No discurso de abertura da 79ª edição da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil está na "vanguarda da transição energética" por ter 87% da eletricidade no país proveniente de fontes limpas e renováveis. Entretanto, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2025, enviado ao ao Congresso Nacional no fim de agosto, existem medidas contraditórias.
Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgados em um relatório a que o Correio teve acesso antecipado, o Ploa do próximo ano prevê um corte de quase 18% dos recursos destinados à transição energética em relação ao orçado em 2024, de R$ 4,44 bilhões, R$ 3,64 bilhões. O instituto fez um um filtro em projetos de quatro ministérios: Minas e Energia (MME), Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Desenvolvimento Agrário (MDA) e Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
De acordo com Cássio Carvalho, assessor político do Inesc, além de cortar recursos destinados para a transição energética em alguns ministérios, em outros, o governo destina boa parte desse dinheiro para pesquisa na área de petróleo e gás, na contramão da agenda de transição divulgada pelo presidente na assembleia da ONU.
"Um dos casos que mais chamou a atenção foi o do MME, que tinha zero recursos no Ploa do ano passado e, neste ano, R$ 10,3 milhões, e, desse montante, praticamente a metade, R$ 5,1 milhões, estão sendo destinados para "estudo da indústria de petróleo e gás natural, que são combustíveis fósseis. Ele destaca que no Plano Plurianual (PPA), o governo prevê R$ 500 bilhões em investimentos no setor de petróleo e gás nos próximos quatro anos", destaca.
Segundo ele, esses R$ 10,3 milhões, "além de muito ser aquém do necessário para a transição energética no MME, é pouco ambicioso para um ministério que deveria nortear e ser o um indutor desse processo de geração de energia limpa".
"Não basta o grande número de recursos creditícios e de financiamentos que o setor de combustíveis fósseis possuem, quando trazem um programa orçamentário, e, quando há uma ação que poderia ajudar a alavancar a transição energética, eles ainda destinam uma parte desse recurso a indústria fóssil, é muito contraditório", aponta.
Procurado, o MME não retornou até o fechamento desta edição. Carvalho contou que também tentou contactar as pastas sobre os problemas de redução dos recursos nas outras pastas, mas também não teve explicação sobre os motivos para a redução dos investimentos até o fechamento do relatório que está sendo divulgado hoje.
Conforme o levantamento, no MDA, a queda em dois planos orçamentários foi de 26,36%, passando de R$ 3,05 milhões para R$ 2,25 milhões, respectivamente. "Essa redução de recursos em relação à transição energética é preocupante, pois além dos montantes previstos serem muito pouco ambiciosos, a sua diminuição dificulta o acesso da agricultura familiar às fontes renováveis."
O MDS, responsável pelo programa Bolsa Família, reduziu os recursos na transição energética, ao auxílio gás de cozinha para famílias empobrecidas cadastradas no Cadastro Único, o qual entende-se como um instrumento de transição energética. Diante disso, a explicação passa pela reformulação da política do auxílio gás, onde está sendo considerado que as revendedoras de gás serão compensadas pela Caixa Econômica Federal, passando a considerar, além de dotações orçamentárias da União, receitas de comercialização da venda do excedente em óleo do pré-sal.
Assim, os recursos previstos da pasta para a transição energética, que eram de R$ 3,64 bilhões, em 2024, passaram a ser R$ 600 milhões, em 2025, uma diminuição de 83,52%, conforme os dados do Inesc.
Caminho positivo
Cássio Carvalho lembrou também que, nem tudo está perdido. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação teve aumento no planejamento do Orçamento alinhado com o Programa Nova Indústria Brasil (NIB), que pretende ampliar a transição energética no parque industrial brasileiro. Com isso, os recursos, se comparados com 2024, cresceram 279%, passando de R$ 800 milhões em 2024, para R$ 3,03 bilhões em 2025.
O montante, contudo, ainda é bem menor do que o país precisa para dar o salto necessário para o desenvolvimento de tecnologias que podem realmente colocar o país, de fato, na vanguarda da transição energética como o hidrogênio verde (H2V).
As oportunidades e os desafios para o desenvolvimento do setor foram tema do seminário CB Debate: Hidrogênio Verde: o combustível do futuro, realizado, na semana passada, pelo Instituto Cultura em Movimento, com apoio de comunicação do Correio Braziliense, tem patrocínio do Banco do Nordeste (BNB), da Caixa Econômica e do governo federal; e apoio da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra).
De acordo com dados apresentados pelos especialistas, desde 2021, foram anunciados 131 projetos de larga escala de transição energética no país , com investimentos de US$ 500 bilhões até 2030.
"Quando o presidente Lula vai para a ONU e fala que o Brasil tenha potencial para a transição energética e temos recursos públicos ainda muito pequenos destinados para essa agenda, não dá para deixar somente que o setor privado seja o indutor dessa transição, pois, no PPA e no Orçamento ainda vemos muitos recursos sendo alocados para combustíveis fósseis. Isso quer dizer que dinheiro existe", conclui Carvalho.