já o especialista em direito internacional empresarial Marcelo Godke aponta que os acordos são benéficos não apenas para o Brasil, mas também para a China, que enfrenta um esfriamento de sua economia e prevê perda de seu poder de venda nos Estados Unidos no governo de Donald Trump, a partir do ano que vem. O republicano promete taxar fortemente produtos importados.
"Então, esses acordos vêm em boa hora. A economia chinesa deu uma esfriada, o índice de crescimento despencou. A possibilidade de se investir em infraestrutura no Brasil reflete um pouco essa necessidade de colocar dinheiro onde vai ter mais retorno", afirmou. Sobre a cooperação em alta tecnologia, Godke avalia que, em um primeiro momento, a China será a maior beneficiada com a venda de seus produtos para o Brasil. No longo prazo, porém, o Brasil também tende a se beneficiar com o aumento de produtividade e mesmo com o desenvolvimento de tecnologias próprias.