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A importância da cooperação para o desenvolvimento da produção e consumo do H2V

Especialistas concordam que é preciso firmar parcerias internacionais, sem, no entanto, perder a soberania

O desenvolvimento da produção e consumo de hidrogênio verde no Brasil deve se basear em experiências positivas no cenário internacional, com a troca de experiências e cooperações bilaterais. Esta é a análise de representantes do poder público e especialistas no setor energético, no painel O papel da cooperação internacional para o desenvolvimento do mercado brasileiro de Hidrogênio Verde.

O tópico foi um dos painéis do CB Debate — Hidrogênio Verde: o Combustível do Futuro, realizado pelo Instituto Cultura em Movimento, com patrocínio do Banco do Nordeste, da Caixa Econômica Federal e do governo federal; apoio da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra); e apoio de comunicação do Correio Braziliense.

Para o coordenador-geral de Descarbonização e Finanças Verdes do Ministério da Indústria Comércio e Serviços (MDIC), Gustavo Fontenelle, parcerias como as que foram firmadas com a Alemanha e o Reino Unido, recentemente, são exemplos de iniciativas bilaterais para a troca de conhecimentos estratégicos que envolvem o combustível do futuro. “A cooperação internacional traz não somente conhecimento, parcerias, modelos de negócios, mas os instrumentos viabilizadores que nós vamos precisar, quer em termos de inovações tecnológicas ou lacunas tecnológicas que encontramos até o momento, quer em lacunas de financiamento, ou instrumentos ou montantes de que vamos precisar”, avaliou o coordenador.

Na avaliação de Fontenelle, o Brasil possui uma perspectiva de negócios, no sentido de buscar atingir o mesmo grau de países desenvolvidos, como Estados Unidos, Austrália, Espanha e Arábia Saudita, no mercado de hidrogênio verde.

O presidente do Conselho Regional de Química da 21º região, Alexandre Vaz, defendeu que, a partir da cooperação internacional para o desenvolvimento do hidrogênio verde, é necessária a implementação de políticas públicas que valorizem e que “mantenham este corpo técnico qualificado, que nós vamos trabalhar, no nosso país, para que eles fiquem aqui e nos ajudem a fazer toda essa trilha do conhecimento”. O especialista lembrou ainda que a cooperação internacional é fundamental para o desenvolvimento do produto. Vaz ressalta que “não haveria ciência no país se não houvesse cooperação”.

Riscos

Com todos os benefícios que a cooperação internacional proporciona, a pesquisadora sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Yaeko Yamashita, ressalta que é necessário considerar o risco de que países que estabeleçam diversos vínculos para auxiliar nas pesquisas e inovações como hidrogênio verde, criem dependência de países mais desenvolvidos, o que pode afetar setores econômicos e sociais. Yamashita alertou para os desafios e riscos que podem surgir nesse processo de cooperação. Um dos principais cuidados é evitar uma dependência extrema de recursos e tecnologias estrangeiras, o que poderia prejudicar a autonomia em desenvolver sua própria capacidade política e econômica.

“A partir do momento em que o país tem dependência extrema dessa cooperação, perde a sua própria capacidade política e econômica”. Outro ponto levantado pela pesquisadora é a necessidade de se alinhar às prioridades entre os países parceiros. “Temos que entender se as ideias desses países batem com o que nós queremos”. Na visão do diretor de Novos Negócios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Marcello Cabral, o momento atual favorece as negociações em torno do tema, com a aprovação de matérias importantes sobre energia sustentável no Congresso Nacional, a exemplo do Marco Legal do Hidrogênio Verde, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no mês passado. Para fortalecer ainda mais o papel do Brasil no cenário internacional, o diretor avalia que ainda falta uma comunicação mais assertiva a respeito deste tema.

“Nossa comunicação com a sociedade talvez não esteja funcionando como deveria, não por falha dos veículos de comunicação, mas pela dificuldade de transmitir a mensagem de forma eficaz. É preciso explicar os benefícios, o que é o hidrogênio verde e como ele será inserido na indústria”, afirmou Cabral.

A fuga de cérebros

A chamada “fuga de cérebros” é um desafio para a construção do mercado de hidrogênio verde no Brasil, aponta o presidente do Conselho Regional de Química da 21ª região, Alexandre Vaz. Ao falar sobre o papel da cooperação internacional para o desenvolvimento do mercado brasileiro de Hidrogênio verde, Vaz mencionou a preocupação com a emigração de profissionais e acadêmicos com boa formação e capacitação por falta de estímulos no Brasil.

“Muitas vezes os nossos profissionais vão para o exterior se capacitar, até se formar, e não voltam, porque lá eles conseguem ter melhores oportunidades de emprego, de renda, melhores oportunidades de vida”, ressaltou. Na visão de Vaz, o investimento na formação dos novos profissionais é essencial para o progresso da indústria nacional do novo combustível. “Tudo nasce na formação e na capacitação”, pontuou.

Ao longo do painel, Vaz expressou preocupação com o mercado de trabalho, ocasionado pelas dificuldades relacionadas, principalmente, à geração de emprego e renda entre os profissionais da química. O cientista reforçou a necessidade de investimento no combustível do futuro, que se torna cada vez mais necessário desde o início da guerra na Ucrânia, há dois anos e meio.

Para sustentar a vida

No CB Debate, realizado ontem, a especialista em Educação e Gestão Ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Patricia Mazoni, chamou atenção para a dimensão transversal quando se busca combustíveis menos poluentes. Ela ponderou que é importante pensar sobre o que se busca quando debate o tema da sustentabilidade.

“ Falamos muito sobre sustentabilidade — de repente, virou um lugar comum — mas a questão é: o que nós queremos sustentar afinal?”, indagou, para em seguida, responder: “Para mim, essa é a grande reflexão. Nós queremos sustentar a vida”, disse ela, enfatizando que a vida perpassa por todas as pautas e agendas.

“Imagina que falar de combate à pobreza, inovação, paz, parceria, tem haver com sustentabilidade. De fato, tem. Então, planejar estratégias, baseadas na agenda 2030, me parece que faz muito sentido”, afirmou Mazoni.”A gente traz vários aspectos, várias dimensões da necessidade disso tudo. Mas tem alguns que me parecem grandes oportunidades, a discussão de hidrogênio verde pode servir como uma plataforma de desenvolvimento”, ressaltou a professora.

Segundo Mazoni, a sustentabilidade é nossa capacidade de perceber e se responsabilizar com a sustentabilidade da vida. “Infelizmente é uma escolha. Porque, quando tomamos decisões em lugares estratégicos, como muitos das senhoras e dos senhores, a gente faz escolhas para onde a gente está direcionando os investimentos”, frisou.

A professora ressaltou que tem vários outros temas que podem ser discutidos, que transitam na grade da sustentabilidade. “Quando falamos que a sustentabilidade é um tema transversal, nos apropriamos do aspecto da inclusão sócio-produtiva, e do tema da sustentabilidade dessa maneira mais abrangente”, afirmou, ressaltando a transversalidade que o tema traz para a discussão.

“Para mim, as políticas públicas que estão sendo discutidas no Congresso precisam, também, olhar essas outras várias camadas, do ponto de vista de oportunidade de geração, de impacto, se a gente fala em fomentar. Mas, obviamente, a discussão é muito mais ampla”, ressaltou.

CB - Guerra e energia

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