Chamado de "combustível do futuro", o hidrogênio verde já começa a fazer parte do presente na sociedade brasileira. A partir de estudos realizados com outras empresas e universidades, a Rede Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação (RBCIP) — associação civil sem fins lucrativos voltada para a inovação científica e tecnológica — lançará, em outubro, uma usina para a fabricação do produto no campus da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande.
Projeções realizadas pela entidade indicam que, até 2030, a nova usina deve movimentar cerca de R$ 2 bilhões. Além do investimento, os idealizadores do projeto esperam capacitar, anualmente, cerca de 500 profissionais, entre especialistas, professores e engenheiros, com a implementação da fábrica. O projeto, caracterizado como P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), conta com a colaboração da empresa estrangeira Green World Energy Hydrogen (GWE).
Integrantes do RBCIP e da GWE viajaram à China para conhecer mais sobre a tecnologia e as instalações de projetos voltados à produção em larga escala de hidrogênio verde no país asiático, que detém os avanços mais recentes na produção, armazenamento e distribuição do combustível. Durante a visita, também foi acompanhado um Teste de Aceitação de Fábrica (FAT) de um eletrolisador de última geração, responsável pela fabricação do hidrogênio.
Para o coordenador do projeto da nova usina, Marcelo Fiche, a troca de experiências com os chineses é muito positiva.
A RBCIP também possui um escritório em Hamburgo, na Alemanha. O país europeu é um dos mais avançados na pesquisa e fabricação do hidrogênio verde e foi a primeira nação estrangeira a investir em usinas no Brasil. Desde o ano passado, já foram lançados três polos de P&D nas universidades federais de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais — todas com investimento do governo alemão.
De acordo com o coordenador do projeto, o foco da rede de pesquisa é atuar apenas para o avanço do mercado nacional. "A RBCIP nunca pensou em trabalhar o hidrogênio para o desenvolvimento do mercado externo". Ele complementa que o objetivo é lançar as bases para o uso do hidrogênio em larga escala. "Como a gente pode apoiar a disseminação do conhecimento do hidrogênio? Esse é o nosso foco", garante. "O hidrogênio pode ser, também, mais uma opção de armazenamento da energia", completa Ficher.
Marco regulatório
Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2308/2023, que institui o Marco Regulatório do Hidrogênio Verde. O PL retornou à Câmara após sofrer alterações pontuais no Senado Federal. O texto aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se tornar lei.
A ideia é que, nos próximos anos, haja mais estudos para a substituição dos combustíveis fósseis pelo hidrogênio verde no país. Os incentivos incluem benefícios fiscais para as empresas que decidirem fabricar o produto em solo brasileiro.
"Essa matéria, ao lado de outras que já votamos aqui, coloca o nosso parlamento em uma rota de compromisso com a transição energética e transformação ecológica, o que possibilita nos qualificar e aprofundar o compromisso, para que o Brasil possa ser vanguarda da nova economia: a economia de baixo carbono", comentou o relator do projeto na Câmara, Deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), após a aprovação da matéria.
O setor industrial comemorou a aprovação do projeto. Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou que o PL é um passo importante na corrida pela descarbonização no país. "A aprovação do marco legal é mais um passo importante na corrida pela descarbonização. Temos grande potencial de energias verdes para diminuir a pegada de carbono da indústria e para agregar valor à nossa manufatura", afirma o superintendente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
Já a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) entende que estabelecer regras claras e mecanismos que estimulem o uso do hidrogênio é fundamental para o desenvolvimento de toda sua cadeia de valor, de forma a contribuir para a redução de emissões de carbono. "É importante que os subsídios não sejam criados de forma cruzada, evitando assim penalizar os consumidores de energia e assegurando, assim, uma transição energética justa para o país", sustenta.
Mercado
O investimento em hidrogênio verde pode gerar um faturamento de R$ 150 bilhões anuais para o Brasil até 2050. Deste total, R$ 100 bilhões seriam provenientes das exportações da commodity, de acordo com a pesquisa Green Hydrogen Opportunity in Brazil (Oportunidade de Hidrogênio Verde no Brasil, em tradução livre). Além disso, estudo realizado por uma consultoria alemã aponta que o país tem as condições necessárias para se tornar o maior produtor mundial de hidrogênio verde.
De acordo com especialistas, o potencial energético do Brasil é inegável. O país tem 87% da sua matriz energética proveniente de fontes renováveis, como hidrelétricas, painéis solares e eólicas, mas há espaço para crescer ainda mais. Estudo da Deloitte Brasil aponta que o comércio global de hidrogênio pode gerar mais de US$ 280 bilhões em receitas anuais de exportação até 2050.
A diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Delgado, explica que, com um marco regulatório aprovado, a expansão comercial do hidrogênio verde já poderá ser uma realidade, em um cenário ainda de pesquisa e desenvolvimento. Nesse contexto, o país pode ser beneficiado pela proximidade com as matérias-primas, além de uma estrutura de energia limpa mais consolidada.
"Tem empresas muito interessadas no Brasil, justamente pelas vantagens que o país tem, da disponibilidade de energia renovável, da possibilidade de aumento de disponibilidade dessa energia, da possibilidade de mais energia eólica, por exemplo, da questão geopolítica brasileira, que é muito mais fácil de você manejar que em outros países do mundo", avalia.
Sobre o uso do combustível no setor automotivo, Delgado explica já tratar-se de uma realidade da Europa e que o Brasil deve passar por um período em que os carros movidos a hidrogênio verde sejam menos acessíveis. Apesar disso, o hidrogênio pode contribuir para a substituição de combustíveis fósseis, que são mais poluentes.
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