O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro do segundo trimestre divulgado, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreendeu positivamente, desencadeando uma série de revisões para cima do crescimento econômico de 2024, que passaram a prever taxas perto de 3%.
Conforme os dados do IBGE, o principal indicador de atividade econômica do país avançou 1,4% na margem (em relação aos três primeiros meses anteriores), após a alta revisada de 1% de janeiro a março (antes, era de 0,8%), acumulando R$ 2,9 trilhões. O resultado superou a mediana das previsões dos analistas do mercado, de 0,9%, e a projeção do Ministério da Fazenda, de 1,1%. Na comparação com o mesmo período de 2023, o crescimento foi maior, de 3,3%, e, no acumulado em 12 meses até junho, a variação foi de 2,5%.
A taxa de crescimento do PIB brasileiro ficou em segundo lugar no ranking de 58 países elaborado pela Austin Rating, ao lado de Arábia Saudita e Noruega, que também registraram avanço de 1,4% no segundo trimestre em relação ao anterior.
A lista da Austin é liderada pelo Peru, cujo PIB avançou 2,4% na mesma base de comparação. O PIB dos Estados Unidos, embolado com vários países em 7º lugar, teve alta de 0,7%. O avanço da atividade brasileira também ficou acima da média geral do ranking, de 0,4%, e da média dos países do Brics (grupo das economias emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Os dados do IBGE foram comemorados pelo governo e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizou que a pasta vai revisar a projeção do PIB deste ano dos atuais 2,5% para mais de 2,8%. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também sinalizou viés de alta para a projeção atual da entidade para o PIB deste ano, de 2,4%. "A CNI considera que a composição do crescimento do PIB no período tem características mais saudáveis em relação ao que foi visto no ano passado, pois o resultado é menos baseado na demanda externa e mais no avanço dos investimentos", informou a nota da entidade.
Analistas ouvidos pelo Correio reconheceram que o resultado do PIB brasileiro superou as expectativas mais otimistas, mas demonstraram preocupação com o fato de que um dos principais motivos desse desempenho mais forte na atividade foram os gastos do governo.
Demanda interna
De acordo com os dados do IBGE, o crescimento do PIB de 1,4%, foi impulsiondo, pelo lado da oferta, pela indústria com avanço de 1,8% — puxado pelos segmentos de energia e de construção, que cresceram 4,2% e 3,5%, respectivamente — e pelos serviços, que registraram alta de 1% e é o setor que mais emprega, com um peso em torno de 70% no indicador da atividade. E, ao contrário do ano passado, quando bateu recordes de produção e alavancou o PIB, a agropecuária contribuiu negativamente no trimestre, com queda de 2,9%.
Do lado da demanda, além dos gastos do governo que cresceram 1,3% na margem, o consumo das famílias apresentou a mesma variação, em grande parte, devido ao aumento da massa salarial, impulsionada pelo retorno do aumento real do salário mínimo, e dos benefícios pagos pelo governo. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) avançou 2,1% no segundo trimestre em relação ao ano anterior. As exportações registraram expansão de 1,3% e as importações dispararam 7,6% na mesma base de comparação.
Silvia Matos, do FGV Ibre, ressaltou que a demanda interna cresceu acima da média do PIB no semestre, de 2,9%, pois o consumo das famílias acumulou alta de 4,6% — refletindo o aumento da renda e a melhora no mercado de trabalho —, e isso também gera pressão inflacionária. Segundo ela, não é só o PIB mais forte que está pressionando a inflação. Neste mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mudou a bandeira tarifária para vermelha nível 2.
"A energia mais cara agora deve ter um repasse sobre serviços e outros preços, pressionando mais ainda a inflação, que vai resultar em juros mais altos. Não tem almoço grátis na economia", resumiu ela, em referência ao fato de que o forte aumento dos gastos do governo, agora, mostra a fatura para a população.
Matos lembrou que outra medida que contribuiu para alavancar o consumo das famílias foi a antecipação do 13º salário dos aposentados, que injetou R$ 67 bilhões na economia entre abril e maio, recordou a economista do Ibre.
"Esse adiantamento ajudou a melhorar o consumo das famílias, mas vai comprometer os gastos dos aposentados e pensionistas no fim do ano", alertou a economista do Ibre. Ela contou que, diante dos dados mais fortes do PIB, elevou de 2,3% para 2,7% a previsão do PIB deste ano e lembrou que, na segunda metade do ano, a tendência para a atividade econômica é de desaceleração. "O comportamento do PIB no terceiro e no quarto trimestres deve lembrar o que aconteceu no ano passado, quando o segundo semestre foi mais fraco e até negativo, mas, depois, acabou sendo revisado para cima. Logo, podemos ver um PIB próximo de zero entre julho e setembro", disse. Pelas projeções ainda do Boletim Macro do Ibre, o PIB deve recuar 0,2% no terceiro trimestre.
O setor produtivo demonstrou otimismo com os resultados do PIB. Em nota à imprensa, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, ressaltou que o avanço do PIB acima das expectativas confirmou o "bom dinamismo dos dados correntes da economia", e, além do forte crescimento do consumo, o avanço de 2,1% na taxa de investimentos de longo prazo no país, que subiu de 16,4% do PIB para 16,8% do PIB, "indica a necessidade de perseverarmos no caminho das reformas econômicas para seguir impulsionando os investimentos ao longo dos próximos trimestres e anos". Pelas estimativas dele, "existem condições de atingirmos crescimento na faixa de 3% em 2024, mesmo com alguma acomodação na expansão ao longo do segundo semestre". "O desempenho aponta que as condições para o crescimento da economia estão dadas e, se avançarmos com novas sinalizações positivas no campo fiscal, provavelmente teremos novas surpresas positivas nos próximos trimestres", acrescentou.
Alta de juros
Na avaliação dos especialistas, os dados mais fortes do PIB mostram que a economia está aquecida e, portanto, aumentam as pressões inflacionárias — um dos principais riscos monitorados pelo Banco Central. Com isso, o consenso entre os analistas é de que o BC começará a aumentar os juros ainda neste mês.
As apostas são de uma alta de, pelo menos, 0,25 ponto percentual, mas algumas projeções indicam um aumento maior e alertam que o ciclo poderá se estender por, pelo menos, quatro reuniões, com impacto de até 200 pontos-base na Selic, ou seja, a taxa, atualmente em 10,50% ao ano, poderá chegar a 12,50% no fim do aperto monetário. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) ocorre nos dias 17 e 18 e especialistas também estão revisando a projeção da taxa básica para dezembro deste ano, com estimativas variando entre 11,50% e 11,75%, que poderão estar no próximo boletim Focus, do Banco Central.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, por exemplo, já vinha prevendo alta de 0,25 ponto percentual na taxa Selic a partir do próximo Copom, desde a última reunião, de julho, quando o colegiado deixou a porta aberta para o aumento dos juros em meio à expansão fiscal do governo, que segue em ritmo acentuado. "O PIB do segundo trimestre veio bem melhor do que o esperado, e, agora, mesmo se o país não crescer nos dois próximos trimestre, o carregamento estatístico do primeiro semestre vai para 2,5%", explicou Padovani. Ele contou que está revisando a previsão de crescimento do PIB deste ano para 2,8%, mas tem a impressão de que o "voo de cruzeiro" da economia brasileira está próximo de 3%. Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating prevê alta de 0,25 ponto porcentual na taxa básica, "moderando a curva". "Se o Copom começar elevando os juros com 0,50 ponto percentual, ele poderá sinalizar que a situação é mais grave do que parece. A dúvida, então, será como os membros do comitê devem analisar esse cenário", destacou Agostini. Para o economista, há fatores suficientes para a alta de juros chegar a 11,75% no fim deste ano, porque "o fiscal não está ajudando" e os diretores do BC serão obrigados a voltar a aumentar a taxa de juros.
Sergio Vale, economista-chefe da MB associados, tinha uma das projeções mais otimistas do mercado para o PIB do segundo trimestre, de 1,2%, e já revisou de 2,4% para 2,8% a estimativa de avanço do PIB de 2024. Ele também reconheceu que, com a bandeira vermelha afetando a conta de luz, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — indicador da inflação oficial — vai encerrar o ano em 4,5% no teto da meta, considerando que a bandeira permaneça nesse patamar até dezembro.
"Se adicionarmos a pressão de demanda que vem acelerando, o BC não terá alternativa a não ser subir os juros em setembro. A chance maior era de 0,25, mas a possibilidade de alta de 0,5 aumentou e deve se consolidar", alertou Vale, que elevou para 11,50% a previsão para a taxa Selic no fim deste ano.
A economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também reconheceu que os dados do PIB são positivos, mas lembrou que é preciso cautela na comemoração. Ela não tem dúvidas de que o Copom deverá aumentar os juros na próxima reunião porque os riscos de preocupação para isso na reunião anterior foram todos confirmados e o PIB mais forte completou a lista e, por conta disso, estima um aperto monetário de até dois pontos percentuais na taxa Selic daqui para frente.
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