As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ontem, no primeiro dia da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, colocaram mais lenha na fogueira do mercado financeiro, que segue em ritmo de desconfiança com o atual governo desde a mudança da meta fiscal, em abril.
Apesar dos ataques do chefe do Executivo, agentes financeiros mantiveram as apostas de que, hoje, o Copom colocará um ponto final no ciclo de queda da taxa básica da economia (Selic), iniciado em agosto do ano passado. Se confirmadas, os juros ficarão no patamar de 10,5% ao ano, pelo menos, até dezembro, de acordo com as projeções do mercado. A dúvida é se haverá ou não consenso entre os diretores do BC indicados por Lula e os indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que são maioria no comitê.
"As falas de Lula mudaram para pior a expectativa de consenso na decisão. O presidente deu um tom diferente do que deu no seu primeiro mandato, quando parecia dar mais importância à inflação. Com o crescimento mais baixo, agora, esse foco se sobrepõe à inflação e se torna um problema para o Banco Central", destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Segundo ele, a ideia de um BC mais heterodoxo aumenta daqui para a frente. "Vai ser difícil a Selic sair da casa dos 10% nos próximos três anos", previu.
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Em entrevista à rádio CBN, o petista voltou a criticar o Banco Central pela atual política monetária e fez novos ataques ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto, questionando a independência do BC pelo fato de o economista ter aceitado um jantar oferecido a ele pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), na semana passada, com empresários e banqueiros, como André Esteves, dono do BTG Pactual.
A Bolsa e o câmbio refletiram, nesta terça-feira (18/6), o impacto negativo das declarações de Lula, que gerou mais ruídos nas mesas de operações. Pela manhã, logo após a fala do presidente, o dólar disparou — chegou a R$ 5,40 —, mais por conta do cenário externo, especialmente nos Estados Unidos, onde ainda há pouca mudança na perspectiva de corte dos juros norte-americanos. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) chegou a recuar 0,22% ao longo do dia, para 118.872 pontos, mas encerrou o pregão com alta de 0,41%, a 119.630 pontos.
"A B3 terminou o dia no azul porque foi um dia positivo para a Petrobras e para a Vale, que têm grande peso e seguraram a Bolsa", destacou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Associados. Assim como Vale, ele mantém as apostas de manutenção da Selic, mas acha que haverá consenso na decisão. Cruz avalia também que haverá mais pressão sobre o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, escolhido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que é cotado para ser o sucessor de Roberto Campos Neto na presidência da instituição. "Lula quase disse que, se votarem pela manutenção da Selic, não haverá chances de os diretores indicados pelo atual governo serem o próximo presidente do Banco Central", acrescentou Cruz.
Estresse
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, reforçou que a fala de Lula só contribuiu para aumentar o estresse no mercado, "sobretudo pela desconfiança com a gestão da política monetária a partir de 2025". Na avaliação dele, a inflação tende a ficar mais alta do que as atuais projeções dos analistas, chegando a 4,27% no fim de 2024, e a 4,32% em 2025. "Não podemos relativizar o risco de descumprimento do teto da meta (de 4,5%). Sua probabilidade ainda não é preponderante, mas aumentou nos últimos meses, em relação ao Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de março. De fato, a curva futura de juros precifica um prêmio de risco para a elevação na taxa", destacou. O economista acredita que, no RTI deste mês, o BC deverá piorar as projeções de inflação deste ano e de 2025, mas ainda não deverá apontar variações superiores a 4%.
Para ele, se Gabriel Galípolo e os demais diretores indicados pelo chefe do Executivo votarem a favor da manutenção da Selic em 10,5%, não haveria efeitos imediatos de recuo dessa curva de juros, "mas seria um ganho reputacional para o Banco Central e apontaria que essa pressão política do Palácio do Planalto e da base do PT perderiam um pouco o peso na formação dos preços dos mercados", declarou.
Se não houver consenso, o cenário tende a ficar ainda mais tenso, de acordo com Velho. "Isso vai chancelar o que o Lula falou, de que tem uma parte da diretoria do Banco Central que vai entrar em 2025 menos seduzida a ser pressionada pelo Executivo. Então, a melhor coisa, realmente, seria a unanimidade, não tem jeito. Com qualquer voto contrário, principalmente do Galípolo, a reação do mercado poderá ser muito ruim, amanhã", complementou.