DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Excesso de oferta de energia é desafio para o setor eólico

O segmento vive um momento desafiador com excesso de energia no mercado e menor demanda. Apesar do cenário, empresa dinamarquesa aposta no país como protagonista da transição energética e vê potencial do hidrogênio verde

Aquiraz (CE) — Apesar de ser uma grande potência de energia limpa, o setor eólico vive um contexto desafiador. O excesso de energia no mercado, em especial por conta do crescimento da matriz solar, tem resultado, consequentemente, na redução da demanda por parques de produção. Mesmo diante deste cenário, a dinamarquesa Vestas, líder mundial na produção de turbinas eólicas, anunciou um novo investimento de R$ 130 milhões em unidade localizada no município de Aquiraz, no Ceará.

A empresa é pioneira em energia eólica offshore e a maior fabricante do mundo, com 179 GW de capacidade instalada em 88 países. O montante será destinado para a fabricação das primeiras turbinas V163-4,5 MW no Brasil, a mais atual e de maior capacidade do mercado.

A turbina é uma evolução do modelo V150, com um tamanho de rotor maior, com uma área de varredura das pás 18% maior. Com pás de 80,1 m, o V163-4,5 MW tem uma grande relação entre o tamanho do rotor e a potência, resultando em um fator de capacidade mais alto e uma maior potência em velocidade de vento médio e baixo quando a demanda por energias renováveis é alta.

O CEO da Vestas para a América Latina, Eduardo Ricotta, disse ter sido questionado sobre o novo aporte no Brasil diante do momento de cautela do mercado, mas demonstrou confiança no potencial da matriz eólica no país. "O setor tem passado por uma desindustrialização acelerada. Vivemos um momento difícil na indústria, em que vários fabricantes hibernaram ou deixaram o Brasil, e isso teve efeito em toda a cadeia produtiva. Mas não faz sentido que o Brasil, com todas as suas vantagens naturais, viva apenas como comprador da energia de outros países", disse a jornalistas, na véspera do anúncio do investimento.

Divulgação - Ricotta: "Nordeste é um hub perfeito para fazer exportação"

Em maio, a Aeris Energy, fabricante de pás eólicas localizada no Complexo do Pecém, em Caucaia, demitiu cerca de 1,5 mil funcionários. O corte em massa ocorreu após a companhia, com capital aberto na bolsa brasileira, ter anunciado o fim do contrato com a europeia Siemens Gamesa.

De acordo com a empresa, a redução do volume de vendas levou à readequação do quadro de colaboradores. Em nota divulgada pela companhia, a Aeris afirmou que 2024 representa um desafio no Brasil e projeta que o mercado externo pode atingir cerca de 40% da receita até o próximo ano, com oportunidades em Estados Unidos, Chile, México e Argentina.

O exemplo da parceira comercial não inibiu a aposta da Vestas. Segundo Ricotta, o objetivo do aporte é manter a cadeia viva, visando protagonismo na transição energética. "Para que a transição energética aconteça, é necessário existir uma indústria. E nós entendemos que esse pacote de investimentos e incentivos seja a grande virada. Se quisermos fomentar a neoindustrialização verde, precisamos assegurar uma indústria eólica nacional forte", disse o CEO, que afirmou que o Ceará tem as melhores condições para isso.

Atualmente, o Brasil tem mais de 30gw de potência eólica instalada, o que representa 15% da matriz elétrica brasileira. Em 2023, a região Nordeste representou 92% da geração eólica no país. Conhecido como a terra dos melhores ventos, o estado do Ceará está se consolidando como um grande polo da indústria de energia renovável.

A geração de eólica corresponde a 46% da matriz energética do estado, que conta com 100 parques eólicos, que geram 2.577mw de potência, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Há, ainda, outros 72 empreendimentos em construção ou obras não iniciadas, com capacidade contratada de 2.876mw.

Créditos tributários

Durante o anúncio dos investimentos, o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), destacou a importância do diálogo entre o setor público e o privado para o desenvolvimento e afirmou que "o setor de energias renováveis é prioridade". O chefe do Executivo Estadual assinou um memorando de entendimento entre o governo e a empresa Vestas, que permitirá a transferência de créditos tributários acumulados entre 2019 e 2021 a terceiros.

O incentivo industrial vai abarcar especialmente novos empreendimentos de geração de energia eólica a serem implantados no estado utilizando turbinas fabricadas em Aquiraz e pás produzidas no Pecém.

Segundo o governador, será uma cooperação mútua para a ampliação do processo fabril da empresa e seus fornecedores no estado. "Nós compreendemos que o setor de energia está passando por uma mudança muito grande. A economia do Ceará tem tudo para crescer e eu tenho compreensão de que os governos têm que contribuir para isso. Então, não mediremos esforços para ajudar as empresas com a política tributária de reconhecimento de direitos que as empresas têm a receber do estado", destacou Elmano de Freitas.

Potencial

O hidrogênio verde é uma das apostas para o setor, visto que sua produção deve aumentar abundantemente a demanda por energia. Além de ser considerado o combustível do futuro, na indústria de fertilizantes, o hidrogênio pode gerar a amônia, base para a produção de nitrogenados. O CEO da Vestas definiu como "questão de tempo", para o Brasil se tornar um polo exportador de combustível verde.

"O Nordeste é um hub perfeito para fazer exportação. É óbvio que aqui no Brasil há uma demanda, por exemplo, para fertilizantes, mas também acreditamos que haverá uma demanda grande por amônia verde", destacou Ricotta, que afirmou que, no mais curto prazo, a abertura do mercado livre a todos os consumidores e a realização de leilões de reserva (LER) são algumas das medidas que podem ajudar a cadeia de fornecimento de geração eólica a ter previsibilidade de demanda para se reerguer da atual crise no país.

O mercado também está de olho no avanço de ferramentas de inteligência artificial (IA). Um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) do início deste ano estimou que o consumo de energia em centros de processamento de dados no mundo, que foi de 460 terawatt-hora (TWh) em 2022, pode chegar a 1.050 TWh em 2026 com o avanço da IA.

O número equivale ao dobro da energia que o Brasil consome em um ano, cerca de 500 TWh. Ou seja, é como se o consumo de um Brasil e meio fosse utilizado apenas pelos data centers, que estão em expansão para dar conta da nova demanda de processamento em alta velocidade. Esse aumento de demanda também é visto como uma oportunidade para o setor eólico.

Regulação das offshore

Sobre as eólicas offshore (em alto-mar), a Vestas considera que ainda há um longo caminho a se percorrer e alerta para um atraso na regulação do setor, que está previsto para o desenvolvimento dos primeiros projetos a partir de 2032. Licenciamento, engenharia e financiamento são questões em aberto.

"O arcabouço regulatório ainda não foi finalizado, com projetos de bilhões de investimentos travados por conta dessa indefinição. Pensando em indefinições como o pagamento de royalties a longo prazo, há uma discussão muito grande ainda que vai definir o preço da energia. A vantagem do offshore é estar próximo da demanda, mas faltam definições", destacou o CEO.

A Comissão de Infraestrutura do Senado deve focar sua atuação neste semestre no marco da exploração das offshore. O texto polêmico, aprovado pela Câmara dos Deputados no final de 2023, recebeu emendas que modificam a proposta original, tratando também de gás natural, pequenas centrais hidrelétricas e novos benefícios para a produção de carvão.

A repórter viajou a convite da Vestas


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