Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (26), voltaram a causar tensão no mercado financeiro. O chefe do Executivo questionou a necessidade de cortar gastos, fez novas críticas aos investidores, comentou a sucessão no Banco Central e disse que vai rever a qualidade dos gastos públicos, especialmente os benefícios fiscais. As falas ocorreram em entrevista ao portal UOL, replicada nos canais oficiais do Planalto.
Após a declaração, o dólar atingiu um pico de R$ 5,52, apesar de estar influenciado, principalmente, pela alta da moeda americana no cenário externo. Já o Índice Bovespa despencou logo após a fala do presidente, mas recuperou o patamar em seguida.
"O problema não é que tem que cortar. O problema é saber se precisa efetivamente cortar. Ou seja, temos que aumentar a arrecadação. Temos que fazer essa discussão", afirmou Lula, rebatendo críticas sobre o excesso de gastos na sua gestão. "O que nós precisamos saber é o seguinte: o gasto está sendo bem feito? O dinheiro está sendo utilizado para alguma coisa que vai melhorar o futuro desse país? Eu acho que está", emendou.
Com dificuldades para aumentar a arrecadação, o governo vem sendo pressionado a cortar gastos — o que Lula reluta em fazer. A equipe econômica estuda formas de reduzir os benefícios fiscais, o que foi apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como o ponto mais preocupante das contas públicas no ano passado. A renúncia fiscal é estimada em mais de R$ 500 bilhões. Para o presidente, os benefícios devem ser pontuais e temporários, apenas para incentivar o crescimento de alguns setores. Apesar de estudar formas de cortar gastos, Lula frisou que não vai ceder à pressão do mercado.
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"Nós queremos fazer política social que permita às pessoas crescer. Queremos saber se o gasto está sendo bem feito, e se o dinheiro está sendo usado para melhorar o país. Estamos fazendo uma análise de onde tem gasto exagerado, gasto que não deveria ter, gente recebendo o que não deveria. Sem levar em conta o nervosismo do mercado", enfatizou o chefe do Executivo.
Uma das possibilidades que chegou a ser ventilada para ajustar as contas é desvincular o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e as pensões do salário mínimo. Questionado, porém, Lula rechaçou a ideia. "Não é possível, porque eu não considero isso gasto. A palavra salário mínimo é o minimum minimorum que uma pessoa precisa para sobreviver. Se eu acho que vou resolver o problema da economia brasileira apertando o mínimo do mínimo, eu estou desgraçado. Eu não vou para o céu. Eu ficaria no purgatório", respondeu.
A medida diminuiria o impacto da correção dos benefícios, estimada em R$ 1,3 trilhão nos próximos 10 anos, mas prejudicaria os beneficiários. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também já havia descartado a possibilidade de desvinculação nas últimas semanas.
Lula também voltou a fazer críticas ao mercado financeiro, e aos pessimistas com a economia, dizendo que o crescimento vai superar todas as previsões. "O mercado sempre precifica desgraça. Está sempre trabalhando para não dar certo, sempre torcendo para as coisas serem piores do que são", lamentou. "A Faria Lima tem alguém que quer mais bem ao Brasil do que eu? Vamos ser francos, vocês acham que quando eles estão discutindo o aumento na taxa de juros, estão pensando no cara dormindo debaixo de uma ponte? No cara morrendo de fome? Não pensam. Pensam no lucro", emendou.
Em contrapartida, disse querer que os empresários tenham lucro, para gerar empregos, mas argumentou que os trabalhadores precisam ter condições de comprar os bens que produzem. "Eu não sou doido", pontuou.
Sucessão do BC
Lula também foi questionado, durante sua entrevista pela manhã, sobre a sucessão na presidência do Banco Central, tema que ganhou fôlego após as novas críticas do mandatário ao atual presidente, Roberto Campos Neto, na semana passada. Ele comentou o encontro que teve com o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na terça-feira. A reunião definiu que a meta de inflação será mantida em 3% ao ano, mas que a sistemática será contínua, em vez do modelo de "ano-calendário" adotada até agora.
"O Galípolo veio aqui para uma reunião em que a gente estava discutindo a meta inflacionária. E a gente manteve a meta que tinha. A novidade foi estabelecer a meta contínua. O Galípolo é um companheiro altamente preparado, mas eu ainda não estou pensando na questão do Banco Central", declarou o presidente.
Ele também foi questionado sobre outros nomes que circulam para o cargo, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o atual presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. Galípolo, porém, é o favorito.
"Eu não indico um presidente do Banco Central para o mercado, eu indico para o Brasil. Ele vai ter que tomar conta dos interesses do Brasil. E o mercado empresarial, financeiro, produtivo, vai ter que se adaptar a isso", enfatizou Lula.
Repercussão
No final da tarde, Lula conversou com jornalistas em frente ao Planalto após cerimônia para conhecer os sete novos modelos de ônibus escolares para a rede pública. Questionado sobre a repercussão de suas falas no mercado ontem, Lula ironizou. "Por que teve reação? Não teve reação. Devem ter gostado", disse o presidente.
Lula voltou a dizer que não há ninguém mais otimista com o país do que ele. "Você tem muitos empresários, muitos empreendedores, que gostam do Brasil. E essas pessoas querem que o Brasil dê certo. O que nós não queremos é que o Brasil seja certo só para alguns", falou.
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