Tragédia no Sul

Agricultores familiares tentam se reerguer após enchentes no RS

Mais de 200 mil propriedades foram devastadas pelas chuvas no estado, afetando a disponibilidade dos produtos aos consumidores. Pequenos produtores contabilizam perdas e clamam por maior apoio financeiro do governo

A agricultora Andressa Jacobus teve um prejuízo estimado em R$ 60 mil, venda de verduras e hostaliças é principal fonte de renda da família  -  (crédito: Mayara Souto/CB/D.A Press)
A agricultora Andressa Jacobus teve um prejuízo estimado em R$ 60 mil, venda de verduras e hostaliças é principal fonte de renda da família - (crédito: Mayara Souto/CB/D.A Press)

Capão da Canoa (RS) — A agricultura familiar foi a mais prejudicada do setor agrícola gaúcho, devido às fortes chuvas que devastaram o estado. Um levantamento realizado pela Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-RS) estima que 206 mil propriedades tenham sido atingidas, com danos substanciais à produção e ao solo. As culturas de folhosas e leguminosas foram as mais impactadas entre as olerícolas, como é chamado o cultivo de verduras e hortaliças.

Mais de 8 mil produtores tiveram perdas consideráveis, o que afetou diretamente a disponibilidade desses produtos aos consumidores. O Correio conversou com pequenos produtores em uma feira no Litoral Norte do estado para ter dimensão do tamanho do prejuízo. Segundo o agricultor Lucas dos Santos, 38 anos, 99% da produção foi afetada no município de Maquiné.

"Do município inteiro sobrou 1%. Eu, por exemplo, perdi mil pés de tomate prontos para colher, mais uma média de 100 bandejas de salsa e uma quantidade de alface. Não tem nenhum pé para colher, nem para comer", desabafa o agricultor, que tem uma propriedade localizada na região da Serra do Mar.

De acordo com Lucas, o Rio Maquiné encheu e transbordou boa parte das produções locais, que abastecem o litoral Norte e a região metropolitana. O prejuízo, segundo ele, está estimado em R$ 50 mil. Somente nos tomates prontos para a venda, foram R$ 7 mil investidos, além do trabalho realizado no plantio.

A agricultora Andressa Jacobus Staudt, 35 anos, que reside na mesma região, também foi severamente atingida pelo fenômeno, com uma perda estimada em R$ 60 mil. A venda de verduras e hortaliças na feira é o meio principal de renda dela, do marido e do filho.

"A couve chinesa está toda deitada, não tem como aproveitar nada, ela apodreceu... A alface também, só as mudas novinhas ainda tem como recuperar. Vamos trazer o que ainda tem, porque temos alguns túneis (estufas) atrás de casa que são protegidos. Outras coisas a gente vai ter que comprar para vender porque é o sustento da gente", afirma.

Andressa costumava vender em sua barraca a alface por R$ 2,50, mas, agora, pela escassez e necessidade de revenda, a folhagem está custando R$ 5 a unidade. O aumento dos preços foi sentido pelos moradores de Capão da Canoa, onde está localizada a feira, que reclamavam que os produtos estavam caros. A agricultora explica que tenta amenizar ao máximo o preço para o consumidor, mas tudo depende do valor que consegue comprar para a revenda.

As regiões da Serra Gaúcha, por terem plantações em locais mais altos, acabaram sendo o refúgio para a compra de verduras e hortaliças para revenda. No entanto, nem todos conseguem comprá-las. É o caso de Célio Salvador, 55, que perdeu todas plantações de brócolis, rabanete, rúcula, beterraba, cenoura, entre outros.

Segundo ele, "não tem para todo mundo", pois muitos perderam tudo. "Tive mais ou menos a perda de R$ 30 mil só de verduras. Eu trabalho também com banana, que ainda não foi afetada, e mandioca. Mas, a mandioca pode começar a apodrecer por ter muita umidade", explica.

A recuperação das plantações de hortaliças e verduras deve levar cerca de 40 dias, segundo Claudinei Baldiserra, diretor-técnico da Emater-RS. Por esse motivo, ele acredita que o aumento de preços, que ocorre na feira, permanecerá somente no Rio Grande do Sul e por pouco tempo. A partir de julho, segundo ele, haverá a retomada das plantações.

Retomada

Os três agricultores, no entanto, ainda não conseguem visualizar a volta da produção, visto que muitos locais ainda estão alagados e o solo inativo. "Vai lavando o solo e sai todos os nutrientes. Até a gente recuperar isso e plantar de novo leva um tempo", explica Andressa.

Os produtores estão "experts" no que precisa ser feito nessas ocasiões, que fortes chuvas em junho do ano passado tinham prejudicado as terras, mesmo que em escala menor. Na ocasião, o governo estadual publicou edital com um auxílio para os atingidos. "Um evento climático está cobrindo o outro porque o de junho de 2023 está chegando agora. Tomara que não aconteça de novo, mas se acontecer, o deste ano vai cobrir ano que vem", lamenta Lucas, que reclama da demora do repasse aos agricultores.

Até o momento, não foi anunciado nenhum edital similar para a calamidade pública vivida pelos gaúchos neste ano. Em sua última visita ao estado, no fim de maio, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, anunciou um aporte adicional de R$ 600 milhões para operações de créditos rurais, com enfoque nos agricultores familiares.

Os recursos não representam uma ajuda direta aos produtores, mas sim o fortalecimento do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para cobrir operações de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural. "Agora, as agricultoras e os agricultores familiares gaúchos poderão acessar sem dificuldade essa linha emergencial no RS, que deve alavancar R$ 4 bilhões para ajudar na reconstrução da agricultura familiar no estado", diz Teixeira.

A linha conta com os seguintes benefícios: até 10 anos para pagar, 3 anos de carência e um desconto (rebate) de 30% no valor global do contrato. O limite desse desconto é de
R$ 25 mil para agricultores familiares nos municípios em situação de calamidade pública e R$ 20 mil nos municípios em situação de emergência.

De acordo com o diretor-técnico da Emater-RS, o relatório realizado pela associação tem como objetivo auxiliar na produção de políticas públicas. "Esse levantamento ajuda a dar conta do que é possível e necessário fazer para auxiliar e mitigar os efeitos da calamidade", diz Baldiserra, que afirma que o setor ainda espera outras medidas de apoio para a reconstrução do segmento.

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postado em 09/06/2024 03:50
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