CONJUNTURA

Dívida pública bruta e rombo fiscal retomam níveis da pandemia

Endividamento e rombo do setor público, incluindo conta de juros, aumentam para 77,8% do PIB e para R$ 1,107,9 trilhão, e retomam patamares de 2021, segundo dados Banco Central

Analistas alertam que esse resultado é consequência do afrouxamento das regras fiscais e do forte aumento de gastos que fizeram o rombo fiscal voltar a um quadro pior do que o registrado entre 2020 e 2021 -  (crédito:  Minervino Júnior/CB)
Analistas alertam que esse resultado é consequência do afrouxamento das regras fiscais e do forte aumento de gastos que fizeram o rombo fiscal voltar a um quadro pior do que o registrado entre 2020 e 2021 - (crédito: Minervino Júnior/CB)

Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter afirmado que está comprometido com a responsabilidade fiscal, os números divulgados pelo Banco Central, ontem, mostram uma realidade nada favorável ao discurso do petista. A dívida pública bruta segue crescendo e volta a se aproximar do patamar preocupante para países emergentes após o setor público registrar deficit nominal superior aos da pandemia da covid-19, entre 2020 e 2021.

Analistas alertam que esse resultado é consequência do afrouxamento das regras fiscais e do forte aumento de gastos que fizeram o rombo fiscal voltar a um quadro pior do que o registrado entre 2020 e 2021. Os dados estatísticos do BC mostram que a dívida pública bruta passou de 76,7% do Produto Interno Bruto (PIB), em maio, para 77,8% do PIB, em junho, atingindo o maior patamar desde novembro de 2021, somando R$ 8,691 trilhões, em valores nominais. Esse saldo também recorde implica em aumento de R$ 612,2 bilhões sobre o saldo de dezembro de 2023.

A taxa da dívida pública bruta em relação ao PIB é um dos principais termômetros globais sobre a capacidade de um país honrar seus compromissos. Aqui, ela segue crescendo devido ao aumento dos gastos do governo em ritmo muito mais acelerado do que a arrecadação, resultando em rombos fiscais. Os números da dívida bruta do Brasil calculada pelo BC estão acima da média de países emergentes e da América Latina. Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o endividamento público de economias emergentes e de países latino-americanos é de 69% do PIB e de 68% do PIB, respectivamente.

Rombo histórico

Ainda conforme dados do BC, a necessidade de financiamento do setor público consolidado (que inclui os governos federal e regionais e as estatais) foi deficitário em R$ 1,107,9 trilhão no acumulado em 12 meses até junho — equivalente a 9,92% do PIB. Foi o maior deficit nominal da história e supera o rombo janeiro de 2021, de R$ 1,016 trilhão, no auge do aumento de gastos emergenciais do governo no combate à covid-19.

De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, o aumento persistente da dívida pública bruta nos últimos meses não é surpresa, porque o rombo fiscal segue crescendo e continua distante da meta de deficit zero (com limite de 0,25% do PIB). "Os gastos públicos crescendo a uma taxa superior ao crescimento real da economia. Além disso, como a perspectiva do mercado para a inflação continua superior à meta central, de 3%, o Banco Central teve que manter um aperto monetário pelos juros e isso, claro, também refletiu em custo maior na colocação da dívida pública.

Analistas e especialistas em contas públicas demonstraram descaso com as declarações do presidente Lula de que não pretende gastar "mais do que ganha" a poucos dias de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que começa hoje e termina amanhã. "Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho", afirmou Lula em seu discurso em rede nacional.

A especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), questionou as declarações de Lula: "Isso é dissonância cognitiva? Ou será que, repetindo muitas vezes, alguém acredita? Ou ele acha que vai conseguir aumentar impostos? Ou o malfadado imposto inflacionário? Sigo tentando entender."

Selo paraguaio

A economista lembrou que, na sexta-feira passada, o Paraguai recebeu da agência de classificação de risco norte-americana Moody's o selo de bom pagador, algo que o Brasil perdeu em 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

"Enquanto Brasil caminha para uma dívida pública bruta de 80% do PIB neste ano ou no próximo, Paraguai atingiu grau de investimento, pela Moody's", comparou. "Uma das razões de sucesso: cumprir a LRF", acrescentou Nunes.

A classificação da Mood's para o país vizinho passou de Ba1 para Baa3, no primeiro nível de grau de investimento, mesma nota do Panamá e da Índia, e acima do Brasil — que está a dois degraus do selo de bom pagador (Ba2).

Meta na berlinda

O Banco Central inicia, hoje, a quinta reunião do Copom, com o dólar mais valorizado do que no último encontro. De acordo com relatório da XP Investimentos, o real teve o pior desempenho entre as moedas emergentes, e o cenário fiscal continua "bastante desafiador". "Acreditamos que será necessário um contingenciamento de despesas superior ao anunciado, tendo em vista a frustração com algumas medidas de elevação de receitas e a aceleração dos gastos obrigatórios", destacou o texto, em referência ao recente anúncio de contenção de R$ 15 bilhões de despesas no Orçamento deste ano. A XP prevê ainda nova alteração no centro da meta fiscal, passando de deficit zero para saldo negativo de 0,5% do PIB.

O consenso entre analistas do mercado é de manutenção na taxa básica da economia (Selic), atuamente em 10,5% ao ano. Analistas da XP esperam que a decisão seja "unânime".

 

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postado em 30/07/2024 03:59
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