Após acumular alta de 17,61% no ano frente ao real até a última sexta-feira, quando fechou o pregão cotado a R$ 5,705, o dólar segue em tendência de valorização. De acordo com especialistas, a divisa norte-americana está mais perto de atingir R$ 6 do que retornar ao patamar de R$ 5, como observado no início do ano. Eles indicam que, apesar de fatores externos, como as eleições norte-americanas e a recessão na China, terem influência nesse resultado, a maior parcela de "responsabilidade" pela alta do dólar é aos conflitos internos entre as políticas fiscal e monetária do país.
Uma sequência de quedas mais lentas na taxa de juros norte-americana pode ser benéfica para o Brasil, para evitar uma fuga intensa de investimentos a curto prazo. Na última reunião, em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central brasileiro, decidiu aumentar a taxa básica da economia (Selic) em 0,25 pontos percentuais, para 10,75% ao ano, em um movimento contrário ao dos Estados Unidos. Um dos principais objetivos é justamente evitar uma depreciação ainda maior do real em relação ao dólar.
Apesar dos fatores externos contribuírem para a alta da moeda norte-americana, a análise recorrente feita pelos especialistas é que os fatores internos, como o aumento da dívida pública, a expansão de despesas obrigatórias e a guerra entre governo e BC, foram decisivos para uma valorização ainda maior do dólar no mercado interno. "O crescimento das despesas obrigatórias dificulta ainda mais a execução orçamentária, já com um orçamento extremamente engessado como a gente tem", considera o economista senior da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto.
Mesmo com o objetivo de deficit zero para 2024 e 2025, as projeções mais recentes mostram que o governo não deve conseguir controlar a diferença entre as receitas e despesas nos próximos dois anos. Com o aumento de gastos em diversas áreas, a equipe econômica deve encontrar alternativas para diminuir as despesas e não focar apenas no aumento de receitas, que tem sido o foco da gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desde o início do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O chefe da pasta evitou adiantar uma nova medida de corte de gastos neste ano, durante a viagem que fez a Washington, na semana passada. Apesar disso, o tema não deve ficar de fora do radar de Haddad, visto que ele adiantou na mesma viagem que irá se reunir com Lula e outros ministros a partir desta semana.
Durante o encontro nos EUA, Haddad evitou falar sobre as críticas em relação ao controle fiscal e saiu em defesa do marco fiscal. Ao lado do presidente do BC, Roberto Campos Neto, o ministro reforçou que o governo deve repensar uma "estratégia para fortalecer o arcabouço".
No entanto, para o economista da XP Investimentos Francisco Nobre, a regra fiscal perdeu relevância nos últimos meses, com o aumento dos gastos. "A maior parte da desvalorização que a gente acompanhou no câmbio ao longo do ano foi reagindo um pouco a essas preocupações fiscais e políticas e a gente considera que hoje existe um prêmio de risco adicional aqui para o Brasil que está sendo refletido no câmbio de hoje", comenta o especialista. Ele acredita em um dólar mais próximo de R$ 6 do que próximo a R$ 5 a curto prazo.
"A nossa projeção para o dólar no do ano é de R$ 5,40, para este ano e para o ano que vem, porque fica um pouco no meio do caminho entre o que os fundamentos apontam e o valor da moeda hoje. Mas parece que os riscos atualmente estão inclinados para cima, e é provável que, se a gente for errar a nossa projeção, que seja para cima e não para baixo", analisa.
Emergentes
Além do real, outras moedas emergentes também acumulam perdas neste ano, como é o caso dos pesos mexicano e colombiano e do won sul-coreano. Esse movimento pode ser um reflexo de um período de alta sensibilidade dos mercados financeiros, na avaliação do economista-chefe da Nomad, Danilo Igliori, que argumenta que essas pressões são percebidas "a cada divulgação de indicadores, comentários de autoridades e eventos de diversas naturezas".
"De forma geral, isso vem ocorrendo desde o ano passado, quando muitos apostaram no surgimento de recessões como consequência das elevações de juros e elas não ocorreram. O contexto é particularmente complexo em função do alto grau de incerteza nos cenários doméstico e internacional e pela diversidade dos fatores que compõem os balanços de riscos sobre a oferta e demanda por moedas", considera.
Ao mesmo tempo em que o dólar se valorizou frente ao real, o Índice DXY, que mede a força da moeda norte-americana em relação às principais divisas do mundo, acumulou alta de 2,86% desde o primeiro dia deste ano. O avanço, no entanto, é bem inferior ao avanço de mais de 17% do câmbio com a moeda brasileira, o que indica que as incertezas em relação ao cenário doméstico são mais fortes do que os fatores externos. "De forma geral, moedas de países emergentes vêm sofrendo frente ao dólar ao longo do ano, o que sugere que o espaço para fortalecimento do real tende a ser limitado. Se tudo der certo, poderíamos ver a taxa de câmbio em torno dos R$ 5,40, mas existem riscos de pioras adicionais e a chance de ultrapassar a barreira dos R$ 6 não pode ser destacada", ressalta Igliori.
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