A semana começa com a expectativa de mais uma “superquarta”, devido à coincidência de decisões dos comitês de política monetária dos bancos centrais do Brasil (Copom) e dos Estados Unidos (Fomc). As reuniões ocorrem em dois dias, 17 e 18 próximos e, curiosamente, o consenso entre os analistas do mercado é de movimentos contrários entre o BC brasileiro e o Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano).
Nos EUA, a perspectiva é de queda nos juros, provavelmente de 0,25 ponto percentual, como tem sinalizado o presidente do Fed, Jerome Powell, nas últimas declarações. Por aqui, analistas ouvidos pelo Correio confirmam o consenso de um novo ciclo de aperto monetário e esperam alta de 0,25 ponto percentual na taxa básica da economia (Selic), atualmente em 10,50% ao ano, em mais uma decisão unânime, a fim de evitar maiores ruídos no mercado. Especialistas dão como praticamente certo o aumento, especialmente depois do avanço de 1,4% no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano, acima das projeções do mercado e do governo.
O consumo do governo e das famílias acima das expectativas são apontados como os principais vetores para esse aquecimento da atividade e são alguns dos principais fatores que confirmam as pressões inflacionárias que fazem o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique próximo do teto da meta, de 4,50% no fim deste ano, podendo até estourar esse limite neste ano em algumas projeções.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, ressaltou que não há dúvidas no mercado de que, no próximo Copom, será dado início a um novo ciclo de alta dos juros básicos. “A alta dos juros é certa. O debate no mercado está sendo em relação ao tamanho do ciclo e do ritmo, que são discussões ligadas. Mas o início do processo, normalmente, é com cautela”, explicou.
As apostas quanto ao patamar dos juros que o BC deverá considerar como o fim do ciclo variam entre 11,75% e 12,50% ao ano. Padovani ressaltou que o crescimento do PIB tem ficado acima do potencial, gerando pressões inflacionárias, o que acende o alerta do BC para aumentar os juros. “O que está ficando claro para todos os economistas é que esse ritmo de crescimento da casa de 3% não é sustentável. Todas as estimativas sugerem que a capacidade de o PIB brasileiro crescer esteja mais próxima de 2%”, comentou.
Serviços
O economista do Banco BV ressaltou que os dados recentes do IPCA — que recuou 0,02% em agosto — mostram que, apesar da recente queda nos preços dos alimentos, a inflação de serviços tem feito o indicador oscilar perto do teto da meta, e, “como ninguém sabe exatamente até onde o BC vai ter que subir juros, ele deve ir testando esses níveis”. Padovani prevê um ciclo de aperto monetário alto. “O viés é para que seja de até dois pontos percentuais. E, se for esse o ciclo, o BC pode até aumentar o ritmo para fazer mais rápido”, avaliou.
De acordo com Fabio Romão, economista senior da LCA Consultores, a equipe da consultoria prevê que a Selic chegue a 12% em janeiro. Ele atribui a previsão à possível aceleração do IPCA, depois do recuo do mês passado e revisou de 0,46% para 0,51% a estimativa de alta do índice neste mês.
Entre os motivos destacam-se o retorno da bandeira tarifária para vermelha patamar 1 na conta de luz, bem como “os primeiros efeitos da recente estiagem na formação de preços de alguns itens de Alimentação e bebidas.”
Motivos de sobra
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, acredita que o Banco Central já deveria ter começado a aumentar os juros. “O BC tem motivos de sobra para elevar a Selic”, frisou. “O crescimento econômico está acima do potencial, o desemprego está mais baixo e há crescimento real (acima da inflação) dos salários. Além disso, a inflação projetada está cada vez maior, e ela é justamente o foco do Banco Central”, enumerou.
Ele lembrou que o instrumento da política monetária é o aumento de juros, especialmente quando há o risco de descumprimento da meta de inflação. E, para ele, “é certeza de que, neste ano, a meta de inflação vai ser descumprida e o risco de estouro da meta no ano que vem está aumentando”.
Pelas projeções de Velho, a inflação oficial seguirá acima da meta até 2025, sendo que chegará a 5,04% no acumulado em 12 meses até dezembro deste ano, uma vez que o dólar tem permanecido elevado por um período mais longo.
Meta
Conforme as projeções do Itaú Unibanco, considerando o modelo utilizado pelo Copom, com o câmbio em R$ 5,60 e a deterioração de expectativas 12 meses à frente desde a última reunião, a projeção de inflação para o “horizonte relevante” (ou seja, até 2026, como tem observado o Copom) segue acima da meta, em 3,4%. Logo, com tal projeção, a taxa de juros necessária para trazer o IPCA de volta ao centro da meta, de 3%, seria de, pelo menos, 12%.
Nesse contexto, segundo a equipe de economistas do banco, o ciclo de juros será de 150 pontos-base, o que fará a Selic chegar a 12% ao ano no primeiro semestre de 2025. “A manutenção dos juros em patamar contracionista deve resultar numa desaceleração da atividade econômica, além de alguma apreciação da taxa de câmbio, permitindo cortes de juros a partir da segunda metade do ano”, informou o relatório do Itaú divulgado na sexta-feira.
A instituição ainda projeta a taxa Selic em 11% no fim de 2025. Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, reconheceu que, com o câmbio mais pressionado, a vida do Banco Central “está mais complicada”, especialmente, em um cenário em que a economia está mais aquecida. Em conversa com jornalistas, na semana passada, ele destacou que a questão fiscal ainda é um dos principais fatores de preocupação do mercado para que o Copom volte a subir os juros, pois o governo depende de um grande volume de receitas extraordinárias para cumprir a meta fiscal deste ano, sem fazer ajustes do lado do gasto.
“A chance de cumprimento da meta fiscal neste ano aumentou, porque o governo está contando com receitas extras que não devem se repetir em 2025 e, por conta disso, a nossa previsão é de piora no quadro fiscal no próximo ano”, acrescentou o especialista em contas públicas do Itaú Unibanco, Pedro Schneider.
“A atividade econômica mais forte ajuda no lado da arrecadação também, mas o que preocupa é o lado da despesa, que continua a crescer e o governo gastou tempo e capital político na discussão de aumento da carga tributária em um país que já tem um peso elevado dos impostos em relação ao PIB. E se tem uma agenda para o governo olhar com mais carinho é o controle da despesa”, acrescentou.
Mario Mesquita fez coro com Schneider e lembrou que a despesa do governo segue em torno de 19% do PIB, ou mais, e, para o governo fazer frente a esse gasto precisará de uma receita líquida de 20,5% a 21% do PIB, patamar que só ocorreu quando houve a capitalização da Petrobras, pois, normalmente, esse percentual “sempre foi abaixo de 19% do PIB”.
“O governo vai empilhando programas sociais sem checar a sua eficácia em vez de manter o atendimento com menos custo”, disse o economista chefe do Itaú. Logo, com a piora inevitável do quadro fiscal em 2025, a dívida pública bruta chegará a 81% do PIB, pelas projeções do banco. “Ainda temos uma carga tributária elevada para o nível de renda da população e o nível de gastos não é compatível para o nível da dívida pública”, alertou Schneider.