CONTAS PÚBLICAS

Haddad garante finalizar pacote de corte de gastos até o dia 14

Conjunto de medidas fiscais é aguardado pelo mercado, causa racha no PT e enfrenta resistência dentro do governo

O esperado pacote fiscal entrou na terceira semana de discussões e continua sem uma data para ser anunciado. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garantiu, na noite de ontem, que o tamanho do corte está definido e delibere antes do feriado de sexta-feira (15). Segundo ele, houve reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no fim de semana, e haverá mais reuniões hoje e amanhã para ajustes e encaminhamentos.

"É natural que haja o debate. Nós estamos vivendo numa democracia, felizmente, é natural que haja um debate. Nós estamos muito seguros do que estamos fazendo. É para o bem dos trabalhadores", disse.

De acordo com o chefe da equipe econômica, as discussões com os ministros ocorreram também no fim de semana no Palácio do Alvorada. Hoje, ele deverá ter uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e, à tarde, voltará a se reunir com Lula para dar o encaminhamento final do pacote. Haddad afirmou que pretende concluir a decisão final até amanhã, e sinalizou o anúncio do pacote até quinta-feira (14).

Hoje, o chefe do Executivo tem nova reunião com os ministros mais resistentes ao pacote: Luiz Marinho (Trabalho), Carlos Lupi (Previdência), Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Nísia Trindade (Saúde), provavelmente para comunicar os cortes em cada pasta. No fim do dia, Lula ainda se reúne com os ministros Rui Costa (Casa Civil), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

A expectativa é de que a definição sobre o tamanho do corte de gastos seja apresentada antes quinta-feira, dia da viagem de Lula ao Rio Janeiro, onde ele presidirá a cúpula do G20 — grupo das 19 maiores economias do planeta, mais a União Europeia e a União Africana. O evento ocorrerá entre os feriados dos dias 15 e 20 deste mês.

Haddad afirmou ainda que "houve ajustes e aperfeiçoamentos" no pacote que tornaram as medidas "mais compreensíveis e mais palatáveis". As medidas, que seriam divulgadas, a princípio, até a última sexta-feira (9), ainda enfrentam resistência de ministros de pastas ligadas à área social, além de críticas do PT, partido do presidente. Antes de o governo anunciar o pacote, ainda é necessário apresentar as medidas ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), conforme indicou a equipe econômica, já que o texto do ajuste será encaminhado ao Congresso em formato de Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

O adiamento do anúncio do pacote e incertezas quanto ao apoio de Lula às medidas têm gerado estresse sobre os ativos financeiros brasileiros. Em linha com o exterior, o dólar voltou a subir, encerrando o pregão de ontem em alta de 0,58%, cotado a R$ 5,769 para a venda. A moeda norte-americana chegou a oscilar acima dos R$ 5,80 pela manhã, mas desacelerou no restante do dia, com o foco dos investidores no desequilíbrio das contas públicas.

A redução do Orçamento para despesas obrigatórias e as especulações por parte do mercado se tornaram alvo de críticas pelo PT, em manifesto assinado com outras 43 organizações e movimentos sociais. O documento, que divide opiniões entre parlamentares da legenda, reprova a "pressão exercida pelo capital financeiro e seus porta-vozes na mídia" na cobrança sobre as medidas de ajuste fiscal.

Também assinam o documento o PDT, PSol e PCdoB, legendas que fazem parte da base histórica de Lula. "Querem cortar na carne da maioria do povo, avançando seu facão sobre conquistas históricas como o reajuste real do salário-mínimo e sua vinculação às aposentadorias e ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), o salário-desemprego, os direitos do trabalhador sobre o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), os pisos constitucionais da Saúde e da Educação", diz o texto, que se opõe à redução de recursos orçamentários para programas sociais.

Racha entre aliados

O deputado estadual paulista Emídio de Souza (PT), amigo pessoal de Lula, criticou a postura do partido. "O PT não pode ser oposição do governo", escreveu nas redes sociais. Em troca de mensagens com outros parlamentares da legenda, ele afirmou que a decisão de aderir ao manifesto foi tomada sem consulta interna aos filiados. Emídio disse ainda que a legenda "não pode fazer de conta que não é governo e nem desconhecer os claros limites do orçamento público". "Não é razoável que nossos dirigentes propaguem que as medidas que ora são debatidas no governo, são desnecessárias ou que seriam apenas caprichos do mercado", defendeu.

Ao Correio, o deputado federal Alencar Santana (PT-SP) admitiu estar preocupado com o efeito que eventuais cortes na população em situação de vulnerabilidade. "Nós gostaríamos que não houvesse cortes (...) Não dá para dizer que o problema do país são os programas sociais", disse. "O governo do presidente Lula sempre mostrou um comprometimento com a área fiscal. Mas nós temos vários subsídios na agricultura, no setor econômico, e há gente que não paga tributo como o trabalhador paga", emendou o congressista. Ele afirmou que uma solução mais "justa" para as contas públicas seria avançar na taxação de grandes rendas.

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), retratou-se após a polêmica e afirmou que o endosso ao manifesto foi para sinalizar resistência às pressões do mercado e de setores da mídia. De acordo com sua equipe, a adesão do partido ao documento "não deve ser lida como crítica ao presidente da República". A parlamentar, no entanto, que já havia se manifestado contra o corte em entrevistas, disse que Lula "age muito bem, com cautela e muita responsabilidade, resistindo às pressões descabidas dos mercados e de seus porta-vozes na mídia".

O presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, afirmou que confia nas decisões da equipe econômica e que espera que o PT apoie as medidas e que o partido precisa apoiar o governo "em qualquer situação". "O partido do governo tem de sustentar o governo em qualquer cenário", disse ele, durante apresentação do balanço financeiro da instituição. A instituição reportou um lucro de R$ 19 bilhões de janeiro a setembro — 31,4% acima do registrado no mesmo período de 2023. (Colaborou Israel Medeiros)

 

 

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