O comunicado divulgado, na semana passada, pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, após a reunião que diminuiu o ritmo de redução da taxa básica de juros (Selic), traz a preocupação com a condução da política fiscal. O colegiado alerta para os impactos das decisões do Executivo no controle da dívida pública.
Em um dos trechos, o documento diz que "o comitê acompanhou com atenção os desenvolvimentos recentes da política fiscal e seus impactos sobre a política monetária" e completa que "o comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente, impactando a política monetária".
Em abril, o governo anunciou o afrouxamento da meta fiscal no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, substituindo a meta de um superavit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), para o deficit zero, colocada anteriormente como objetivo para 2024. O anúncio repercutiu negativamente no mercado financeiro.
Mercado apreensivo
Analistas ouvidos pelo Correio criticaram a medida. A apreensão dos analistas se ampliou, na semana que passou, por causa da divergência explícita na votação da nova Selic, com cinco votos pela redução em 0,25 ponto percentual e quatro diretores votando pela redução de meio ponto.
Para eles, o consenso que está se formando é que a estabilização da dívida pública bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), importante termômetro da capacidade de um país honrar seus compromissos, não ocorrerá no mandato atual e, provavelmente, ficará para a próxima década, na melhor das hipóteses.
"Voltamos ao erro da construção do arcabouço fiscal. Era esperado esse resultado. O melhor que o governo pode fazer agora é evitar gastos adicionais que venham do Congresso. De arrecadação, o grosso do esforço já foi feito. Não é uma situação dramática, mas vai exigir a criação de um novo regime fiscal em 2027. Perdemos tempo", lamenta Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
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Pelas contas dele, a estabilização da dívida pública bruta só deverá ocorrer quando o governo conseguir entregar um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 2% do PIB. "E estamos muito longe disso", frisa. "A estabilização da dívida pública vai depender do esforço fiscal em um próximo mandato. Não vai acontecer neste governo", resume.
Ao apresentar as novas metas no PLDO de 2025, a equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou projeções muito otimistas para a trajetória da dívida pública, com parâmetros fora da realidade, de acordo com os analistas, como a previsão de uma Selic de 7% — atualmente de 10,25% ao ano —, na contramão das atuais previsões, que indicam aumento em vez de redução.
O economista e ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria, por exemplo, não descarta uma Selic de 10% no fim deste ano e ele também é categórico ao destacar os desafios para a estabilização da dívida pública na atual conjuntura. "Será preciso um superavit primário de, pelo menos, 1,5% do PIB. E, no acumulado dos quatro anos do governo Lula, vamos ver um deficit primário acumulado de 6% do PIB. Logo, a dívida pública vai continuar crescendo e a relação dela em relação ao PIB vai subir", alerta.
Tragédia no Sul
Nóbrega acrescenta que existem dois fatores recentes que ajudaram a piorar as estimativas para a taxa de juros e para a inflação, que contribuem para encarecer o custo da dívida pública. "Primeiro, a percepção do mercado de que o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) pode até não começar a baixar a taxa básica neste ano, o que significaria terminarmos o ano com o dólar mais valorizado, acima dos R$ 4,90 das previsões do mercado. Isso significa mais pressão inflacionária e essa tragédia do Rio Grande do Sul também vai bater na inflação", alerta. Pelos cálculos de Nóbrega, a crise do estado sulista ainda pode provocar um impacto de até 0,40 ponto percentual no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano, elevando as atuais projeções do mercado no boletim Focus, do BC, de 3,72%, para pouco mais de 4%. "O Copom elevou de 3,5% para 3,8% a previsão da inflação deste ano e a tragédia no Sul pode fazer a inflação voltar para mais de 4%", aponta.
"Como se sabe, é preciso, realmente, ajudar o Rio Grande do Sul na reconstrução da economia, da infraestrutura e amparar os agricultores. Isso ninguém pode ter dúvida. Isso é necessário. Mas isso vai significar um gasto adicional não previsto. Então, vai ficar mais difícil ainda cumprir as metas do arcabouço fiscal e, portanto, haverá uma deterioração, por menor que seja, da situação fiscal do país", afirma o ex-ministro, em referência ao pacote de R$ 51 bilhões de ajuda anunciado pelo presidente Lula.
"A maior parte desse montante é crédito, mas ainda é cedo para dizer o real impacto nas contas públicas, porque ninguém ainda sabe quanto tempo vai demorar para a volta à normalidade no estado", ressalta.
Não à toa, a mediana das apostas do mercado para a taxa básica de juros (Selic), de 10,75% ao ano, para o fim do ano passaram de 9%, há quatro semanas, para 9,63%, no último boletim Focus, publicado na segunda-feira (6), pelo Banco Central. De acordo com os especialistas, a mudança da meta fiscal, adiando para 2026 a previsão de deficit primário zero nas contas do governo federal, só ajuda a piorar as projeções para o equilíbrio fiscal, apesar de técnicos da equipe econômica, como o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, insistirem em afirmar que a dívida pública vai se estabilizar em 2027.
O economista Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ressalta que a estabilização da dívida pública vai depender das premissas e do cenário considerado nas estimativas e, no caso do PLDO, "os parâmetros estão bastante otimistas". "No cenário da IFI, a estabilização da dívida só ocorreria no começo da próxima década", afirma.
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