Entrevista | Sebastián Depolo | embaixador do Chile no Brasil

Diplomacia: 'Vivemos uma nova era na relação entre o Chile e o Brasil'

Após uma semana de rodadas de negócios por algumas capitais brasileiras, o diplomata descreveu, com entusiasmo, ao Correio, as tratativas para estreitar os laços comerciais e retomar antigos projetos, como a saída pelo Pacífico

As exportações chilenas ao Brasil somaram US$ 4,3 bilhões em 2023, segundo dados da ProChile, entidade que busca estimular negócios com o país. Esse volume cresceu 418% desde 2003, e o Brasil hoje é o terceiro maior destino das exportações chilenas. O país vizinho é a quarta economia da América do Sul e um importante parceiro comercial brasileiro, que é hoje o terceiro maior fornecedor do Chile. Em 2023, as exportações brasileiras para o país alcançaram US$ 7,9 bilhões.

Na última semana, ocorreu a Chile Week Brasil, uma semana de negócios para fortalecer as relações comerciais entre os dois países com enfoque em agricultura, turismo e mineração. O evento passou pelas capitais São Paulo, Belo Horizonte e encerrou-se em Brasília.

Em entrevista ao Correio, o embaixador do Chile no Brasil, Sebastián Depolo, contou sobre as novas estratégias para ampliar o comércio entre os dois países. "Estamos tentando abrir mais mercados e ter um relacionamento melhor com o Centro-Oeste e o Nordeste brasileiro", afirmou, ao destacar que foi assinado na semana passada um acordo de intercâmbio agrícola com o estado de Goiás.

Em visita a Santiago, em agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente chileno, Gabriel Boric, assinaram 19 acordos e outros atos bilaterais em áreas que vão do turismo, ciência e tecnologia, defesa, agropecuária e direitos humanos até as relações comerciais e de investimentos. De acordo com Depolo, as parcerias estão saindo do papel.

O embaixador falou ainda sobre as expectativas com o corredor bioceânico, sonho antigo dos países do Mercosul de ligar os oceanos Atlântico e Pacífico por uma rodovia, desde os portos brasileiros de Paranaguá e Santos, aos portos do norte do Chile, atravessando o Paraguai e a Argentina.

O Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) destinou em dezembro do ano passado um investimento de R$ 472 milhões para a obra da rota. "Acreditamos que é um momento ótimo para as relações e estamos trabalhando para aumentar o volume e o valor da corrente de comércio", destacou Depolo.

Confira os principais trechos da entrevista:

Que estratégias foram discutidas na semana de negócios, que passou por diversas capitais do país?

Temos um histórico de relacionamento comercial, econômico e de acordos com o Brasil que é muito importante. Então, estamos ativando isso. Existem, particularmente, alguns mercados e alguns setores onde hoje colocamos a estratégia. O tema central do evento final, em Brasília, foi o turismo. Queremos fazer mais turismo em três regiões do Chile, que são a região de Coquimbo, a região de Ñuble e a região de Aysén. Diferentes biomas que representam a diversidade do nosso país. Mas também trabalhamos no tema alimentos e bebidas, principalmente os alimentos da nossa diretriz, que são muito mais saudáveis, como salmão chileno, vinho chileno, frutas chilenas. Esse foi o tema tratado em São Paulo. E também estamos trabalhando em tecnologias para mineração, tema central do evento em Belo Horizonte, que é a capital da mineração do Brasil. Então o enfoque foi esse, alimentação, turismo e mineração.

As exportações do Chile para o Brasil são bastante concentradas nas regiões Sul e Sudeste, há planos de descentralizar esse cenário?

Sim, estamos expandindo. Historicamente, temos muitos laços com o Sul e o Sudeste. E estamos tentando abrir mais mercados e ter um relacionamento melhor com o Centro-Oeste e o Nordeste brasileiro. Tivemos a visita do nosso ministro da Agricultura do Chile e acabamos de assinar um acordo com o estado de Goiás, para fortalecer o intercâmbio agrícola. Então, estamos tentando ampliar, cada vez mais, a presença do Chile no Brasil e a presença do Brasil no Chile.

Em agosto, Brasil e Chile assinaram um acordo para ampliar negócios envolvendo produtos agrícolas, durante uma visita do presidente Lula a Santiago. Quais são os destaques para esse segmento?

Para o segmento agrícola temos um acordo de orgânicos. Toda produção orgânica certificada no Chile é válida no Brasil. E toda produção orgânica certificada no Brasil já é válida no Chile. Temos uma possibilidade muito grande de troca de toda a nossa produção orgânica. Inclusive, o único acordo de orgânicos que o Brasil tem é com o Chile. Depois temos a expansão de certas estratégias de agricultura sustentável, principalmente o uso da água e da energia solar com menos impacto no meio ambiente. E o terceiro ponto é aumentar a certificação rápida dos produtos. Assinamos um acordo sobre a certificação eletrônica de vinhos e bebidas. Portanto, o tempo de burocracia associado à importação e exportação diminuirá em aproximadamente 70%. Hoje, temos um momento nas relações econômicas entre o Brasil e o Chile que, como disse o presidente Lula em Santiago, é uma nova era na relação entre o Chile e o Brasil.

Sobre essa certificação eletrônica para bebidas, que é um mecanismo de combate a fraudes: o mercado ilegal de bebidas ainda é um desafio?

Sim, acho que ainda é um desafio. Temos tentado bastante combater o tráfico ilegal. Os vinhos de maior valor, por exemplo, não são convenientes para os supermercados trazerem porque existe, efetivamente, uma concorrência desleal, por assim dizer. Muita gente que importa de forma fraudulenta, e vamos trabalhar isso com o Brasil, para que realmente haja uma competição mais justa. A certificação eletrônica permite isso. Ou seja, teremos produtos totalmente rastreáveis e achamos que esse é o caminho, deixar com que os estados e os governos facilitem o comércio para evitar fraudes.

O turismo entre o Brasil e o Chile é uma área de crescente interesse. Em julho Brasília ganhou voos diretos para o país, o que impulsionou a temporada de inverno de 2024. Assim como o Chile foi o terceiro país que mais enviou turistas ao Brasil em 2023. Há alguma novidade prevista para o segmento?

Já temos 11 cidades brasileiras com voos diretos para Santiago e estamos trabalhando com nossas companhias aéreas para aumentar ainda mais a frequência dos voos. Nossa ideia é ampliar a relação que o Chile tem com outras regiões do Brasil. Estamos particularmente muito interessados no que está acontecendo com Brasília, esse voo teve muito sucesso no inverno. São duas empresas que operam no inverno e uma opera o ano todo. A Latam, o ano todo e SKY somente no inverno. Mas a avaliação que estão fazendo é muito satisfatória. Hoje voltamos aos níveis pré-pandemia no que diz respeito ao número de visitantes, tanto de brasileiros no Chile quanto de chilenos no Brasil, e esperamos que isso continue a crescer. Temos um relacionamento muito bom com a Embratur, com o Ministério do Turismo, estamos trabalhando juntos. Também estamos trabalhando para cidades turísticas geminadas, Rio de Janeiro com Viña del Mar, pensamos em Salvador com Valparaíso. O Chile não é apenas Santiago, neve e vinho, digamos assim. Estamos adaptando a nossa oferta, por exemplo, com pessoas que falam português, cardápios em português. Acho que foi uma recepção muito boa, porque o turismo é a porta de entrada dessa relação entre Brasil e Chile.

Existe alguma cooperação na agenda de transição energética entre os dois países? E como está o apoio às pautas do Brasil na presidência do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo?

Estamos trabalhando em diferentes diretrizes do G20, uma delas é a transição energética e, a outra, a sustentabilidade em geral. O presidente Boric e o presidente Lula também concordaram que o Chile fará parte da Aliança Mundial contra a Fome e a Pobreza. Estamos trabalhando em muitas diretrizes que o Brasil tem promovido no G20. Na verdade, o presidente Boric estará na cúpula em novembro. Acreditamos que é uma agenda de futuro que nos une. Assim como o Brasil, em particular, cuida da Amazônia, nós cuidamos da Antártica e da Patagônia. Somos países que têm responsabilidade na nossa soberania em relação a determinados biomas que são críticos para as mudanças climáticas.

Como avalia o fortalecimento das relações diplomáticas e comerciais entre os dois países nos últimos anos?

Acho que estamos em um ótimo momento nos relacionamentos. Há muito trabalho e muita vontade tanto do Chile quanto do Brasil para continuar fortalecendo os laços. Estamos em um momento complexo no mundo. Portanto, as regiões têm que ser melhor articuladas. E tanto o governo do presidente Lula quanto o governo do presidente Boric têm uma diretriz comum, uma visão comum de melhor integração. Estamos trabalhando em um corredor bioceânico, uma rodovia que ligará o centro-oeste brasileiro aos portos do norte do Chile, passando pelo Paraguai e pela Argentina. Esse corredor bioceânico também trará a possibilidade de os produtos brasileiros chegarem mais rapidamente ao Pacífico, exportando para a Ásia, por exemplo, ou para outros lugares do mundo. E que os produtos chilenos também cheguem com mais facilidade ao Brasil. Por isso, acreditamos que é um momento ótimo para as relações e estamos trabalhando para aumentar o volume e o valor da corrente de comércio. Queremos que o nosso povo se aproxime, somos irmãos e podemos fazer muitas coisas juntos. Obviamente cada um com suas particularidades. O Brasil é um país continental, enquanto o Chile é um país mais isolado, mas temos que fazer um esforço consciente para integrar muito mais.

 

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