Há exatos 30 anos, o Brasil viveu um dos momentos mais emblemáticos de sua história econômica, com o lançamento oficial do Plano Real. O país, assolado por anos de hiperinflação, presenciou a introdução da nova moeda, o real (R$), em um único dia, 1º de julho de 1994, num esforço logístico monumental que envolveu diversos órgãos governamentais e a sociedade civil.
A introdução do real não foi uma tarefa simples. Envolveu uma preparação minuciosa e coordenada, que começou meses antes do lançamento oficial. A Casa da Moeda do Brasil teve que produzir e distribuir bilhões de cédulas e moedas em tempo recorde. Foram impressas cerca de 900 milhões de cédulas e cunhadas 900 milhões de moedas para garantir que o real estivesse disponível em todo o território nacional no dia do lançamento.
O Banco Central (BC) desempenhou um papel crucial na coordenação e supervisão de todo o processo. Além de garantir a produção do dinheiro, foi responsável por orientar as instituições financeiras e o comércio sobre a transição para a nova moeda. Campanhas educativas foram lançadas para informar a população sobre o funcionamento do real e a conversão dos preços, que eram baseados na Unidade Real de Valor (URV). Planejamento A distribuição das novas cédulas e moedas representou um desafio logístico sem precedentes.
Foi necessário um planejamento detalhado para assegurar que todas as agências bancárias, estabelecimentos comerciais e caixas eletrônicos estivessem abastecidos com a nova moeda em 1º de julho. Para isso, foram mobilizados aviões, caminhões e escoltas policiais em todo o país, garantindo a segurança e a eficiência da operação.
O economista e professor de mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo lembra que o esquema, montado e coordenado pelo Banco Central, contou com a grande colaboração do Banco do Brasil, que já tinha uma expertise na distribuição de numerário. Ele recorda que o Banco do Brasil tinha agência em praticamente todo o território nacional, em todos os municípios. “Então, por vários anos, desde a criação do BC em 1964, o BB vinha executando essas tarefas”, diz. “Através das diretorias regionais do Banco Central, em torno de 10, à época, eram feitas todas essas logísticas, e com a própria Receita Federal e a Casa da Moeda. O BC já tinha tudo articulado para que em 1º de julho, já tivesse o real nos municípios”, completa.
O especialista explica que, em relação aos carros-fortes nos municípios, sobre a quantidade de moeda para cada município e quanto cada cidade consumia de numerário já eram informações conhecidas pelo BC. “Foi montado toda uma plataforma que possibilitasse a logística, durante três meses. Isso começou em abril de 1994, para que, dia 1º de julho, todos os municípios tivessem uma quantidade de reais suficientes para atender ao público, e para dar credibilidade também a todo o processo do programa”, destaca. “Foi uma ação paralela às demais, foram várias atividades que foram desenvolvidas. Atualmente, não há dúvida de que foi um sucesso essa questão da distribuição do numerário. Dia 1º de julho, não faltou numerário em nenhum município do Brasil, sobretudo nas capitais, onde o movimento de dinheiro era bem maior”, aponta Bergo.
Diversos órgãos e instituições estiveram envolvidos na implementação do Plano Real: Banco Central (BC), que coordenou todo o processo de lançamento da nova moeda e forneceu orientações ao sistema financeiro e à população; Casa da Moeda do Brasil, responsável pela produção das cédulas e moedas; Ministério da Fazenda, que estava sob a liderança de Rubens Ricupero; Forças de Segurança, que garantiram a proteção do transporte das cédulas e moedas por todo o território nacional; e instituições financeiras e bancos, que implementaram a troca das moedas antigas pelo real e auxiliaram na disseminação das informações sobre o real.
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Rapidez essencial
O tempo de implementação do Plano Real foi notavelmente curto, em comparação com outras transações monetárias importantes, como a introdução do euro na União Europeia. A criação da moeda, que começou a ser planejada oficialmente com o Tratado de Maastricht em 1992, culminou na introdução física das cédulas e moedas somente em 1º de janeiro de 2002. Ou seja, levou aproximadamente uma década desde o início das negociações até a implementação completa.
O Plano Real, por sua vez, desde sua concepção inicial até a materialização, precisou de pouco mais de um ano. A Unidade Real de Valor (URV), usada no período de transição para a nova moeda e que tinha paridade ao dólar, foi introduzida em março de 1994.
Em julho do mesmo ano, o real entrava em circulação. Essa rapidez foi essencial para restaurar a confiança na economia brasileira e conter a hiperinflação. Segundo o economista e sociólogo Vinícius do Carmo, a troca da moeda hoje seria uma operação muito mais virtual do que física, graças à tecnologia.
“Apesar da facilidade do sistema hoje, contudo, é muito mais improvável essa troca. Temos uma moeda mundialmente reconhecida”, frisa. “Mas, se houvesse uma troca, ela seria menos complicada. Por exemplo, a demanda por papel, suponho, seria menor. A maioria já é em Pix, dinheiro virtual, só em 2023 foram mais de 40 milhões de Pix realizados. O que fizeram no começo do Plano Real foi hercúleo, não só a operação material de dinheiro, a estabilização toda, é coisa de Nobel.”
Em resumo, segundo especialistas, o lançamento do Plano Real, em 1º de julho de 1994, foi uma operação de logística e coordenação sem precedentes no Brasil. A rapidez e a eficiência com as quais a nova moeda foi implementada refletiram a urgência da situação e a determinação das autoridades em estabilizar a economia. Comparado com outras mudanças monetárias significativas, o Plano Real destaca-se pela sua execução ágil e eficaz, marcando um ponto de virada na história econômica do país.
“Chamam movimentações como a feita com o Plano Real vulgarmente, nas faculdades de economia, de teoria dos elefantes loucos. Um elefante, quando está fora de controle, só pode ser controlado por outro elefante. Foi um fundamento um pouco radical, mas que ajudou a estabilizar o real no nascimento. A âncora cambial foi providencial”, pontua Vinicius do Carmo.