Após ensaiar uma queda pela manhã, sob o impacto da decisão da quarta-feira à noite do Comitê de Política Monetária (Copom), o dólar ganhou força ao longo da tarde desta quinta-feira, 20, no mercado doméstico, em sintonia com o fortalecimento da moeda norte-americana no exterior e o avanço das taxas dos Treasuries. Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com críticas ao Banco Central, também teriam contribuído para o novo tombo do real, segundo operadores.
Com mínima a R$ 5,3872 e máxima a R$ 5,4696, o dólar à vista fechou em alta de 0,37%, cotado a R$ 5,4619 - maior valor de fechamento no governo Lula 3 e desde 22 de julho de 2022 (R$ 5,4988).
Foi o quinto pregão consecutivo de valorização da divisa, que já acumula ganhos de 1,48% na semana e de 4,02% no mês. No ano, o dólar sobe 12,54%. O real apresenta em 2024 o pior desempenho entre as principais moedas globais, seguido pelo peso argentino e a lira turca.
A decisão do Copom de manter a taxa Selic em 10,50% em votação unânime levou a um refresco do dólar na primeira etapa de negócios ao minimizar pontualmente parte dos temores de um BC leniente com a inflação a partir de 2025. Além da substituição do atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, no ano que vem a maioria da diretoria será composta por nomes apontados por Lula. Em maio, quatro diretores indicados pelo atual governo votaram por corte menor da Selic, despertando temores de ingerência política no BC.
Em entrevista nesta quinta à Rádio Verdinha, do Ceará, Lula disse que a decisão do Copom foi de "investir no sistema financeiro e nos especuladores que ganham com os juros", enquanto o governo quer "investir na produção". O presidente também questionou novamente os benefícios da autonomia do Banco Central: "Ora, autonomia de quem? Autonomia para servir a quem? Atender a quem?".
O sócio e diretor de gestão da Azimut Brasil Wealth Management, Leonardo Monoli, afirma que existia a possibilidade de que a votação unânime no Copom de quarta encerrasse o episódio de deterioração dos ativos locais provocado pela decisão dividida do comitê em maio.
"No entanto, o problema parece ir além disso. Ficou pequeno o espaço para o benefício da dúvida sobre a composição do Copom a partir de janeiro de 2025. Aparentemente, e com base no que se viu durante o dia nos preços dos ativos locais, temos um problema de credibilidade abalada", afirma Monoli. "É possível que só ocorra uma mudança para valer, no sentido de melhorar os preços dos ativos estruturalmente, se tivermos uma ação concreta do governo para melhorar o fiscal."
Segundo informação do jornalista Eduardo Gayer, na Coluna do Estadão, apesar de Lula não ter aprovado a decisão do Copom, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, ex-número 2 de Fernando Haddad no ministério da Fazenda, segue firme no páreo para sucessão no BC.
Uma ala do PT, contudo, defende que Lula indique o economista André Lara Resende para a presidência da autarquia. Na quarta, parte do estresse no mercado de câmbio no início da tarde foi atribuído a rumores de que nomes históricos do partido estavam cotados para o comando do BC.
Para o economista André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, com a decisão unânime na quarta, o Copom tentou reduzir os ruídos produzidos pela votação dividida em maio. Apesar de manutenção de juros reais elevados, Galhardo observa que a "deterioração fiscal e da inflação" devem prevalecer, mantendo um nível elevado de incertezas.
"O real pode ganhar certo fôlego até a próxima reunião do BC e do Federal Reserve, mas ainda assim seria pouco provável que retornasse aos patamares registrados no início do segundo trimestre", afirma Galhardo.
No exterior, o índice DXY - termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes - subiu e voltou a superar a linha dos 105,500 pontos. As maiores perdas foram do franco suíço, após o BC da Suíça cortar a taxa de juros pela segunda vez consecutiva, em decisão pouco esperada. Já o Banco da Inglaterra (BoE) manteve a taxa inalterada em 5,25%, com placar dividido (7 votos por manutenção e 2 por corte).
No EUA, o presidente do Federal Reserve de Minneapolis, Neel Kashkari, disse que, embora esteja confiante no processo de desinflação, a inflação vai demorar mais tempo para retornar à meta de 2%, estimando um período entre um e dois anos. As taxas dos Treasuries voltaram a subir, com o retorno da T-note de 10 anos tocando 4,29% na máxima.