Entrevista | Ricardo Cappelli | presidente da ABDI

"Campos Neto está em campanha", afirma Ricardo Cappelli

Ex-interventor da segurança pública do DF e atual dirigente da agência para indústria critica atuação do presidente do Banco Central. Ele defende que a PF investigue a alta do dólar e considera a responsabilidade fiscal um "falso debate"

O dirigente da ABDI fez um balanço de seus primeiros cinco meses no comando da agência e apontou para a necessidade de destravar
O dirigente da ABDI fez um balanço de seus primeiros cinco meses no comando da agência e apontou para a necessidade de destravar "gargalos regulatórios" para o investimento privado na indústria do país - (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

Mesmo com a proximidade do fim do mandato de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (BC), em dezembro, a disputa do governo com o chefe da autoridade monetária ainda está longe de arrefecer. Em entrevista ao Podcast do Correio, o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, afirmou que Campos Neto, está em campanha contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que é cotado como um futuro ministro da Fazenda da oposição.

"Ele está em campanha. Não estou sugerindo. Ele foi para um jantar com o governador de São Paulo (Tarcísio de Freitas), colocado como um candidato de oposição ao presidente Lula em 2026, e foi tratado como futuro ministro da Fazenda da oposição. O BC não é independente, não é um órgão técnico?", questionou.

Cappelli foi interventor federal na segurança pública do Distrito Federal à época dos ataques de 8 de janeiro. Agora, à frente da instituição que promove políticas de desenvolvimento industrial, defende que a Polícia Federal investigue a alta recente do dólar. "O câmbio subiu 7% em menos de 30 dias. Qual aplicação rende mais de 7% em um mês? E o Banco Central não interveio. Isso é omissão", atacou.

O dirigente da ABDI fez um balanço de seus primeiros cinco meses no comando da agência e apontou para a necessidade de destravar "gargalos regulatórios" para o investimento privado na indústria do país. Cappelli falou ainda sobre a possibilidade de concorrer ao governo distrital. Confira a entrevista:

Qual o balanço após cinco meses de ABDI?

O Brasil ficou praticamente oito anos sem política industrial, isso é grave. Agora a gente tem o Nova Indústria Brasil, a política industrial lançada pelo presidente Lula e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Estamos fazendo aquilo que o mundo inteiro está fazendo: retomar as políticas industriais de incentivo. A reindustrialização é a neo-industrialização, porque a indústria do século 21, ela é nova, não é apenas você recuperar as indústrias do século passado. Está acontecendo uma reorganização das cadeias de suprimentos no mundo. Esse movimento é muito intenso no mundo e que a gente está fazendo no Brasil é exatamente isso. Um estudo recente indicou que o Brasil subiu 15 posições no ranking de produção industrial, surpreendendo no primeiro trimestre deste ano. A indústria voltou, está gerando emprego, está gerando desenvolvimento e isso está se refletindo nos resultados do PIB.

Como é a divisão do papel da agência e do ministério?

A agência é um serviço social autônomo. É uma estrutura mais flexível, dinâmica, de direito privado. Funciona em sintonia com o ministério e apoia em algumas iniciativas, como, por exemplo, no monitoramento da política industrial. Por exemplo, os R$ 300 bilhões do Plano Mais Produção, estão indo para quais setores? Estão dentro das missões definidas pelo Nova Indústria Brasil? Qual é o resultado desse crédito? O monitoramento dessas metas está sendo construído pela ABDI.

Como avalia a eficiência das agências regulatórias e como a ABDI tem atuado em articulação com órgãos públicos para desobstruir gargalos para o investimento privado?

Estamos atuando para tentar auxiliar as agências que foram desmontadas. O Ibama chegou a ter 6 mil servidores, hoje tem menos de 2 mil. A gente está atuando fazendo acordo de cooperação técnica com essas agências para destravar gargalos regulatórios. Assinamos com a Agência Nacional de Mineração (ANM), que tem hoje 215 mil processos na fila, com 21 mil pedidos de pesquisa e lavra aguardando avaliação. Quando a gente fala de transição energética, isso não se faz sem minerais estratégicos e terras raras, e você não explora esses minerais se os pedidos estão parados na ANM. Em parceria com a ANM, a gente está buscando agilizar processos. Só a Vale tem R$ 350 bilhões de investimentos privados aguardando a análise e a liberação de licenças. São 77 licenças que estão no Ibama. Se conseguir fazer essa liberação, com apenas uma empresa, você tem mais do que toda a Nova Indústria Brasil em investimento no país.

Há outras parcerias previstas?

Estamos caminhando para assinar com o Ibama, com a Anvisa e com outras agências também. Isso é necessário para acelerar o Brasil, para acelerar e destravar os investimentos privados que estão presos no emaranhado regulatório. O Brasil tem uma situação fiscal muito comprimida, então dificilmente a gente vai dar um grande salto de desenvolvimento apenas via orçamento público. É fundamental acelerar e destravar o investimento privado.

A indústria 4.0 não esbarra na infraestrutura do país, como o 5G?

Esse é o desafio para desenvolver a indústria do século 21, a indústria 4.0. Como o vice-presidente Alckmin sempre fala, essa indústria é inovadora, sustentável e competitiva. Ela vai elevar os níveis de produtividade, e esse é um desafio complexo, que envolve um conjunto de setores. Mas eu acredito que a oportunidade é imensa com as nossas condições naturais. O Brasil já tem hoje mais de 90% da matriz elétrica de fontes renováveis. A meta que os países desenvolvidos estão colocando para 2050 para a descarbonização, o Brasil já cumpriu. Claro que precisamos avançar ainda no 5G, tem desafios, mas a gente também tem muitas oportunidades.

As dificuldades de relacionamento com a Argentina podem prejudicar a indústria brasileira?

Vejo com muita tranquilidade, porque nem sempre o espetáculo da política se traduz em ações concretas. O governo anterior do Brasil falava, cutucava a China, falavam mal da China e isso nunca teve impacto nas relações comerciais do Brasil com a China. Então eu vejo com tranquilidade e otimismo (a relação com a Argentina). É muito difícil que esse discurso, às vezes exagerado, impacte em uma relação comercial pragmática que é de interesse das nações.

No governo, os desenvolvimentistas ou os fiscalistas ganham?

Essa é uma tensão que, na minha opinião, ajuda o governo e é presente em todos os governos. Você tem as pessoas com a missão de cuidar do fiscal, e tem as pessoas com a missão de cuidar do desenvolvimento, da geração de empregos. Essa é uma tensão presente em todos os governos, acho que ela é saudável porque está sempre no equilíbrio, no meio termo.

Esse equilíbrio está mais para o gasto?

Eu vejo o presidente Lula como maestro desse processo. Ele tem repetido que nós precisamos ter equilíbrio fiscal, que não pode gastar mais do que ganha, mas, ao mesmo tempo, você tem que apostar no desenvolvimento. Quando se fala de responsabilidade fiscal, esse é um debate falso. A questão é: quando a gente precisa cortar gastos, onde vai cortar? Eu vi na semana passada editoriais de grandes jornais defendendo cortar no BPC (Benefício de Prestação Continuada). É um salário-mínimo para idosos e pessoas com deficiência sem nenhum amparo. Se tirar dessas pessoas, elas vão passar fome. Veja que pagamos de serviço da dívida, no ano passado, R$ 750 bilhões em juros. Se a gente reduzir um ponto na taxa, a gente economiza mais de R$ 70 bilhões. Ninguém faz editorial defendendo reduzir a taxa de juros dos banqueiros, dos rentistas. Responsabilidade fiscal, todos defendemos. Agora tem que botar na mesma o seguinte: vai cortar onde? Esse é o grande debate.

O senhor criticou a falta de ação do BC no câmbio…

Eu sinceramente defendo que a Polícia Federal investigue o que aconteceu com o dólar aqui recentemente. O câmbio subiu 7% em menos de 30 dias, ganharam fortunas especulando contra o Real. Qual aplicação rende mais de 7% em um mês? E o Banco Central não interveio, isso é omissão. O Brasil tem mais de US$ 353 bilhões em reservas cambiais que existem justamente para isso, para quando o mercado eleva a aposta contra o real, especula contra o Brasil, o BC está ali para garantir que essa especulação não vá em frente.

O senhor acredita que isso é intencional por parte do presidente do BC?

Ele está em campanha. Não estou sugerindo. Ele foi para um jantar com o governador de São Paulo (Tarcísio de Freitas), colocado como um candidato de oposição ao presidente Lula em 2026, e foi tratado como futuro ministro da Fazenda da oposição. O BC não é independente, não é um órgão técnico? O que o presidente do BC está fazendo em um jantar com líderes da oposição e desfilando como futuro ministro da Fazenda de um governo de oposição? Isso é BC independente? Isso é um técnico? Isso é uma postura de técnico independente?

Com todo o compromisso com a transição energética, por que não desistir da exploração de petróleo na Margem Equatorial?

Você sabe quem está explorando petróleo na Guiana? São duas empresas norte-americanas, a Chevron e a Exxon. Sabe quanto a Guiana cresceu no ano passado? Em um ano, 38%. Foi o país que mais cresceu no mundo. A Margem Equatorial muda todo o arco norte do Brasil. Muda o Pará, o Amapá, o Maranhão, o Piauí, o Ceará e o Rio Grande do Norte. Se tivermos metade do crescimento da Guiana, o arco norte do Brasil vai gerar milhares de empregos. A Petrobras é líder mundial em exploração de águas profundas, nunca teve um problema. Tenho absoluta confiança na Petrobras e acho que o dinheiro dessa riqueza tem que ser revertido para os brasileiros mais pobres lá no Norte e no Nordeste. A Margem Equatorial vai mudar a vida dos brasileiros mais pobres.

O pré-sal não teve a mesma promessa?

A presidente Dilma não foi deposta por acaso. Petróleo é uma riqueza que mexe com a geopolítica global. Derrubaram a Dilma e depois fizeram a Lava-Jato, que destruiu a indústria de engenharia pesada. O Brasil estava exportando serviços para 80 países. Eu tenho a convicção de que isso foi feito para impedir que o Brasil desse esse salto de desenvolvimento com essa mola propulsora que seria o pré-sal. Agora a gente tem uma outra oportunidade.

O nome do senhor está sendo ventilado como um possível candidato ao governo do DF. Existe essa possibilidade?

Muitas pessoas têm me estimulado a participar do processo eleitoral aqui no Distrito Federal. Está muito longe ainda, mas acho que é fundamental a gente construir um campo dessa frente democrática que levou o presidente Lula a ganhar. Vejo pelos jornais, e fico abismado, a extrema-direita aqui no DF, de forma arrogante, autoritária, tratando a eleição daqui como se não houvesse eleição, como se não fosse ter disputa, como se eles já tivessem ganhado a eleição. Acho que a gente precisa enfrentar essa questão, construir um campo aqui. O debate precisa ser feito, o debate próprio da democracia, que é bom e que tem que ser feito no momento adequado. Para o nosso campo o fundamental é construir com maturidade uma ampla unidade.


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postado em 19/07/2024 00:01 / atualizado em 19/07/2024 09:47
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