Em tom mais duro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixou claro, na ata de sua última reunião, divulgada nesta terça-feira (6), que todos os diretores da instituição concordam em aumentar os juros, se for necessário, sem hesitação. Analistas do mercado começaram a precificar, inclusive, aumento da taxa básica da economia (Selic) na próxima reunião do colegiado, marcada para os dias 17 e 18 de setembro, especialmente se o dólar continuar valorizado como atualmente, em torno de R$ 5,70.
Na reunião dos dias 30 e 31 de julho, o Comitê decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica da economia em 10,50% ao ano. A ata também ficou maior do que a anterior em sete parágrafos e reforçou a preocupação com a piora dos cenários interno e externo e do quadro fiscal. Não à toa, o uso da palavra "risco" passou de seis, no Copom de junho, para 11, no de julho.
No documento, o grupo de nove diretores do BC ressaltou que "o momento corrente é de ainda maior cautela e de acompanhamento diligente dos condicionantes da inflação, sem se comprometer com estratégias futuras". "À luz desse acompanhamento, o Comitê avaliará a melhor estratégia: de um lado, se a estratégia de manutenção da taxa de juros por um tempo suficientemente longo levará a inflação à meta no horizonte relevante; de outro lado, o Comitê, unanimemente, reforçou que não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta se julgar apropriado", destacou a ata, no parágrafo 25.
Apesar de o Copom ser bastante enfático ao admitir que poderá subir juros, Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, acredita que o BC ainda vai ter cautela antes de começar a aumentar a Selic. "Existe uma sinalização de que, se o cenário piorar, eles vão subir a taxa de juros, mas que, neste momento, vão aguardar mais informações para saber se a manutenção da taxa é compatível com o cenário de ancoragem das expectativas e convergência da inflação. Então acho que eles vão aguardar mais informações até por conta da volatilidade do cenário externo. Mas a ideia é guardar informações e, eventualmente, tomar uma decisão. Se for ter que tomar uma decisão diferente, é subir juros", resumiu.
Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, avaliou que o Comitê mostrou na ata que "se o câmbio não reagir, um ciclo de alta, começando em setembro, será inevitável". "A ata do Copom transmitiu a mensagem que o comunicado não entregou: ficou claro que todo o comitê, não apenas alguns membros, está pronto para aumentar a Selic caso as tendências recentes nas expectativas de inflação e na dinâmica da taxa de câmbio persistam", destacou o economista do Itaú em relatório aos clientes.
A decisão do Copom foi anterior à piora do cenário externo, que derrubou as bolsas internacionais em meio ao aumento dos temores de uma recessão nos Estados Unidos, a maior economia global e que fez o dólar disparar, na segunda-feira, para R$ 5,74.
Comunicação dura
"A comunicação (da ata do Copom) foi bastante dura, o Banco Central assumiu a existência de riscos assimétricos para cima no cenário de inflação e concluiu que o processo de desinflação arrefeceu, tornando a convergência da inflação à meta desafiadora. Por fim, manteve o cenário externo desafiador e debateu as estratégias para a convergência da inflação: manter o juros atual por muito tempo ou ajustá-lo, dependendo da evolução dos dados", afirmou Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital. Apesar dessa sinalização, ela manteve a projeção de Selic estável em 10,50% até dezembro de 2024.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, ressaltou que o tom mais duro da ata do Copom em relação ao comunicado de quarta-feira passada incluiu a alta da Selic no cardápio dos próximos passos e no novo balanço de riscos, "todos os membros concordaram que há mais riscos para cima na inflação", além de vários membros enfatizarem assimetria.
"Os novos dados e eventos vão determinar o ambiente global nas próximas semanas: risco de recessão nos EUA é desinflacionário, apesar de machucar o câmbio dos emergentes", disse Gonçalves. Ele também manteve em 10,50% a previsão para a taxa Selic até o fim do ano.
O estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sergio Goldenstein, considerou o parágrafo 25 como o "mais importante da ata", porque, nele, o Copom afirma que é desafiador o cenário marcado pelas projeções mais elevadas e mais riscos para a alta da inflação. "Menciona que a definição dos próximos passos da política monetária dependerá bastante do desenrolar do cenário, sem se comprometer com estratégias futuras. Assim, aponta que avaliará a melhor estratégia: de um lado, se a manutenção da taxa Selic por um período suficientemente longo levará a inflação à meta no horizonte relevante e, de outro lado, unanimemente reforça que não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta se julgar apropriado", afirmou.
Cenários
Na ata, o Copom também reforçou a preocupação com a questão fiscal e destacou que a percepção dos agentes financeiros sobre o aumento dos gastos públicos. De acordo com ata, "o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade".
"O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária", alertou o colegiado. A ata repetiu o trecho de notas anteriores destacando o fato de que "políticas monetária e fiscal síncronas e contracíclicas contribuem para assegurar a estabilidade de preços e, sem prejuízo de seu objetivo fundamental, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego".
Câmbio
No cenário de referência para a trajetória da taxa de juros, o Comitê elevou a taxa de câmbio para o dólar de R$ 5,30 para R$ 5,55 e adotou a "hipótese" de volta da bandeira tarifária verde entre dezembro de 2024 e de 2025. O colegiado ainda destacou, na ata, que manteve o entendimento usual, sem qualquer alteração, "de que o horizonte relevante para a política monetária é de seis trimestres à frente, correspondendo, agora, ao primeiro trimestre de 2026", e reconheceu que a inflação segue acima do centro da meta, de 3%, mas dentro do limite de tolerância de 4,50%.
"Em ambos os cenários apresentados, de referência e alternativo, há um processo de desinflação ao longo do horizonte, mas a projeção para o horizonte relevante está acima da meta de inflação de 3%", destacou a ata. "O Comitê avalia que o cenário externo se mantém adverso. A menor sincronia nos ciclos de queda dos juros, já iniciados em alguns países avançados e ainda por iniciar em outros, contribui para a volatilidade de variáveis de mercado", ressaltou o texto.
A mediana das projeções de inflação do mercado coletadas no boletim Focus, do Banco Central, passou para 4,12%, em 2024, e para 3,98%, em 2025. Para 2026, a previsão foi mantida em 3,60%.
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