Lisboa — Em meio à queda de braço com o governo em razão da taxa básica de juros, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu o incentivo ao livre mercado e a menor intervenção do Estado na economia. Durante participação no painel Integração global e blocos econômicos, no 12º Fórum de Lisboa, o economista argumentou que tentar impulsionar o crescimento com investimento público funciona no começo, mas o excesso pode causar impactos negativos a longo prazo.
"Um tema que a gente tem falado bastante é a relação entre investimento público e eficiência. Às vezes, para tentar promover o crescimento, o governo cai na tentação de ampliar a atuação e começa a decidir muito mais sobre recursos que são importantes, fazendo a alocação. Nesse caso, temos sempre um problema, que é a pressão política, que pode influenciar de forma a não atingir a eficiência máxima. Tentar impulsionar o crescimento através de intervenção do governo com investimento público pode funcionar no começo, mas o excesso disso volta para o ciclo vicioso e pode resultar em menos eficiência", destacou Campos Neto.
O presidente do Banco Central também defendeu que o governo deve atuar como facilitador do investimento privado. "Os governos e bancos centrais devem atuar juntos, na busca pelo fortalecimento dos fundamentos macroeconômicos, por meio de políticas críveis que promovam a estabilidade e o crescimento. O governo deve sempre atuar como facilitador do investimento privado, valorizando o livre mercado. Intervenções públicas exageradas sobre a economia geram distorções e ineficiência em alocação de recursos e menor crescimento. Dívida maior gera menor crescimento. Nesse sentido, é importante aprofundar e desenvolver os mercados de capitais. A sustentabilidade fiscal é fundamental para a estabilidade de preços e para a redução dos juros", afirmou.
Além disso, o economista lembrou que os gastos públicos na pandemia aumentaram, o que deixou a inflação estruturalmente mais alta — apesar da pressão do governo, o Comitê de Política Monetária Copom manteve a Selic em 10,5%. "O pós-pandemia fez com que novos desafios se apresentassem, a gente veio de um tempo de inflação muito baixa no mundo, e a pandemia mudou muitas relações estruturais na economia. O mundo gastou muito na pandemia, temos uma dívida global muito maior, a fragmentação das cadeias e os programas fiscais deixarão a inflação estruturalmente mais alta, então vamos ter mais juros e dívidas por mais tempo. Isso aumenta a fragilidade de mercado e se faz necessário ter uma atenção especial na sustentabilidade da dívida pública", frisou.
Campos Neto também comentou sobre os programas de transferência de renda. Segundo ele, essas medidas devem ser temporárias, focadas e sob medida. "O que a gente vê, passados anos da pandemia, é que isso foi difícil de realizar, a começar pelo temporário, que virou permanente, e é muito difícil fazer algo focado e sob medida. Ter respeito a essa regra quando a gente precisa recorrer a programas de assistência é muito importante", ressaltou o economista.
O presidente do Banco Central participou do painel Integração global e blocos econômicos, ao lado de Joaquim Levy, ex-ministro da Economia; Miguel Moura e Silva, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; e Roberto Azevêdo, da Organização Mundial do Comércio. A moderação foi de Carlos Ivan Simonsen Leal, presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV).
União Europeia e Mercosul
O professor Miguel Moura e Silva destacou a importância do acordo entre Mercosul e União Europeia para Portugal. "É muito importante, porque é uma forma de nós conseguirmos manter essa ponte e amarrar a União Europeia a América do Sul, em particular o Brasil, e mantermos um quadro de cooperação e diálogo. As perspectivas não são muito animadoras em relação a essas negociações, infelizmente, e a razão não ter a ver com Portugal, mas tem a ver com a França. Enquanto que o Brasil pode determinar centralmente qual é a sua postura econômica e política monetária, na Europa estamos em um sistema muito mais fragmentado em termos de poder."
Transição energética
Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda, citou que o Brasil e o mundo vivem uma preocupação com a questão ambiental. "Para os países emergentes, que inclui o Brasil, é importante fazer a formação de expectativa no sentido de onde queremos ir e chegar, qual tipo de crescimento que queremos", disse. "Temos diante de nós enormes possibilidades na transição energética. O Brasil pode aproveitar isso, certamente as energias alternativas são mais baratas do que as convencionais, ou seja, se nós tivermos a regulação necessária e o bom funcionamento dos mercados de capital, nós teremos condição de fazer essa transição, de maneira que não vai nos trazer ônus, mas sim benefícios", emendou Levy.
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