Um dos principais pontos da reforma tributária sobre o consumo, a cesta básica nacional, segue em aberto. As discussões sobre o tema serão retomadas nesta semana pelo Congresso Nacional, que deve decidir quais produtos terão isenção, quais terão alíquota menor e quais serão taxados normalmente.
O dispositivo complementar acabou se tornando um dos pontos mais polêmicos do novo regime tributário e um embate com a indústria de alimentos. O governo criou em março uma nova cesta básica, composta por alimentos in natura e minimamente processados. O decreto estabelece que itens com mais de cinco ingredientes no rótulo, conservantes e aromatizantes artificiais, não devem fazer parte.
Inicialmente, o Senado havia criado duas listas de produtos, uma primeira com alíquota zero, para itens básicos e uma segunda lista chamada de cesta básica estendida, com alíquota reduzida para 40% da alíquota-padrão e mecanismo de cashback (devolução parcial de tributos) a famílias de baixa renda. A proposta também não teve definição.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) entregou uma lista controversa sobre os itens que deveriam ser desonerados, incluindo foie gras (fígado gordo de pato ou ganso), bacalhau, trufas (fungos subterrâneos, ingrediente caro usado em pratos e doces requintados), camarões e lagostas.
Para a advogada tributarista Mariana Valença, do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, a Abras está dando uma interpretação extensiva do decreto do governo. "A cesta básica foi criada para garantir o direito humano à alimentação adequada e saudável, à saúde e ao bem-estar da população brasileira, devendo estar de acordo com as necessidades alimentares especiais e ser acessível do ponto de vista físico e financeiro, ou seja, devem ser incluídos os alimentos básicos consumidos pela maioria da população", destaca.
Valença definiu como crucial que haja um esforço para esclarecer critérios e diretrizes específicas para aplicação da cesta básica. "A fim de minimizar conflitos e garantir uma interpretação consistente da lei por parte de todos os envolvidos, de modo a evitar interpretações extensivas, por exemplo, a pretensão de incluir alimentos de luxo no benefício. Um bom limitador seria criar valores de referências dos produtos", acrescenta.
Ao Correio, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, entidade mencionada no documento da Abras, afirmou que a indústria não sugeriu nenhum alimento para a lista e apenas recomendou as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), que devem considerar as tradições culinárias do Brasil, respeitando a cultura alimentar de cada região. "Em nenhum momento propomos qualquer item, a nossa proposta é que a cesta básica a ser definida pela reforma leve em consideração as necessidades de energia para cada nutriente", afirma.
Ultraprocessados
Também está em discussão na reforma um imposto seletivo que incida sobre bebidas alcoólicas, produtos para fumar, derivados ou não do tabaco, alimentos ultraprocessados e agrotóxicos. Apelidada de "imposto do pecado", a tributação também enfrenta resistência do setor produtivo, e a indústria defende que não há evidências confiáveis disponíveis para tirar quaisquer conclusões sobre os riscos dos alimentos ultraprocessados e seus efeitos.
Dornellas criticou o "terrorismo nutricional" criado em torno do tema, visto que a definição do ultraprocessado é estipulada por formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes. "Quando se fala em ultraprocessados se pensa em refrigerante, salgadinhos, bolacha, são itens do senso comum. As pessoas nem imaginam que muitos dos itens que elas consomem em casa vão ser enquadrados nessa categoria, como iogurtes, pão de forma, é muito amplo e querem colocar os ultraprocessados como um grande vilão", afirma.
O presidente da Abia citou o caso do México, que em 2014, subiu de 17% para 28% o imposto sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados. "É claro que defendemos uma cesta básica com itens naturais, mas a tributação imposta em outros países não fez com que a obesidade e o consumo diminuíssem. O México, por exemplo, continua em segundo lugar em sobrepeso no ranking da OMS. É uma prova de que querer tributar mais não é o caminho, culpando os ultraprocessados. Tributar ainda mais é aumentar o preço da comida para todos", defende.
Rodrigo Petros, pesquisador de engenharia de alimentos da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a proposta de qualificação de alimentos com base no nível de processamento e quantidade de ingredientes, conhecida como Nova, tem uma definição muito vasta, que inclui, por exemplo, alimentos como cereais matinais, pão integral e refeições vegetarianas. "É baseada na suposição de que todos os alimentos fabricados comercialmente têm baixo valor nutricional, promovem ganho de peso e doenças crônicas nos consumidores, pois contêm açúcar, sal e aditivos", comenta.
Essa generalização, segundo ele, ignora benefícios comprovados por dietas escolhidas com a combinação correta de alimentos em todos os níveis de processamento.
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