Tragédia no Sul

Reconstrução do comércio no RS é desafio a longo prazo

De acordo com a Fecomércio-RS, levará ao menos dois anos para retomada completa do setor. Enchentes acumulam prejuízo de R$ 10 bilhões, entre perdas de estoque, maquinário e instalações

Mais de um mês após o início das tempestades que deixaram boa parte do Rio Grande do Sul debaixo d'água, autoridades ainda têm dificuldade de mensurar com precisão as perdas causadas pelo desastre. No entanto, o consenso é de que o comércio do estado não deve conseguir realizar uma reestruturação completa dentro dos próximos dois anos, especialmente sem uma atuação prioritária do governo federal.

De acordo com a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), 96% dos empregos industriais e 80% da atividade econômica do estado foram afetados pelas enchentes. Outro levantamento, da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do RS (Fecomércio-RS), estima que o Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho sofrerá uma perda de R$ 40 bilhões, o equivalente a 5%.

A federação calcula ainda que as enchentes teriam afetado cerca de 66 mil CNPJs, sendo 54,5 mil do comércio de bens e serviços, gerando um prejuízo acumulado de até R$ 10 bilhões em perdas de estoque, maquinário, mobiliário, instalações, entre outros.

As inundações deixaram algumas empresas sem insumos essenciais, como água e energia elétrica, e recursos humanos, com funcionários afetados, além de terem prejudicado a logística para o recebimento de matéria-prima, mercadorias ou prestação de serviços com os problemas causados à infraestrutura.

Para o presidente da Fecomércio-RS e do conselho deliberativo do Sebrae-RS, Luiz Carlos Bohn, os comerciantes gaúchos precisam de maior auxílio federal. Além dos 5% de diminuição do PIB gaúcho deste ano, Bohn estima que o comércio do estado deverá levar, ao menos, dois anos para se recuperar completamente. "Nós precisamos agora de recursos, dinheiro novo na mão das empresas e das pessoas porque é uma situação de recuperação", diz.

Bohn destaca que os recursos destinados aos comerciantes não podem ser "emprestados". "Eu entendo que o RS precisa de um Fundo Perdido, remissão tributária, ou outras fontes que não sejam concessões. Empréstimos e Pronampe, tudo isso foi anunciado, mas não é suficiente. Não é por aí a saída da crise", explica.

Os ministérios do Empreendedorismo e da Fazenda disponibilizaram, por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), R$ 30 bilhões em crédito para auxiliar a recuperação financeira dos pequenos negócios do RS. O governo reservou R$ 1 bilhão para subsídio especial de 40% do valor dos empréstimos feitos. Além disso, o empreendedor terá dois anos de carência antes de começar a pagar e poderá parcelar o valor em até 60 prestações.

Além dos recursos subsidiados, a Fecomércio-RS pleiteia outras medidas — algumas já atendidas pelo governo — para mitigar os efeitos econômicos gerados pela tragédia. Dentre elas, a prorrogação de tributos e entrega de declarações, isenção total do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para as empresas mais afetadas, além da possibilidade de suspensão de contratos de trabalho com garantia de benefício emergencial aos trabalhadores.

Varejo

De acordo com a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA), os impactos das enchentes no varejo gaúcho superaram os R$510 milhões de prejuízo entre os dias 30 de abril e 12 de maio — R$298 milhões somente na capital gaúcha. Segundo o economista-chefe da organização, Oscar Frank, apesar das perdas, houve um impulso com o aumento de vendas de categorias essenciais, como super e hipermercados, drogarias e farmácias e postos de combustíveis. "A incerteza sobre o futuro e o armazenamento de itens essenciais, além das doações para os afetados pelas inundações, foram fatores importantes para esse aumento", avalia Frank.

Ao fazer uma comparação com o período da pandemia de covid-19, o presidente da CDL POA, Irio Piva, diz que a situação das enchentes atualmente é "muito mais desoladora" para o comércio. Ele explica que, diferente do período pandêmico, as chuvas causaram danos à infraestrutura, aos equipamentos e estoques dos comerciantes, danos patrimoniais que dificultam ainda mais uma recuperação no curto e médio prazos.

"No período da pandemia, houve um momento em que a perda de faturamento foi muito grande, mas os estoques, a infraestrutura das lojas e tudo continuavam ali. No momento que a venda retomou, aquela mercadoria estava disponível para ser vendida, não houve danos ao patrimônio. Agora, nós estamos vivendo uma situação muito mais grave no sentido dos negócios, eu diria que em proporções muito maiores, exatamente porque agora afetou novamente o faturamento, mas afetou também os estoques e o patrimônio das empresas", lamenta.

O presidente explica, ainda, que os pequenos comerciantes foram os mais afetados pela tragédia, tendo sofrido um "efeito duplo" pela proximidade das duas situações. Segundo ele, muitos já traziam problemas desde a pandemia, com endividamentos causados por empréstimos de longos parcelamentos, e acabaram sofrendo um novo "baque", com perdas mais significativas e ainda mais dificuldade de recuperação.

"São empresas que já tinham tido perdas importantes e que vinham remando para se recuperar e acontece agora essa tragédia com esse efeito duplo, de perda de vendas, do estoque e do patrimônio. Com um agravante: alguns comerciantes perderam o negócio e a residência também, porque grande parte das casas foram alagadas. E aí a situação fica mais difícil de se recuperar", relata.

Piva defende ainda uma flexibilização da legislação trabalhista. "O ideal seria reeditar a Medida Provisória 936, porque é mais barato para o governo federal do que pagar o seguro-desemprego", afirma. "Reeditando essa MP que foi utilizada na pandemia, que previa a suspensão do contrato de trabalho e o governo pagava parte do salário, haverá um custo muito menor, porque é por um tempo menor. Seria só no período em que a empresa está parada e não consegue operar. Essa também é uma das reivindicações que a gente está fazendo", explica.

Turismo em POA

O turismo é outro segmento paralisado pelos alagamentos e sem perspectiva de retorno. O presidente da CDL POA também lembrou a importância do setor para a economia gaúcha. Apesar da preocupação com a mobilidade urbana, devido à obstrução de rodovias e destruição de pontes e acessos,com a malha aérea limitada, devido ao fechamento por tempo indeterminado do Aeroporto Internacional Salgado Filho, Piva afirma que o turismo é parte importante do processo de retomada do estado.

Ele reforçou a importância do consumo dos produtores do local neste momento. "A ideia é 'compre, consuma e contrate'.Compre de uma empresa gaúcha, consuma produtos que são gaúchos e contrate uma empresa, contrate uma pessoa gaúcha, pedindo também um pouco para o Brasil colocar na sua estratégia essa possibilidade de avaliar uma empresa gaúcha. Quando a pessoa está consumindo o produto, essa também é uma maneira de ser solidário nesse momento, com um estado que está passando certamente pelo momento mais difícil da sua história", reforça.

*Estagiário sob supervisão de Carlos Alexandre

 


Mais Lidas