O queijo artesanal de Minas Gerais recebe novo incentivo para fortalecer sua produção. Em 26 de setembro, o governador Romeu Zema (Novo) sancionou a Lei 24.993, parte da Política Estadual Queijo Minas Legal (PEQML), que visa a promover a legalização e o desenvolvimento da cadeia produtiva no estado. A norma, já em vigor, prevê 12 objetivos para valorização do laticínio e da cultura regional, estimulando a regularização das agroindústrias, os produtores e novas oportunidades de mercado.
A legislação tem origem no Projeto de Lei 1.801/23, apresentado pelo deputado estadual Raul Belém (Cidadania) e aprovado de forma definitiva no plenário da Assembleia Legislativa no fim de agosto. A matéria propõe como primeiro objetivo o incentivo à obtenção pelas queijarias dos selos de certificação previstos em regulamentação específica para o produto.
Desses, o Selo Queijo Artesanal foi instituído pelo Decreto Federal 11.099, de 2022. Segundo o texto, os produtos elaborados por métodos tradicionais, com vinculação e valorização territorial, regional ou cultural, serão identificados por essa certificação. Já o Selo Arte dispõe sobre a obrigatoriedade da prévia fiscalização, “sob o ponto de vista industrial e sanitário, de todos dos produtos de origem animal, comestíveis e não comestíveis, sejam ou não adicionados de produtos vegetais, preparados, transformados, manipulados, recebidos, acondicionados, depositados e em trânsito”, como descreve a Lei Federal 1.283, de 1950.
Além disso, estão entre os objetivos promover a adoção de boas práticas agropecuárias e boas práticas de fabricação, estimular a certificação, o cooperativismo e o associativismo entre os produtores do queijo artesanal. O secretário de estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Thales Fernandes, afirma que a regulamentação é importante por assegurar a continuidade da Política Estadual Queijo Minas Legal.
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“Nós não tínhamos, até então, uma política do queijo minas artesanal tão específica. Isso vai promover principalmente a regularização de mais queijarias, com uma legislação mais simplificada e menos burocrática”, destaca o secretário. Segundo ele, a lei também vai atrair o apoio de parceiros, facilitar financiamentos e, consequentemente, promover maior segurança alimentar para os consumidores.
Normas para as queijarias
A legislação sancionada pelo governador é considerada uma “lei de compliance”, ou seja, um conjunto de procedimentos e regras que tem como objetivo garantir que determinado setor, organização ou empresa esteja em conformidade com as leis, regulamentações e normas locais e nacionais. “Ela trata de questões agropecuárias, desburocratização, legalização dos estabelecimentos de produtores rurais e fiscalização sanitária”, explica a advogada Patrícia Agra, especialista em regulação. Para ela, isso tende a incentivar o consumo, já que há uma organização para o produtor que dá marca de confiabilidade ao produto final.
A advogada afirma que por meio das regras é possível diferenciar quem cumpre ou não a normatização. “Há quem diga que isso pode ter um impacto competitivo, porque vão sair na frente aqueles que possuem o selo de compliance. Os que não se adequarem acabam ficando fora do mercado”, ressalta. Dessa forma, a tendência é incentivar as empresas a se movimentar para ter uma cadeia produtiva mais saudável.
Outro aspecto que precisa ser discutido, de acordo com Patrícia Agra, é a eventual resistência às adequações propostas. “Profissionalizar e ajustar procedimentos não faz com que o produto deixe de ser artesanal. Pelo contrário, ele vai se adequar à legislação existente, como as boas práticas agropecuárias e a regularização sanitária. Trazer o artesão para o completo cumprimento da lei é muito importante”, destaca.
A advogada acrescenta que a prática de certificações já é adotada na Europa, onde existem selos de origem e artesanais. “Isso eleva o produto a outro patamar. Por isso, quanto mais claras, objetivas e desburocratizadas forem as regras, mais facilmente elas serão cumpridas”, ressalta ela.
Entre a aprovação e a preocupação
Osvaldo Filho é produtor e fundador da Queijo D’Alagoa-MG, que vende on-line a produção artesanal. A história da família no ramo começou com o bisavô, Jeremias Sene, conta. Ele empilhava os queijos embrulhados em folhas de bananeira dentro de balaios de bambu, e os transportava em burros pela Serra da Mantiqueira até São Paulo e Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, o bisneto fundou a marca para ajudar o “Sô Batistinha”, produtor que na época enfrentava dificuldades para escoar a produção.
Hoje, a empresa tem uma unidade física em Alagoa, no Sul de Minas, e parceria com diversas famílias e empresas produtoras. A marca que entrega queijos artesanais em todo o país, por meio dos Correios, coleciona mais de 50 prêmios nacionais e internacionais, como o Queijo Brasil, em Blumenau (SC); o Mundial do Queijo do Brasil Araxá 2019 e o Mondial du Fromage, na França.
Diretamente afetado pela Política Estadual Queijo Minas Legal, Osvaldo Filho comemora a nova lei. “Foi muito assertiva a ação do governo. Tudo que se transforma em política pública está pavimentando o acesso para que nós conquistemos avanços no queijo artesanal de Minas. Creio que isso vai consolidar excelentes resultados, tanto para o produtor quanto para as outras partes da cadeia produtiva”, avalia.
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O presidente da Associação dos Produtores do Serro e da Associação Mineira dos Queijos Artesanais (Amiqueijo), José Ricardo Ozólio, também celebra a novidade. “É algo que já esperávamos havia muito tempo, porque grande parte desse ramo é formado por pequenos produtores, e eles sentem dificuldade de legalização”, explica. Por causa desse desafio, os “queijeiros” acabam na dependência do mercado paralelo e enfrentam dificuldades para se incluir formalmente no setor.
Segundo José Ricardo, o melhor caminho para os associados é estar em conformidade com a lei, para que o trabalho e o produto sejam valorizados. “Minas é um grande produtor de diversos tipos de queijo. O carro-chefe é o queijo minas artesanal; ele representa o estado, mas é o que mais sofre com a informalidade. Esse programa é de grande importância para que possamos regularizar o maior número possível de queijarias”, aponta. O representante da Amiqueijo acredita ainda que o programa vai auxiliar não só na qualidade do produto, mas também no mercado e na confiança da sociedade.
Desafio para os pequenos
Do outro lado da moeda representada pelo esforço de regulamentação estão pequenos produtores rurais como Flávia Barroso, que produz queijos artesanais no Serro, no Vale do Jequitinhonha. Ela diz que, embora as práticas tenham potencial para beneficiar os produtores, pode ser difícil implementá-las. “Temos que seguir todas as especificações técnicas. É um custo altíssimo para o produtor que vive apenas do que produz na terra”, destaca.
As normas para conquistar a certificação começam na construção da queijaria. “O espaço precisa ser todo em azulejo branco, precisa ter salas separadas para fabricação, maturação e expedição”, descreve a produtora. Além disso, é necessário um local para vasilhas e embalagens, e as bancadas e pia devem ser de aço inoxidável.
“Acho excelentes esses movimentos que, a princípio, facilitam a certificação. Mas, por outro lado, parece que quem faz as regras nunca fez queijo. Algumas coisas são quase impossíveis de implementar no dia a dia na roça. É como uma reserva de mercado apenas para grandes produtores. É um custo muito alto”, reforça.
Da mesma forma, o pequeno produtor Vismar Pimenta, também do Serro, revela os desafios de se adequar à exigências. “O processo gera muita despesa e temos as cobranças do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Estamos quase desistindo por causa disso”, reclama ele, que produz 60 queijos por dia, em uma jornada de trabalho de 14 horas diárias.
Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia
Das Gerais para o mundo
Presente na mesa de todo mineiro, o queijo minas é produzido oficialmente em oito territórios no estado: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Serro, Triângulo Mineiro e Serras de Ibitipoca. Por sua importância histórica, cultural e econômica, o produto foi tombado como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2008. Além disso, para a proteção do modo de fazer artesanal, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) pode reconhecer, em dezembro, o preparo do alimento como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Com isso, as regiões mineiras produtoras se tornariam pontos de atenção ainda maiores do público, impulsionando o turismo e garantindo o desenvolvimento sociocultural.
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