Ajuste fiscal

Após pacote de cortes, dólar dispara e atinge R$ 6

Reação de investidores financeiros ao anúncio de contenção de gastos levou a moeda norte-americana a encerrar o dia em R$ 5,989, após atingir o pico de R$ 6,00. A Bolsa de Valores de São Paulo caiu 2,4%, fechando o dia aos 124,6 mil pontos

 No Palácio do Planalto, as alas política e econômica do governo anunciaram, juntas, as medidas fiscais para conter os gastos -  (crédito:  Ed Alves/CB/D.A Press)
No Palácio do Planalto, as alas política e econômica do governo anunciaram, juntas, as medidas fiscais para conter os gastos - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

O mercado financeiro não se convenceu com o discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no primeiro dia após o anúncio do pacote de corte de gastos de R$ 70 bilhões em dois anos. O dólar disparou e encostou em R$ 6, e a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) voltou a operar no vermelho, registrando perdas de R$ 172,9 bilhões em dois dias.

Mesmo após o detalhamento das medidas, o montante foi considerado tímido para conseguir reequilibrar as contas públicas e estabilizar a trajetória de crescimento da dívida pública. Ao antecipar o anúncio das mudanças no Imposto de Renda, junto com a divulgação das medidas de contenção de gastos, os ruídos aumentaram.

Ontem, o dólar comercial bateu novo recorde desde o início do Plano Real, e fechou o dia cotado a R$ 5,989 para venda, com alta de 1,28% sobre a véspera. É bom lembrar que o real desvalorizado implica em alta de preços e um trabalho maior para o Banco Central para colocar a inflação dentro da meta. Daqui a duas semanas, o Comitê de Política Monetária (Copom) reúne-se novamente e as apostas são de nova aceleração na taxa básica da economia (Selic), atualmente, em 11,25% ao ano. Agora, a alta esperada começa a ser de 0,75 ponto percentual, para 12% — acima das previsões anteriores, de 11,75% anuais.

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) também operou no vermelho, refletindo o mau humor do mercado. Recuou 2,4%, registrando a maior queda desde 2 de janeiro deste ano, para 124.610 pontos, em um dia de feriado nos Estados Unidos. Segundo levantamento da Elos Ayta, apenas oito das 86 empresas da carteira do IBovespa registraram rentabilidade positiva, ontem, "destacando o impacto generalizado do movimento de baixa no mercado".

Surpresa ruim

A surpresa ruim no pacote, segundo os analistas, foi o anúncio da mudança da faixa de isenção do Imposto de Renda, dos atuais R$ 2.840 para R$ 5 mil, a partir de 2026. Para eles, o anúncio antecipado dessa renúncia fiscal foi visto como uma derrota de Haddad para a ala política do governo. Para eles, a credibilidade de Haddad também foi abalada e ele vai ter mais dificuldade para conseguir conter o ímpeto gastador dos governos petistas.

"Não tem alternativa para a equipe econômica. A ala política com o Lula neste mandato está vencendo todas. Nem o câmbio a R$ 6 incomoda, porque, no fundo, há a visão equivocada de que isso vai ser bom pra exportação, aquelas histórias velhas do PT", lamentou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. "O governo Lula deveria ter uma vantagem clara em relação ao governo Jair Bolsonaro, uma articulação política melhor, beneficiada pela experiência de dois mandatos. Mas o pacote de corte de gastos demonstra que isso não ocorre", destacou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.

Daniel Cunha, estrategista-chefe da corretora BGC Liquidez, lamentou a forma como o pacote foi divulgado pelo governo. "Infelizmente, a apresentação do pacote acabou ficando desorganizada, atropelada pela decisão de última hora de incluir a isenção do imposto de renda, que acabou roubando o holofote que deveria estar focado apenas e somente apenas nas iniciativas de contenção de gastos", afirmou. "O governo acabou deixando a desejar. Quanto ao conteúdo, considerando toda complexidade e dificuldade política de se ajustar gastos no Brasil, achei bom. Mas, de fato, o valor ficou aquém das expectativas depois de tanto postergar a apresentação", afirmou.

Analistas reconhecem que o pacote vai na direção correta, pois busca adequar o crescimento de despesas obrigatórias, como o salário mínimo, ao teto do arcabouço fiscal — com limite de até 2,5% acima da inflação —, além de impor uma idade mínima para a aposentadoria de militares, limitar os supersalários do funcionalismo ao teto.

Porém, o pacote ainda tem impacto fiscal duvidoso. Conforme estimativas de especialistas em contas públicas, é possível que ele seja menor do que o anunciado pelo governo, girando em torno de 50% a 60%.

Pelos cálculos de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, as medidas anunciadas por Haddad devem ter um impacto 62,7% menor entre 2025 e 2026 do que o estimado pela equipe econômica, de R$ 45,1 bilhões. Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, estima um impacto levemente maior, de R$ 53 bilhões, ainda abaixo do previsto pelo governo e insuficiente para o cumprimento da meta fiscal prevista no novo arcabouço. "A escolha da mudança da regra do salário mínimo traz ganhos inferiores aos ideais no longo prazo, de R$ 80 bilhões, em vez de R$ 300 bilhões, se a regra fosse a 70% do PIB, assumindo um PIB médio de 2% à frente", explicou.

Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA, concorda que a alteração do IR foi uma surpresa ruim. "O lado da despesa do pacote não traz conforto adicional para a sustentabilidade da dívida, e, do lado da receita, traz riscos de perda de arrecadação e direciona recursos de uma base tributária nova para um benefício tributário de mérito muito questionável, mas inquestionavelmente inflacionário", alertou.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, engrossou o coro ao reconhecer que, apesar de o pacote endereçar algumas questões sensíveis e na direção correta, o valor veio um pouco abaixo do que se imaginava para dar alguma sustentabilidade ao arcabouço fiscal até 2026. "Obviamente, vamos ter que nos deparar com uma reforma mais profunda das despesas obrigatórias para a frente", alertou. Ribeiro também considerou a divulgação atabalhoada e lembrou que ainda há muitas dúvidas sobre a compensação da isenção maior do IR. "A ala política acabou interferindo e gerando essa agenda conjuntamente, e acho que a interpretação é que a equipe técnica não conseguiu segurar e ter a prioridade no pacote de corte de gastos. A questão política acabou preponderando nesse anúncio, e, por isso, o receio do mercado em relação ao pacote e ao efeito da isenção do IR nas contas públicas", explicou. Para a economista, o risco tende a ficar ainda maior daqui para frente, porque 2026 é um ano de eleição, e por conta disso, a ala política continuará sendo prioridade. "Esse é o grande medo do mercado e ele já começa a incorporar no preço também", explicou.

 


postado em 29/11/2024 03:57
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