Entrevist

"O Brasil não pode sofrer retrocessos", diz Rogério Ceron

Secretário minimiza críticas às mudanças na meta fiscal e garante que, até 2030, o país terá um "ciclo econômico muito positivo de crescimento"

Rogério Ceron: mudanças devem atrair investidores estrangeiros -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Rogério Ceron: mudanças devem atrair investidores estrangeiros - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Apesar da reação negativa do mercado financeiro com a mudança das metas fiscais no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, divulgado na última segunda-feira, adiando a previsão de superavit primário para 2026, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, mantém o discurso de que a âncora fiscal não foi abandonada e garante que segue otimista com o crescimento da economia.

Pelas suas estimativas, será possível estabilizar a dívida pública, entre 2027 e 2028, abaixo de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). Ele confessa ser um grande otimista em relação ao Brasil e alerta que os economistas estão errando porque não estão considerando as mudanças estruturais já realizadas e as que estão em curso. “Até 2030 vamos ver um ciclo econômico muito positivo para o Brasil. Vamos ter que errar muito para não aproveitarmos essa janela”, afirma Ceron, em entrevista ao Correio. De acordo com o secretário, a decisão de mudança da meta fiscal de 2025, reduzindo a meta de superavit primário de 0,5% do PIB para zero, foi consensual na equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O mercado financeiro segue reagindo negativamente em relação às mudanças das metas fiscais no PLDO de 2025. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Eu não vi nenhum relato desse tipo, mesmo as análises que são mais críticas às alterações das metas da LDO não levam para esse ponto. Colocam em risco o que pode vir na sequência, é diferente de já ter materializado que o arcabouço acabou e corre o risco de abrir um precedente para outras alterações.

Exatamente. É o que eles temem…

Nós estamos deixando claro que isso não procede. Outra coisa que não procede, tecnicamente, é a leitura de que a condução da política monetária vai ter alguma alteração em função dessa revisão das metas de resultado primário. Primeiro, o que vai, provavelmente, gerar algum constrangimento ao ciclo de baixa da Selic até onde ela vai, será muito determinado pela taxa de juros norte-americana. Provavelmente, vamos chegar num horizonte em que vai ser mais difícil a continuidade do processo de flexibilização da política monetária aqui em função dos juros de lá (nos EUA). É legítimo que se questione, mas o que estamos falando é que não haverá esse tipo de desistência (da âncora fiscal) e não haverá flexibilização (da meta).

Analistas têm dito que o governo mudou a meta cedo demais e corre o risco de, no próximo PLDO, continuar mudando a meta. Este governo deixará o equilíbrio fiscal para o próximo?

A LDO é um instrumento adequado para fazer as pactuações das metas. Uma coisa que é importante lembrar é que, agora, o novo arcabouço fiscal exige que essa trajetória do resultado primário seja compatível com a estabilização da trajetória da dívida.

O senhor teme que o pacote que vem sendo preparado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) piore o quadro fiscal?

Estamos tentando reverter, porque isso gera, sim, um retrocesso fiscal. E é importante que as pessoas entendam que o quadro fiscal não permite isso. A reação do mercado, claro, tem muita influência do cenário internacional, tanto geopolítico quanto americano. Mas o tensionamento no câmbio, por exemplo, é importante também para que os atores relevantes, seja o Executivo, seja o Judiciário, seja o Legislativo, compreendam que o Brasil não pode sofrer retrocessos. E é muito importante que se tenha consciência, porque o reflexo é isso. Se reflete no câmbio, que se reflete na inflação, que penaliza as pessoas mais pobres. De fato, é importante continuar nesse percurso de educação fiscal e o nosso compromisso é retratado quanto a isso. Enquanto esta equipe continuar no Ministério da Fazenda, nós vamos continuar lutando pela recuperação fiscal.

Essa questão da estabilização da dívida não ficou muito clara na apresentação do PLDO, porque há uma projeção de Selic a 7% nos próximos anos, o que está fora de qualquer previsão do mercado. Há até casas não descartando juros mais altos no fim deste ano…

Eu ouvi comentários desse tipo. As diferenças de estimativas são naturais e nós, com as estimativas da SPE (Secretaria de Política Econômica), temos acertado muito mais do que a mediana do mercado. Mas isso eu não acho que seja uma discussão tão relevante, porque o mercado espera uma estabilização da dívida, em 2030, em 86% do PIB. Então, ela continua estabilizando da mesma forma.

Só na próxima década?

É, na previsão do mercado. Na nossa, a dívida se estabilizaria entre 2027 e 2028 e abaixo de 80% do PIB. Eles acham que vai ser acima de 80% do PIB. Mesmo assim, a dívida se estabiliza. Estamos falando de uma diferença de nível de estabilização e quando vai se estabilizar. No ano passado, o mercado errou a estimativa da dívida pública bruta, de 79% do PIB no fim do ano. Fechamos com um pouco mais de 74%. São cinco pontos percentuais em um ano, de erro de estimativas, mesmo pagando quase 1% do PIB de precatórios. Então, veremos. O ideal é que a dívida se estabilize abaixo de 80%, e é o que estamos batalhando para conseguir. Mas isso depende de várias coisas.

Quais?

Depende do crescimento econômico, depende da taxa de juros, depende de uma série de fatores, de fato. Mas estamos confiantes de que é possível. E quando eu digo que, de qualquer forma, a dívida se estabiliza, não é no sentido de ter conforto.

Mas o custo é menor, não é?

Temos que discutir as razões estruturais do porquê de o custo aqui ser maior. E é maior não só pela questão fiscal. O fiscal importa, e ninguém está dizendo aqui que não tenha que ter esse percurso. Por um lado, tem uma ancoragem que é boa, e, por outro, não podemos descuidar do fiscal de forma alguma. O desafio de curto e médio prazos persiste. Nós não temos margem para retrocessos. E é isso que estamos tentando explicar.

O Congresso está jogando contra?

Essa reprecificação do mercado (com queda da Bolsa, alta do câmbio e dos juros futuros) é importante para o próprio Congresso compreender a delicadeza da situação fiscal e de quanto o retrocesso pode ser nocivo para a população. Porque vai gerar impacto sobre a inflação, que acaba prejudicando quem é mais pobre. Com certeza, o Legislativo não deseja isso.

O FMI soltou um relatório piorando as projeções fiscais para o Brasil. Pode comentar?

A previsão do FMI para o resultado fiscal é melhor do que a previsão do mercado, porque eles preveem 0,6% de deficit primário, neste ano, e o mercado, 0,7% do PIB. O FMI ainda é mais otimista do que a mediana do mercado nos próximos anos. Bons economistas sabem, por mais sofisticada que seja metodologia, o quão frágil que é prever algum desses indicadores. É importante termos uma referência, e acho legítimo cada um ter a sua projeção. Mas um desses indicadores, de atividade econômica, tem sido sistematicamente com viés para baixo.

O senhor acha que as estimativas dos economistas do mercado não estão considerando isso?

Não estão. As reformas estruturais aumentaram o PIB potencial e alguns modelos não incorporaram esse ajuste. Reformas estão sendo feitas, como a reforma tributária, e um conjunto grande reformas microeconômicas. O país vem fazendo reformas ao longo do tempo e estamos fazendo também muita coisa que vai ajudar muito. E eu sou muito otimista com o que está vindo pro Brasil. Até 2030, vamos ver um ciclo econômico muito positivo para o Brasil. Vamos ter de errar muito para não aproveitarmos essa janela.

 


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postado em 18/04/2024 03:54
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