CONTAS PÚBLICAS

'MP do Fim do Mundo' gera polêmica e pode ser devolvida pelo Congresso

A MP 1227, que prevê restrições para compensações tributárias e editada no último dia 4, recebe enxurrada de críticas de entidades do setor produtivo e de frentes parlamentes que alegam "confisco" de caixa das empresas. Frentes fazem mobilização para a devolução imediata da matéria

A Medida Provisória nº 1227/2024 -- editada pelo Ministério da Fazenda, limitando a compensação de créditos tributários e de créditos presumidos da contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a fim de engordar o caixa da União -- está causando um rebuliço no setor produtivo e no Poder Legislativo, nesta quinta-feira (6/6), enquanto o chefe da equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viaja pela Itália e recebe as bençãos do Papa Francisco.

Entidades patronais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) não pouparam críticas à nova regra e fizeram coro de que a medida é inconstitucional por confiscar recursos das empresas.

A nova MP, publicada na terça-feira (04/6) no Diário Oficial da União, foi apelidada de "MP do Fim do Mundo" por diversas frentes parlamentares ligadas à indústria e ao agronegócio. A coalização de várias frentes está fazendo uma ampla mobilização de parlamentares para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), devolvam a matéria imediatamente. Procurado, o Ministério da Fazenda ainda não comentou o assunto.

Mas, se a matéria tramitar, terá rejeição acelerada por ampla maioria, de acordo com o secretário-executivo da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM), Rodrigo Marinho. Segundo ele, 26 frentes parlamentares já estão se mobilizando para trabalhar pela devolução da MP, totalizando, pelo menos, 450 parlamentares que devem se posicionar contra a matéria.

O secretário informou ainda que é provável que mais de 400 deputados e de 50 senadores devem votar contra a proposta que foi apresentada no meio da confusão da taxação das remessas inferiores a US$ 50 que foi incluída como um jabuti no projeto de lei que institui o Programa Mover, que prevê incentivos fiscais para investimentos sustentáveis da indústria automotiva para a mobilidade urbana.

“A MP é inconstitucional porque vai dificultar ao máximo que as empresas compensarem os créditos tributários de PIS-Cofins”, alertou Marinho. “A impossibilidade de compensar créditos terá um impacto significativo no fluxo de caixa das empresas, que precisarão substituir essa compensação pelo pagamento em dinheiro, recursos que poderiam ser usados para investimentos”, acrescentou.

Para o representante da FPLM, o governo busca criar receitas para engordar o caixa da União para as eleições municipais. Na próxima terça-feira (11/6), em Brasília, haverá um almoço das frentes parlamentares para alinhar o discurso para que Pacheco e Lira devolvam a MP, que já está em vigor.

Em nota, divulgada nesta quinta-feira (6/6), a Coalizão de Frentes Parlamentares manifestou preocupação com as consequências que a MP poderá causar à economia nacional. “A MP 1.227/24 introduz mudanças significativas nas modalidades de restituição ou compensação de saldos credores do PIS/Cofins, proibindo a utilização desses créditos para o pagamento de débitos de outros tributos federais das próprias empresas, incluindo os previdenciários, e o ressarcimento em dinheiro do saldo credor decorrente de créditos presumidos de PIS e Cofins. Diversos setores da economia serão negativamente afetados, em especial os setores: industrial, agroindustrial, petroquímico, alimentos, medicamentos, e demais setores exportadores”, destacou o comunicado. 

A nota da Coalizão destacou ainda que as novas restrições fiscais “aumentam a burocracia tributária, contradizendo os princípios que orientaram a recente reforma tributária e representando um retrocesso na eficiência da restituição de tributos pagos indevidamente” e, além disso, “agrava ainda mais essa situação ao determinar que a fruição de benefícios fica condicionada ao cumprimento de uma série de requisitos, incluindo regularidade fiscal e adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE). Na avaliação do documento, a criação de normas que limitam a compensação tributária “resulta em uma arrecadação ilícita do Estado, configurando uma apropriação indébita do dinheiro do contribuinte pelo Poder Público”. 

Viagem interrompida

O presidente da CNI, Ricardo Alban, que participava de uma comitiva de empresários e de autoridades do governo brasileiro, incluindo o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, em visita à Arábia Saudita e à China, interrompeu a viagem e retornou para o Brasil em protesto à MP 1227/2024. Alban antecipou, ontem, o retorno e está em trânsito rumo ao Brasil. Ele deverá chegar ao país até amanhã, de acordo com a assessoria. Pelos cálculos da entidade, a medida causa perdas estimadas de R$ 29,2 bilhões ao setor industrial neste ano, passando para R$ 60,8 bilhões, em 2025. Outros empresários pretendiam fazer o mesmo, mas evitaram devido ao custo elevado da antecipação do retorno de toda a comitiva.

De acordo com Rodrigo Marinho, da FPLM, as perdas para as empresas serão muito maiores do que o valor estimado pela CNI. “Esse é o piso das perdas, pois as empresas utilizam os créditos tributários para compor o fluxo de caixa”, explicou. Na avaliação do secretário, a MP, na prática, é uma espécie de “confisco”, como ocorreu no governo Fernando Collor, em 1992, na contramão da reforma tributária que está em fase de regulamentação. “A reforma é totalmente baseada em compensar crédito e o governo está demonstrando, o risco que será uma mudança antes mesmo de a compensação ocorrer da forma correta”, alegou.

Contramão

As críticas das entidades apontam vários problemas na MP divulgada pela equipe técnica de Haddad enquanto ele viajou para a Europa. “Embora seja fundamental a implementação de ações para o equilíbrio fiscal, as medidas anunciadas violam frontalmente a imunidade das exportações, o princípio da não-cumulatividade, o princípio do não confisco, todos previstos na Constituição Federal, ao revogar uma série de mecanismos da legislação da contribuição de PIS e da Cofins”, destacou a nota da Abag.

“É importante ressaltar que os mecanismos que haviam sido estabelecidos representavam um avanço do sistema tributário nacional ao reduzir o acúmulo de créditos tributários federais”, acrescentou o documento da entidade.

Na avaliação da Abag, a MP 1227/2024 caminha na contramão do crescimento socioeconômico brasileiro, uma vez que onera ainda mais as empresas e diminui significativamente a competitividade de importantes setores, como o agronegócio. “As medidas, por terem um perfil confiscatório, são um retrocesso, impactando fortemente os recursos financeiros das companhias, ampliando custos e reduzindo a rentabilidade de toda a cadeia do agronegócio, que é fundamental para garantir a segurança alimentar em todo o planeta, além de contribuir com o desenvolvimento social e econômico do país e para o superávit de nossa balança comercial”, completou a nota da Abag.

Insegurança jurídica

A Abiquim, em nota divulgada ontem, também criticou a MP 1227/2024 e destacou que a medida eleva a insegurança jurídica da indústria química.  O presidente executivo da entidade, André Passos Cordeiro, destacou no comunicado que, além de a medida vir em um momento de grande fragilidade da indústria química brasileira “essa decisão vai totalmente na contramão de iniciativas que o atual governo vem tomando acertadamente no sentido de promover a neoindustrialização no país”. 

“A Abiquim entende que a redação da MP 1227 apresenta aspecto de insegurança jurídica, uma vez que deixa de elucidar sobre a forma de utilização dos créditos apurados, permitindo a interpretação de que tais saldos em favor do contribuinte estariam completamente suprimidos e extintos, se não compensados com os próprios tributos de PIS e Cofins, considerando que a medida provisória entrou em vigor na data de sua publicação”, destacou o informe. A Abiquim pretende, inclusive, entrar com medida judicial contra a MP.

Vale lembrar que MP 1227/2024 estabelece medidas compensatórias pela renúncia fiscal, com a manutenção da política de desoneração da folha de pagamentos das empresas e municípios até 2027, incluindo restrições ao ressarcimento e compensação de créditos presumidos da contribuição de PIS-Cofins, alterações no Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) e limitações para a compensação de créditos relativos a tributos administrados pela Receita Federal.

 

 



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