CRIMES VIRTUAIS

Golpes e roubos já tiraram R$ 71,4 bi do bolso dos brasileiros

Pesquisa revela o tamanho do prejuízo que roubos de celulares e crimes cibernéticos causaram no país em um ano. Métodos sofisticados da engenharia social miram as restituições do Imposto de Renda e os benefícios do Bolsa Família

Os métodos para aplicar golpes na internet e fora dela estão cada vez mais sofisticados. Nesta segunda-feira (30/9), o DataSenado em parceria com a Nexus — Pesquisa e Inteligência de Dados revelou que quase um quarto da população brasileira já foi vítima de algum crime cibernético nos últimos 12 meses. Em outra pesquisa, o Datafolha revelou que quase 2,5% do PIB fica na mão de criminosos que cometem roubo de celulares e crimes digitais, como aqueles feitos por meio de máquinas de cartão adulteradas, golpes com Pix e boletos falsos e fraudes em cartões de crédito.

Recentemente, mais um golpe veio a conhecimento público em Brasília, após a jornalista Juliana* denunciar o golpe que sofreu através do portal da Receita Federal. A restituição do seu Imposto de Renda (IR), no valor de R$ 3.404,54, não caiu na conta informada no site do governo, e sim em uma conta desconhecida. Na capital federal, as denúncias de estelionatos – incluindo os digitais – correspondem à 54% do total de registros feitos na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).

“Quando chegou no 3º lote, em 31 de julho, consultei meu CPF e vi que minha restituição seria paga. Mas quando fui conferir meu extrato bancário, não vi o dinheiro. Fiquei em choque”, contou. Em consulta ao site da Receita Federal, Juliana constatou que a transferência não foi feita para o banco indicado, mas sim para uma conta da Caixa Econômica Federal (CEF). Ela relata que tentou buscar na internet qual era a agência indicada, mas sem sucesso. “Mandei e-mail para a Receita e disseram se tratar de uma conta aberta online. Então, fui pessoalmente à Caixa para entender o que tinha acontecido”, relembra.

Ao chegar lá, descobriu que era a titular de uma conta que ela nunca tinha aberto. “Conseguiram se passar por mim com apenas duas informações: meu nome completo e número de CPF. O resto do processo foi feito com documentos falsos e, sem nenhuma dificuldade, a conta foi aberta”, afirmou. De acordo com Juliana, que teve acesso às informações passadas pelos criminosos, a foto que enviaram dela segurando a identidade nas mãos, como é requerido em uma das etapas de segurança para abertura de conta, foi gerada usando inteligência artificial. “Para que serve essa verificação se mesmo com identidade e assinatura falsas e uma foto visivelmente diferente de mim a conta é aberta?”.

A jornalista abriu um pedido de contestação na Caixa e fez o boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Com esses documentos, foi até a Receita Federal e abriu um processo de violação de restituição. Como se tratava de um golpe aplicado em banco público, orientaram Juliana a abrir uma nova denúncia, dessa vez no site da Polícia Federal (PF). Juliana revelou que “ninguém queria se responsabilizar pelo caso” e, como última alternativa, recorreu às Ouvidorias, tanto do site do governo, pelo Fala.Br, quanto do Banco Central.

“Depois disso, a Caixa entrou em contato comigo, pediram desculpas e estornaram o valor”, disse. O processo na Receita Federal continua correndo, assim como as investigações na PF. Ela conta que, como a conta fraudulenta foi aberta em seu nome, não era possível identificar os responsáveis, mas a Caixa Econômica conseguiu rastrear os dois saques efetuados no valor R$ 1.200 e o receptor de um PIX de R$ 204,50, realizados em Goiás.

O acesso a contas da Caixa Econômica Federal tem sido usado para outros golpes. Em um deles, o valor do Bolsa Família é transferido para uma outra conta antes mesmo que o beneficiário possa sacar. Em abril deste ano, a diarista Renata*, também residente de Brasília, teve a  conta do Caixa Tem invadida e os R$ 650 que ela recebe mensalmente foram transferidos para uma outra conta, de um titular que ela não conhecia, residente do interior de São Paulo. Foi o início de um pesadelo que permanece sem resolução, mesmo 5 meses depois do crime.

“Chegou o dia de sacar o benefício, fui ao Caixa e não tinha dinheiro”, relembra. Naquele momento, Renata conta que não sabia que tinha sido vítima de um golpe. Ela foi até uma agência da Caixa para saber o que tinha acontecido. Na conversa com a atendente, descobriu que a mensagem de texto recebida no celular dela, dias antes do pagamento, era falsa. Ela explica que parecia algo importante e urgente, e que “se não clicasse no link para atualizar os dados, não receberia o benefício”. É nesse momento que os criminosos agem para recolher informações pessoais das vítimas.

“Foi uma sensação muito ruim saber que nossos dados estão sujeitos a outra pessoa qualquer”, desabafou. Ela abriu a denúncia na CEF, foi até a Polícia Civil, fez o boletim de ocorrência, retornou ao banco, entregou o BO, mas “ninguém podia fazer nada”. Segundo ela, a CEF disse que não poderia devolver o dinheiro porque a transferência saiu da conta dela, e a PC pediu para que aguardasse as investigações. Renata relata que chegou a procurar advogados que atendem gratuitamente famílias de baixa renda, mas não adiantou.

O Correio procurou a Polícia Civil do Distrito Federal para comentar o caso de Renata. “O caso está em fase de investigação, não sendo possível passar detalhes no momento. Em momento oportuno, a autoridade policial se manifestará sobre o caso”, e sobre a restituição financeira, responderam que “não tem competência para determinar tal situação”, e recomendaram entrar em contato com a instituição bancária vinculada ao caso.

Questionada, a Caixa não especificou os critérios que definiram que as duas histórias — da jornalista e da diarista — tivessem fins diferentes. Informou que “são analisadas de forma individualizada e considerando os detalhes de cada caso”, que atua em conjunto com os órgãos de segurança pública nas investigações e que possui “estratégia, políticas e procedimentos de segurança para a proteção dos dados e operações”.

Quanto aos golpes direcionados aos beneficiários do Bolsa Família, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) publicou um informe no fim de agosto com orientações sobre as formas de contestação. De acordo com a Pasta, o Programa Bolsa Família não envia SMS com links para direcionamento a outros sites; e não realiza ligações telefônicas. Quanto às restituições o MDS informou não se responsabilizar pelas restituições das vítimas de golpe, e orientou que isso fosse verificado diretamente com a Caixa.

A Receita Federal, sobre a violação da conta do gov.br, informou ao Correio que se tratam de “procedimentos fora de nosso controle. O fraudador abre uma conta falsa em alguma instituição bancária, e acessa a conta gov.br do contribuinte através de engenharia social ou quando fornecida pelo próprio titular, podendo alterar os dados bancários da declaração apontando a restituição para a conta falsa”.

A lei que tipifica os crimes de estelionato digital é a nº 14.155, criada em 2021. Ela alterou o Código Penal e deu origem à Fraude Eletrônica, ou Estelionato Digital, prevista no artigo 171, definida como uma forma qualificada do crime de estelionato, e por isso recebe pena mais severa. Meses antes da lei, entre 2020 e 2021, os crimes de estelionato ultrapassaram as denúncias de roubo no Brasil segundo informações do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. O relatório mostra a curva de estelionatos subindo em uma crescente de 2018 até 2023, enquanto a de roubos caía. Enquanto em 2018, 1,5 milhão das denúncias eram relativas a roubos e 427 mil a estelionato, em 2023, a situação já tinha se invertido: os registros de crimes por estelionato chegaram a quase 2 milhões, e os de roubo caíram para 870 mil.

*Nomes fictícios das vítimas, que preferiram não serem identificadas

Editoria de Arte/Correio Braziliense - Passo a passo: Como denunciar golpes do Bolsa Família e do Imposto de Renda

A engenharia social utilizada em golpes

O engenheiro de software Daniel Dantas, que trabalha com tecnologia em uma multinacional americana, explicou como funciona a engenharia social usada nos golpes. "Essa técnica explora a confiança e o comportamento humano para acessar informações ou sistemas sem o uso de métodos invasivos. É como convencer alguém a entregar a chave de sua casa sem precisar arrombá-la. O principal perigo da engenharia social é que a própria vítima, sem perceber, colabora com o golpista, fornecendo acesso valioso”.

Segundo Daniel, as técnicas mais comuns estão o Phishing e o Baiting. Na primeira, o golpista envia um e-mail ou mensagem de texto que parecem ser de fontes confiáveis, como banco ou instituições governamentais, e solicitam informações do usuário ou pedem para clicar em um link pelo qual extraem os dados. No segundo, o golpista oferece algo de interesse para a vítima para enganá-la, como uma oferta imperdível em um site que parece legítimo. O usuário então insere seus dados pessoais e de pagamento, que, depois, é utilizado pelos golpistas. “A parte psicológica é o núcleo dessa técnica, tornando-a altamente eficaz”, acrescenta.

“Edição de fotos, alteradores de voz e inteligência artificial tornam o ataque mais convincente e, com o HTML, é possível manipular a aparência de sites para enganar as vítimas”, relata. No caso de Juliana*, Daniel alerta que deixar o computador desbloqueado para manutenção ou expostos em locais públicos, tirar cópias de documentos e fazer cadastros em sites, são situações que facilitam o compartilhamento de dados.

Para se proteger, Daniel indica não compartilhar senhas, não clicar em links desconhecidos, utilizar autenticação de dois fatores, e sempre verificar a autenticidade das comunicações antes de fornecer qualquer tipo de informação. “A conscientização é a principal forma de defesa contra a engenharia social”, aconselha.

Editoria de Arte/Correio Braziliense - Passo a passo: Como se proteger dos golpes do Bolsa Família e do Imposto de Renda


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