CB Debate

Os desafios para a regulação do setor de mineração no Brasil

Questões como as exigências ambientais e os povos originários são parte do novo arcabouço jurídico da mineração

 O CB Debate desta quinta-feira (05/09) traz como tema Segurança Jurídica e a Competitividade da Mineração Brasileira. Discursaram no evento, da esq., Paulo Gonet Branco (PGR), Raul Jungmann (IBRAM), Gilmar Mendes (STF) e Guilherme Machado (CB). -  (crédito:  Ed Alves/CB/D.A Press)
O CB Debate desta quinta-feira (05/09) traz como tema Segurança Jurídica e a Competitividade da Mineração Brasileira. Discursaram no evento, da esq., Paulo Gonet Branco (PGR), Raul Jungmann (IBRAM), Gilmar Mendes (STF) e Guilherme Machado (CB). - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Fonte de desenvolvimento econômico e de transformação social, o setor de mineração brasileiro passa por desafios na Justiça que vão desde a responsabilidade por impactos ambientais até a solução para processos litigiosos no exterior. O CB Debate convidou juristas para debaterem essas e outras questões.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou que o setor mergulha em um novo contexto, com aspectos emergentes como a sustentabilidade e os direitos dos povos tradicionais e das comunidades locais, que passam a ser objeto de tutela jurídica. "Da mesma forma que a segurança jurídica aplicável ao aproveitamento mineral evoluiu, também questões relacionadas à preservação ambiental, direitos de povos tradicionais e comunidades locais adquiriram uma nova dimensão, representando interesses legítimos merecedores da tutela jurídico-administrativa", destacou.

O direito minerário do Brasil é responsável por instruir sobre quais são os direitos e deveres que o Estado e empresas privadas têm diante dos compromissos com a preservação do meio ambiente. Mendes ressaltou que a preocupação se voltou para as questões sustentáveis.

O magistrado comentou sobre o julgamento do STF, de maio de 2023, que suspendeu a regra que presume a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica que o adquiriu. A medida leva em conta, entre outros aspectos, o combate ao garimpo ilegal na Amazônia e em terras indígenas.

"O Supremo, certamente, está atento a essa realidade. No ano passado, por exemplo, nos deparamos com sérios problemas envolvendo as populações indígenas, situações que evidenciaram total abandono pelo Estado brasileiro", disse.

No evento, Gilmar Mendes citou a responsabilidade do poder público em autorizar e licenciar áreas que podem ser exploradas pelo mercado de mineração. Ele também chamou atenção para medidas que possam minimizar o impacto ambiental. "Nesse cenário, verificamos que a norma impugnada permitia que o ouro extraído de forma ilegal acabasse sendo escoado com a aparência de licitude, embora deixando um rastro de poluição e violência para trás. A primeira providência foi tentar entender melhor o quadro fático jurídico solicitando informações aos órgãos governamentais envolvidos na cadeia", afirmou o ministro.

Ao comentar a fala de Gilmar Mendes sobre exploração fora da lei, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, esclareceu que a mineração não tem nenhuma relação com casos de garimpo ilegal em terras indígenas.

"Quando ele se refere ao desflorestamento que está articulado à mineração do ouro, eu queria deixar bem claro que não está se falando de mineração, está se falando sobre garimpo ilegal. Quem está por trás do garimpo ilegal é o crime organizado, com o narcotráfico, com o contrabando, com a lavagem de dinheiro", disse.

Economia

O procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, afirmou que a segurança jurídica é a própria razão da existência do estado e é um dos pilares fundamentais para o funcionamento da democracia. De acordo com o jurista, a segurança jurídica permite o funcionamento não só das atividades da área de mineração, mas, sim, de toda a economia da sociedade.

"Não se pode fazer nenhuma análise de termos jurídicos de importância econômica singular como a mineração sem ter em vista o que é a segurança jurídica. Segurança é, na verdade, a própria razão de ser o direito. O direito busca Justiça e busca segurança. Se nós buscarmos os filósofos políticos, eles sempre indicam que passamos do estado de natureza para a comunidade política para obter segurança. Segurança de várias espécies", destacou.

Segundo Gonet, a segurança jurídica determina que o poder público também esteja sujeito às regras da sociedade. "O Estado também segue as normas, ele também se submete a elas, respeita as normas. E respeitar as normas é manter-se em vigor. Não existe direito se não há estabilidade, se não há continuidade. O direito projeta-se para o futuro", disse Gonet.

Para o procurador-geral, uma das balizas da segurança jurídica é a norma de transição, que permite que a sociedade se adapte a mudanças que afetam diversos setores. Ele apontou que o Estado deve ter compromisso com a estabilidade e evitar mudanças drásticas. "O compromisso com a estabilidade, com as promessas que o poder público faz, não pode deixar de ser atendido. Não só pelos motivos éticos, mas pelo motivo jurídico. Motivo esse que ganha nome de segurança jurídica", concluiu.

Raízes históricas

O ministro aposentado Nelson Jobim, ex-presidente do STF e ex-ministro da Defesa, abordou a judicialização em razão do apequenamento da política. "Essa judicialização veio do sistema de separação dos Poderes e a adoção do judicial começou a encolher. A nova legislação dos governos pela constitucionalidade dos direitos sociais econômicos, os últimos acordos dos grupos de interesse de oposição política, com o objetivo de provocar a concretização e modificação de programas políticos e poder", disse.

Jobim avaliou que o Brasil falha em estabilidade jurídica. "Nós não temos segurança jurídica. Na medida em que você se auto atribui ao Poder Judiciário, há possibilidade de dar soluções de conveniência do problema, em vez de soluções na sentença em relação à aplicação da lei", apontou.

O ministro aposentado relacionou a divisão de poderes com a segurança jurídica, tema também analisado por Gilmar Mendes em sua fala no evento. Jobim afirmou que o Judiciário deve se conter na resolução de conflitos.

"Temos que pensar muito bem nessa extrapolação. Extrapolação em que é necessário, no meu ponto de vista, que o poder Judiciário volte claramente ao princípio de não-contenção para exatamente evitar essa extrapolação difícil. Ou seja, ter mais segurança jurídica", disse.

(Luana Patriolino, Rafaela Gonçalves, Renato Souza, Victor Correia e Julia Portela)

 

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postado em 06/09/2024 03:55
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