A semana começou em clima de tensão nas bolsas internacionais, com o temor de uma recessão nos Estados Unidos, que refletiu no mercado brasileiro, em meio à expectativa da divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na manhã desta terça-feira (6). Em reação aos dados de desemprego nos Estados, as bolsas tiveram forte queda nesta segunda, como a de Tóquio, cujo índice Nikkei despencou 12% em um só dia.
A ata do Copom deve detalhar os motivos para a manutenção da taxa básica da economia (Selic) em 10,50% ao ano, pela segunda reunião seguida. De acordo com analistas ouvidos pelo Correio, o aumento das incertezas nesta semana reforça o argumento do Copom, ao justificar a decisão, que foi unânime, de que é preciso cautela diante da desancoragem das expectativas e do cenário global incerto.
No boletim Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, a mediana das estimativas do mercado para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024 voltou a subir, pela terceira semana seguida, passando para 4,12%. Para 2025, passou de 3,96% para 3,98%. As projeções para o dólar e a Selic no próximo ano também foram reajustadas para cima, de R$ 5,25 para R$ 5,30, e de 9,50% para 9,75%, respectivamente.
Piora fiscal
Para o economista João Luiz Mascolo, sócio da consultoria SM Managed Futures, um dos motivos de o dólar seguir valorizado frente ao real em vez de cair, mesmo após o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) ter sinalizado, na quarta-feira passada, que poderá começar a reduzir os juros básicos a partir de setembro, é a piora do quadro fiscal. O governo anunciou um congelamento de gastos de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano que é insuficiente para cumprir as metas fiscais, e, diante da escalada dos gastos neste ano, a dívida pública bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) segue crescendo. Em junho, chegou a 77,8% do PIB e o deficit nominal — que inclui a conta de juros da dívida — passou de R$ 1,1 trilhão e atingiu patamar superior ao rombo fiscal da época da pandemia da covid-19, conforme dados do Banco Central.
"Em tese, o real deveria se valorizar com o Fed anunciando corte de juros, mas não foi o que aconteceu. Isso mostra que o risco fiscal está se sobrepondo à questão dos juros internos", explicou Mascolo. Para ele, o cenário é de muita cautela para os próximos meses, porque ainda haverá muita incerteza nos mercados interno e externo.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também demonstrou preocupação com o quadro fiscal e admite que há risco de mudança da meta, "apesar de ainda ser menos provável, mas a possibilidade de isso acontecer é suficiente para aumentar a percepção de risco". "Vale lembrar que o governo tem prometido ajuste fiscal desde a eleição do presidente Lula, mas o fato é que a dívida bruta subiu cinco pontos percentuais nesse período. O deficit primário do governo federal estava em 2,62% do PIB em junho de 2024, apesar de ter encerrado o fim de 2022 com um superavit primário de 0,55% do PIB", destacou.
"O que é interessante de se observar é que a situação fiscal é mais difícil do que se costuma considerar. O resultado primário do governo federal desconsiderando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está positivo em R$ 137 bilhões em 12 meses até junho. Entretanto, o rombo do INSS chegou a R$ 282 bilhões no mesmo período. Além do resultado negativo da Previdência, que se mantém estável, mesmo com a reforma da Previdência de 2019, o fato é que o primário saiu de um resultado positivo de R$ 339 bilhões acumulados em 12 meses até julho de 2022 para esse resultado pior de agora", acrescentou. Ele lembrou que o deficit da Previdência deverá continuar crescendo nos próximos anos, se nada for feito e poderá chegar a 10% do PIB "em poucas décadas", de acordo com estudo recente dos economistas Fabio Giambiagi e Paulo Tafner.
Ata cautelosa
O consenso entre analistas é de que o Banco Central deve se manter cauteloso na condução da política monetária. A turbulência recente do mercado financeiro que aconteceu nos últimos dias "só vai reforçar o discurso de cautela da ata do Copom", que será divulgada hoje, de acordo com Luis Leal, economista-chefe da G5 Partners. "O interesse para ver é se houve discussão para tornar o balanço de riscos assimétrico para cima", destacou. Ele lembrou que outra dúvida em relação à ata será em torno do cenário alternativo classificado Banco Central, se ficará ao redor da meta ou acima da meta, de 3% com teto de 4,50%.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, considera que houve exagero na recente reação dos mercados por conta dos temores de uma recessão nos EUA, após vários indicadores ficarem abaixo do esperado, como emprego. "Há muita volatilidade no mercado global nesses últimos dias. Agora, é como vai ser o comportamento dos mercados. O Fed mal falou em cortar juros, já precificam exageradamente dois cortes de 0,5% seguidos", afirmou.
Sergio Vale, da MB, reforçou que a ata do Comitê vai tratar do cenário anterior e o que foi discutido até a última quarta-feira, e, portanto, a piora recente dos últimos dias deverá pesar na pauta da próxima reunião do Copom, em setembro. Na avaliação dele, o Copom deverá manter a taxa Selic no atual patamar novamente, mas ele não descarta a chance de uma sinalização de alta dos juros mais à frente. "Aumentou bastante a probabilidade de aumento de juros, com a tensão externa e o fiscal mal encaminhado aqui dentro, mas ainda não é o cenário base", afirmou. Ele lembrou ainda que o mais importante nos próximos meses vai ser a definição do próximo presidente do BC e haverá, portanto, muito ruído no mercado em torno das trocas dos diretores até o fim do ano.
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