Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), cobrou uma retratação proporcional da Danone após as declarações do diretor financeiro da empresa, Juergen Esser, à agência Reuters, na semana passada, afirmando que a gigante francesa de laticínios deixou de importar grãos do Brasil por questões ambientais. Segundo Borges, o setor espera que a empresa francesa corrija o que ele chamou de "erro fatal". "Essa declaração do diretor financeiro global da Danone foi, de certa forma, bastante irresponsável. Trata-se de um erro que precisa ser retratado em nível mundial", afirmou Borges, ontem, em entrevista ao CB Agro — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. Borges conversou com os jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Sibele Negromonte.
Após a repercussão negativa das declarações de Esser, a Danone Brasil negou, em nota, que a empresa tenha deixado de comprar soja nacional. A subsidiária no país informou que "continua comprando soja brasileira em conformidade com as regulações locais e internacionais".
Borges defendeu que a Danone precisa reparar essa comunicação ambígua. O presidente da Abraleite questionou a falta de dados que sustentem as afirmações do diretor, ressaltando que a generalização causa um impacto negativo significativo. Além disso, ressaltou que essa postura prejudica a imagem da cadeia de laticínios e grãos do Brasil.
Diferentemente de outros setores do agro, Borges não apoia um boicote à marca de latícinios, porque prejudicaria uma grande quantidade de pessoas envolvidas na cadeia produtiva nacional. Ele lembra que a França é um país mais problemático na União Europeia, porque "sempre colocou a pecha no Brasil de ser um país com problemas ambientais". Confira os principais pontos da entrevista:
Como avalia a declaração da Danone, uma empresa com 50 anos de atividade no Brasil, sobre a soja nacional?
Essa declaração do diretor financeiro global da Danone foi bastante irresponsável. Trata-se de um erro que precisa ser retratado em nível mundial. Na segunda-feira passada, logo após a repercussão mundial da matéria (veiculada pela Reuters), a diretoria local da Danone respondeu à Abraleite, após ser questionada por nós. Afinal, trata-se de uma empresa que atua no Brasil há 50 anos e é um dos maiores fabricantes de laticínios do mundo.
Por que a acusação é grave?
A Danone está envolvida com o agronegócio como um todo, e, aqui, representa uma cadeia produtiva do leite da qual milhares de produtores dependem. Ela sempre incentivou as boas práticas em relação aos animais e ao meio ambiente. Nós evoluímos muito, e o Brasil, hoje, tem uma grande responsabilidade na produção de alimentos. Posso afirmar que toda a cadeia produtiva do leite, assim como as demais cadeias agropecuárias, assume essa responsabilidade. Por isso, quando essa declaração foi feita sem uma retratação em nível mundial, gerou um grande incômodo para o setor.
O que deveria ser feito, na sua opinião?
Não concordamos, de forma alguma, com a informação incorreta trazida por esse diretor global. Acreditamos que a Danone precisa fazer uma retratação mundial, alcançando o mesmo público que acessou aquela entrevista equivocada. Queremos que a reparação seja proporcional ao dano causado. É o mínimo esperado. Precisamos de atenção redobrada com uma empresa que atua no Brasil há 50 anos, uma presença de cinco décadas em nosso país, usufruindo dos recursos daqui. Sendo uma marca reconhecida e respeitada mundialmente, a Danone precisa assumir essa responsabilidade e trazer a verdade.
O agro está sendo acusado injustamente?
Aqui, no Brasil, o compromisso é grande, e precisamos separar o joio do trigo. Quem desmata ou pratica atividades ilegais na Amazônia deve ser tratado pelas forças policiais e governamentais, tanto federais quanto estaduais. A falta de combate a essas atividades, como o desmatamento ilegal e o garimpo, não deve recair sobre os produtores rurais, sejam de soja, sejam de milho, sejam de leite ou qualquer outra cadeia produtiva agropecuária nacional. Essa imagem negativa que chega ao exterior não pode pesar sobre os ombros dos produtores.
Fala-se em um boicote à Danone. A Abraleite vai aderir a esse movimento?
O melhor é que a empresa consiga consertar o erro de comunicação dela, o erro fatal desse diretor global que, na nossa opinião, não colocou informações corretamente. Ele simplesmente soltou o que quis dizer, mas sem embasamento nenhum que prove. Por que ele não mostra dados? Por que ele não esclarece quando coloca de forma generalizada? Isso é muito ruim. Não podemos aceitar esse tipo de coisa. Então, a Danone precisa esclarecer se houve um erro, redimir-se e consertar esse equívoco fazendo matérias, notas e entrevistas em nível global, como foi feito por aquele diretor, e não uma coisa apenas local, uma carta ou uma nota oficial. Esse paliativo não resolve o estrago causado.
O boicote resolve?
O boicote mostra a chateação que todo o setor enfrenta. Mas a ideia não partiu da Abraleite. Quando se tem uma empresa que está aqui há 50 anos e que tem milhares de famílias fornecendo leite, essas famílias dependem daquela cadeia produtiva. Não é de um dia para o outro que um produtor que está há muitos anos fornecendo leite para uma empresa dessas vai se organizar.
A Danone Brasil divulgou um comunicado, no qual afirma que continua a comprar a soja produzida aqui. O que está havendo, afinal?
Há poucos dias a presidente da Danone no Brasil (Silvia Dávila) fez uma nota diferente e antagônica à entrevista do diretor global. Ela desmente isso e diz que eles continuam comprando soja no Brasil, da mesma forma que responderam na nota oficial da Abraleite, que foi na segunda-feira (28). É preciso a empresa ter uma voz única. Não dá para a empresa ficar no Brasil dizendo uma coisa e lá fora outra. Nos parece que o problema não é ambiental; fica parecendo que é um problema comercial, um problema, às vezes, de perseguição, inclusive de uma empresa que é de um país que sempre foi o mais problemático para nós. A França sempre colocou a pecha no Brasil de ser um país com problemas ambientais.
E a Europa tem séculos de problemas ambientais...
Vamos deixar claro: a preservação no Brasil, a nossa natureza, é espetacular, enquanto não só a França como a Europa inteira não tem preservação do meio ambiente. Temos aqui um Código Florestal que obriga, no mínimo, a termos 20% das nossas áreas preservadas, sob nosso risco e custo, sob nossa responsabilidade. Que país fez isso no mundo? Será que a França tem condições de dizer algo sobre a questão de meio ambiente e preservação de florestas em relação ao Brasil? Então, são coisas que precisam ser colocadas às claras no mundo. Às vezes, debatemos muito aqui internamente e precisamos debater lá fora.
Como vai ser a representação da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP 29, em Baku, neste mês, e para a COP 30, no ano que vem, aqui no Brasil?
Estaremos bem representados. O agro, como um todo, terá representantes. Precisamos que o governo tenha firmeza. O governo federal precisa participar não só deste evento, agora, na próxima 29ª COP, mas no ano que vem, de uma maneira realmente firme. Precisamos do Ministério do Meio Ambiente ativo, de um governo federal ativo, que coloque para o mundo de forma firme como é o Brasil e que assuma as responsabilidades. Eu volto a repetir: é preciso que o governo federal e os governos estaduais atuem, principalmente no bioma amazônico, combatendo o desmatamento ilegal e o garimpo ilegal. E insisto: esse crimes não são praticados por produtores rurais. E isso tem que ser dito para o mundo. É uma questão de segurança. Temos exemplos de estado em que o governador foi mais firme e conseguiu combater a violência.
Pelo que o senhor diz, o agronegócio sofre de dois problemas: a degradação ambiental ilegal e a desinformação. O que o agro precisa fazer para mostrar internamente e externamente que é sustentável?
Nós ainda não achamos o caminho de como o agro pode agir nisso. Mas eu acredito que, começando por cobranças como essas que estou aqui fazendo, e falando. Estivemos envolvidos em eventos em São Paulo e Belo Horizonte, nos últimos dias, e precisamos, de uma forma unida, que o setor agropecuário exija essa responsabilidade do setor público, que precisa ser cumprida. Desmatamento é coisa de crime organizado, e o crime deve ser combatido da forma que tem que ser combatido, com o governo federal e o governo estadual juntos.
Há omissão do poder público?
É vergonhoso. O problema vem se arrastando há anos e nenhum governo conseguiu resolver. Pode ter diminuído em um governo ou aumentado em outro, mas nós precisamos de uma solução. Isso precisa acabar, não só para evitar essa pecha negativa nas costas do agro e dos produtores de toda a nossa cadeia agropecuária nacional, mas também para solucionar o problema da natureza, que está sendo destruída por pessoas que são especuladores, que fazem parte do crime organizado e que trazem um resultado negativo para o planeta como um todo.
De fato, o problema não afeta apenas o agro.
Estamos vivendo, inclusive, problemas climáticos. Este ano foi extremamente difícil, com enchentes muito grandes, em maio, no Rio Grande do Sul, algo que, há muitos anos, não víamos igual. E isso vem acontecendo em outros países do mundo, com queimadas e problemas que não são só no Brasil. O problema climático é mundial e não podemos deixar que esse problema mundial seja colocado nas costas apenas do Brasil.
*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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