Em uma chácara adaptada para ser uma clínica de reabilitação, em Brasília, há três semanas, está *Antônio. Quem olha para a aparência simples do profissional de educação física não imagina que, nos últimos 12 meses, passaram quase R$ 1 milhão pelas mãos dele. Mas apenas passaram, pois em minutos todo o dinheiro que ele conseguia desaparecia em apostas de jogos on-line.
"Eu cheguei a perder R$ 60 mil em um dia. Começava apostando pouco, R$ 50, R$ 100. Mas logo eu perdia esse dinheiro. Vinha frustração, mas, ao mesmo tempo, a expectativa de recuperar o valor perdido e lucrar nas apostas seguintes", diz ele.
Para quem não conhece a realidade fica difícil imaginar como um profissional de classe média baixa poderia conseguir tanto dinheiro. Mas Antônio explica: "Eu vendi casa, fiz empréstimos, pegava dinheiro com amigos dizendo que iria fazer o valor render e devolver com lucro para eles."
A clínica onde Antônio está funciona em regime de internato. Os pacientes, viciados em jogos, drogas ou com alguma outra patologia, como esquizofrenia e depressão, não podem sair nem mesmo nos fins de semana, ficam afastados da família e de tudo que gera o vício, inclusive celulares e computadores.
Eles são acompanhados 24 horas por dia e recebem atendimento psicológico, psiquiátrico e médico. "Eu vou sair daqui, mas só vou sair quando estiver pronto para sequer tocar no celular. Se eu sair hoje, vou jogar de novo. Se não tiver internet no celular, eu ligo para um amigo e ele joga para mim. Eles também estão viciados", conta o paciente.
A situação de Antônio é cada vez mais comum entre pessoas que tentam uma renda extra, precisam pagar dívidas ou vêem nos jogos uma oportunidade de ganhar muito dinheiro em pouco tempo. No entanto, as plataformas, pensadas para que o usuário perca, agravam a situação.
Um levantamento encomendado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) ao Instituto Datafolha aponta que 14% da população brasileira, um universo de 22 milhões de pessoas, já usam os aplicativos de apostas, os famosos bets, como Tigrinho e Blaze.
Disseminados por influenciadores e páginas de internet, que muitas vezes recebem reforço de perfis fakes, os chamados bots, em comentários, os jogos de apostas inundam a internet e atraem principalmente a população de menor renda. Os dados da pesquisa apontam que 40% dos jogadores tentam "ganhar dinheiro rápido em momentos de necessidade".
Para se ter uma ideia da dimensão, ao mesmo tempo em que 22% estão em aplicativos de jogos de apostas, apenas 4% aplicam em fundos de investimentos — modalidade mais segura de usar o dinheiro. Ao todo, as empresas que administram as plataformas movimentam cerca de R$ 120 milhões por ano.
Questão de saúde
O psicólogo Rafael Ávila é integrante do grupo SOS Jogador, um movimento criado para atender pessoas que sofrem de vícios em jogos. A iniciativa, que surgiu há seis meses, já atende 500 pessoas. "O grupo funciona como um apoio às pessoas que se sentem perdidas em como parar de jogar, se sentem sozinhas e não conseguem ou não sabem onde procurar ajuda", explica.
De acordo com ele, o problema começa quando o usuário deixa de ver o jogo como uma forma de entretenimento e acredita se tratar de uma forma de investimento. "A partir do momento que o indivíduo vê o jogo como uma fonte de renda alternativa, ele se põe mais disposto a colocar mais dinheiro. Quando perde esse valor que não poderia perder, corre atrás de jogar mais para tentar recuperar."
O psicólogo salienta que o comportamento de não aceitar as perdas e continuar jogando para recuperar a quantia é o principal impulso para os problemas financeiros. "É um comportamento-padrão que vemos em praticamente todas as histórias de pessoas dependentes", destaca.
O psiquiatra Lucas Benevides, professor do CEUB, afirma que o vício em jogos é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pode levar a danos financeiros e psicológicos irreparáveis. "Ele é categorizado como um transtorno de jogo, reconhecido por organizações de saúde mental. Esse transtorno é caracterizado por um padrão persistente e recorrente, que prejudica a vida pessoal, familiar ou vocacional do indivíduo", diz.
Segundo ele, existe tratamento para o problema, que pode incluir condições adjacentes, como depressão e transtorno bipolar. "O tratamento pode incluir uma combinação de terapias psicológicas, suporte de grupos de ajuda e, em alguns casos, medicação. A terapia cognitivo-comportamental é comumente usada. Grupos de apoio, como os Jogadores Anônimos, também proporcionam um ambiente de suporte para indivíduos buscando se recuperar", completa.
*Nome fictício para preservar a identidade do paciente
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